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A pirataria ameaça São Tomé e Príncipe

Thiago Melo7 de agosto de 2014

Nos últimos anos, o Golfo da Guiné foi surpreendido com um aumento de assaltos e roubos. Através de parcerias internacionais São Tomé e Príncipe tenta combater a pirataria na África Ocidental.

Piratas nigerianos no Delta do NígerFoto: picture-alliance/dpa

Alguns dias de trabalho em alto mar haviam se passado. A tripulação do navio Dona Simoa se preparava para deixar Porto Gentil, na costa do Gabão, e voltar para São Tomé Príncipe. Daniel Veloso, que há mais de 10 anos é pescador, estava entre os 12 tripulantes que foram surpreendidos por um grupo de criminosos que chegou em outra embarcação.

"Era um barco tipo bote, com poucas coisas, mas com uma tripulação de 22 pessoas. Ao princípio nós achámos que precisavam de ajuda, mas quando encostámos no barco, fomos atacados. A maioria dos que lá estavam apontou-nos metralhadoras ou facas. O nosso comandante foi logo dominado", relata Daniel Veloso, que, mesmo depois de quase passado um ano, ainda se lembra, assustado, da ação dos piratas.

Após o ataque, Daniel conta que todos ficaram sob a mira dos piratas. Enquanto uns vigiavam a tripulação do Dona Simoa, outros davam conta de carregar a embarcação clandestina com todo o pescado e combustível que encontraram no barco de suas vítimas. "Eles conseguiram levar 400 quilos de peixe que havíamos capturado para vender em São Tomé, e mais quatro galões com cerca de 200 litros de combustível. Depois de roubarem tudo, foram embora. Não conseguimos mais voltar para São Tomé, pois já não havia combustível para a viagem. Denunciámos o ocorrido a polícia do Gabão, mas nada aconteceu".

Relatos parecidos ao de Daniel Veloso são contados por outros homens que precisam ir até alto-mar para trabalhar na pesca. Nos últimos anos, o Golfo da Guiné foi surpreendido com o aumento de assaltos e roubos, ações conhecidas como pirataria marítima. Segundo o relatório internacional produzido pela seguradora alemã Allianz, no ano de 2013, foram registados 48 incidentes de pirataria naquela região. A Organização Marítima Internacional (OMI) até contabilizou 54 ataques no mesmo ano. De acordo com o relatório da Allianz, estes ataques representam cerca de um quinto das ações piratas em todo o mundo.

Os piratas do Golfo da Guiné

Os ataques de piratas já são conhecidos em África. Há uma década, raptos e sequestros são comuns no Golfo de Áden, na região chamada Corno de África, que compreende a área entre a Somália, o Yemen e a Etiópia. Após os raptos, os piratas exigem quantias exorbitantes para liberar os reféns, que geralmente são estrangeiros oriundos da Europa ou da América do Norte. "Tudo isto perturbava ali a circulação marítima, pois, além de aprisionar as pessoas, os piratas também buscavam prejudicar o comércio entre a Ásia, África, Europa e o Médio Oriente", explicao coronel Marçal Lima, o diretor de Defesa Nacional pelo Ministério da Defesa de São Tomé e Príncipe.

No Golfo da Guiné, onde se situam nove países, incluindo São Tomé e Príncipe, explica o coronel "o modos operandi diferencia-se em relação às acções piratas de Adem. Na região de São Tomé e Príncipe, o objectivo não é o sequestro de pessoas, mas o roubo de petróleo, combustível, navios e pescado".

Apesar de os crimes piratas serem cometidos no mar, para o coronel Marçal Lima, a pirataria começa na terra firme. "A situação de conflito nos países entorno do Golfo da Guiné e muitas outras condições favorecem os ataques que acontecem no mar", afirma o diretor de Defesa Nacional pelo Ministério da Defesa de São Tomé e Príncipe, referindo-se às desigualdades económicas e sociais nestes países. "Há condições precárias para que haja armamentos e criminosos que vão em busca de riqueza no mar, e usam a pirataria como meio de sobrevivência".

Refinaria ilegal no Delta do Níger: apesar da riqueza do petróleo, a pobreza continua alta na NigériaFoto: Katrin Gänsler

Quem financia a pirateria

Marçal Lima ressalta que em muitos casos há sempre alguém com capacidade financiadora por detrás destes homens, e acredita que é gente de variados países. "Os piratas mesmo são pessoas muito miseráveis, que precisam se arriscar em embarcações sem condições de percorrer muitas milhas, e por isso as ações acontecem cada vez mais próximo à costa dos países". O fato de os ataques ocorrerem cada vez mais perto do litoral faz com que a pirataria aconteça na rota dos navios petroleiros, pois "os navios têm de ir à costa para armazenar o petróleo e transportar para fora do continente o produto".

As abordagens piratas acontecem, por vezes, à saída destas embarcações. O coronel afirma que os grupos, fortemente armados, abordam estes navios, ameaçam as tripulações e roubam os seus pertences. No caso dos navios petroleiros, piratas apoderam-se da própria embarcação e conduzem-na para um local seguro, onde podem vender o produto e descaracterizar o navio para ser utilizado novamente. "São pessoas que conhecem muito bem a região".

