A recente eleição de jornalistas para o Comité Central e Bureau Político do MPLA reacendeu o debate sobre questões éticas do jornalismo em Angola. E há quem diga que há "agentes infiltrados" nas redações.
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A eleição das jornalistas Joana Tomás, diretora do canal internacional da Televisão Pública de Angola (TPA), e Djamila dos Santos, pivot do telejornal da TV Zimbo, para o Bureau Político e Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), respetivamente, durante o Congresso Extraordinário do partido, no último fim de semana, virou assunto nas redações angolanas. Isto porque ambas ainda não manifestaram interesse em se afastar da profissão para assumir as atividades no partido.
Falando à DW África, Teixeira Cândido, secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), afirma não existir qualquer impedimento legal que obrigue as jornalistas a não exercerem a profissão, pois não foram eleitas para cargos políticos.
No entanto, o secretário-geral do SJA vê na ética e deontologia profissional um impasse. Segundo afirma, as jornalistas podem encontrar dificuldades para se posicionar diante de matérias em que o MPLA é visado.
"Ser membro do Comité Central, à partida, não é um cargo político. É verdade que, em termos políticos, a pessoa não terá distanciamento para exercer o jornalismo fundamentalmente quando tivermos assuntos do partido do qual fazem parte e outros partidos que estejam a disputar. Aí o distanciamento do jornalista é muito crítico", esclarece Teixeira Cândido.
Apelo ao afastamento
O também jornalista Alexandre Neto Solombe defende que as jornalistas eleitas para o Comité Central e Bureau Político do MPLA deixem o exercício da profissão e se dediquem somente à política partidária.
Solombe entende que "a existência de um comité de especialidade dos jornalistas no MPLA era indiciador que, efetivamente, estas pessoas chegariam a lugares cimeiros".
"Que tenham a honestidade suficiente para porem o lugar à disposição, e que se dediquem exclusivamente a atividade política em vez de continuar a fazer jornalismo ao nível das redações, porque é um elemento perturbador", apela o jornalista.
"Agentes infiltrados"
Entretanto, Alexandre Solombe denuncia a existência de pessoas estranhas ao jornalismo nas redações angolanas, cuja função é dificultar o trabalho dos profissionais tidos como críticos aos interesses do Executivo.
"Este é um caso menos grave comparativamente àqueles agentes infiltrados nas redações, e cuja missão é informar qual dos jornalistas é eventualmente mais crítico na concessão dos artigos que produz", revela Solombe, que afirma que "o trabalho na identificação destes agentes é que um grande desafio" para os jornalistas angolanos atualmente.
Herança do passado
O jornalista Coque Mukuta concorda com as opiniões de Teixeira Cândido e Alexandre Solombe, mas acrescenta que esta realidade vem do passado. E diz ser importante que o jornalista afaste-se da profissão caso esteja envolvido na política.
"Estes são os vícios do passado. E vai ser ainda bastante dificil de nós, enquanto profissionais da comunicação, percebermos que não é nem moral e nem ético ser jornalista e exercer uma função num partido político, pois pode haver choque entre os conteúdos que estejamos a tratar e o nosso próprio partido".
A DW África tentou ouvir as jornalistas Joana Tomás, diretora do canal internacional da TPA, e Djamila Dos Santos, pivot do telejornal da TV Zimbo, mas não obteve resposta.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.