Segundo a Organização Marítima Internacional (OMI), de todos os países do Golfo da Guiné, Benim, Togo e Nigéria estão entre os mais afetados pela pirataria. De acordo com a OMI, as ações piratas já deram prejuízos de quase dois milhões de dólares à região, entre bens e produtos subtraídos, e investimentos em segurança.

Barco de pesca no porto de Sekondi-Takoradi, uma cidade na região petrolífera do GanaFoto: DW/G. Hilse

Petróleo na mira dos piratas

A região do Golfo da Guiné, além de ser rica em pescado de característica migratória, como o atum, por exemplo, guarda no fundo do oceano uma grande reserva de petróleo. No Golfo da Guiné se situam vários países produtores de petróleo como a Nigéria, a Guiné Equatorial, o Gabão e o Gana. A Nigéria é o maior produtor africano de petróleo com mais de 1,9 milhões de barris por dia, conforme dados da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) de junho de 2014.

São Tomé e Príncipe ainda não iniciou a exploração do óleo. Uma das zonas de exploração são-tomense é em conjunto com a Nigéria. São Tomé e Príncipe vai receber 40% do seu rendimento, quando essa mesma exploração for iniciada. Contudo, para assegurar a produção são-tomense, o governo está desenvolvendo medidas para evitar a pirataria na região. Um sistema de radar, por exemplo, instalado em parceria com os Estados Unidos, realiza a fiscalização da costa das ilhas. "Se for um navio legal, ele terá um sistema automático que o identificará no nosso sistema de radares. Quando este sistema não responde, precisamos interceptar esta embarcação", explica o diretor de Defesa Nacional pelo Ministério da Defesa de São Tomé e Príncipe.

Até petroleiros grandes são atacados por piratas africanosFoto: picture-alliance/dpa

Parcerias internacionais

Para além deste sistema de radares instalado com ajuda norte-americana, os são-tomenses fecharam parcerias com outros países. Quer ao nível regional, com países do Golfo da Guiné, e os demais países africanos, quer ao nível internacional, com países como Portugal, Reino Unido e Brasil, São Tomé e Príncipe busca ajuda para manter a soberania do seu território marítimo e a segurança das embarcações que ali navegam. "Quem está mais afetado é quem compra o petróleo de nós. Por isso, há todo interesse das grandes potências em criar estratégias contra esses crimes aqui na região", ressalta o coronel Marçal Lima, referindo-se às potências europeias e aos EUA.

Um dos principais parceiros de STP contra os piratas é Portugal. O adido da embaixada portuguesa para a cooperação, Nuno Vaz, explica que, dentre outras acções de parceria, o Estado português mantém há dois anos um acordo antipirataria com o governo são-tomense. Este acordo viabiliza para o país infraestrutura para o patrulhamento marítimo. Desde Abril de 2014, a vigilância das águas de jurisdição das ilhas é feita com a ajuda uma fragata e uma aeronave da Marinha de Portugal.

A fragata alemã "Sachsen F 219" no porto de Djibouti. No leste de África, soldados alemães combatem a pirataria.Foto: Bundeswehr/FK Wolff

Treinamento dos militares

Este acordo firmado com os portugueses permitiu que São Tomé e Príncipe tivesse infraestrutura e pessoal capacitado para participar do exercício militar OBAN GAME, que ocorreu em março deste ano no Golfo da Guiné. Coordenado pelos Estados Unidos, este exercício teve ainda a participação do Brasil e da França, que mantêm actividades de cooperação com países da região. A operação ocorreu como treino de oficiais e também reforço da vigilância no Golfo. Os resultados, porém, são confidenciais e, portanto, não foram divulgados.

A Marinha do Brasil iniciou, também em março, um trabalho de formação dos oficiais da Guarda Costeira de STP. A missão, que durará um ano, conta com a participação de nove fuzileiros navais brasileiros, que serão os responsáveis por essa mesma formação. De acordo com o embaixador do Brasil para STP, José Carlos de Araújo Leitão, a luta pela segurança no Golfo da Guiné será constante. "O trabalho de vigilância no Golfo da Guiné deve coibir o contrabando de combustível e de pescado. São riquezas que estão na região e chamam a atenção dos piratas", destaca o embaixador, que acredita que os piratas são criminosos bem estruturados com embarcações e outros equipamentos que permitem, por exemplo, um "arrastão" de pescado em alto-mar.

Pirataria é crime

A pirataria marítima está prevista no Código Penal são-tomense como crime (artigo nº 388). Aqueles que forem apanhados em flagrante podem ser condenados de dois a oito anos de prisão. Segundo o presidente da Ordem dos Advogados de São Tomé e Príncipe, André Aragão, mecanismos como esta legislação são extremamente relevantes para resguardar a soberania e as riquezas do país, visto que a zona marítima é 600 vezes maior que a área terrestre, formada pelas duas pequenas ilhas.

O pirata somali Abdi Ali ao pé dum barco de pesca do TaiwanFoto: picture-alliance/AP

Para escrever este artigo, o jornalista Thiago Melo teve o apoio do programa de formação jornalística "Beyond Your World", que é financiado pela Comissão Europeia e pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos.

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