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HistóriaAlemanha

A resistência dos afro-alemães durante o regime nazi

7 de maio de 2025

Os nazis visavam as pessoas negras na Alemanha, excluindo-as da sociedade através da esterilização forçada e da negação da cidadania. Ativistas e historiadores continuam a lutar pelo reconhecimento destas injustiças.

Imagem a preto e branco mostra afro-alemães durante o regime nazi na Alemanha. Faz parte de uma série de artigos sobre as experiências dos afro-alemães durante este período.
A minoria negra na Alemanha já era marginalizada devido à Grande Depressão de 1929, mas o regime nazi agravou as dificuldadesFoto: deSta/ Dekoloniale Stadtführung

"Penso que as pessoas não se apercebem do facto de que o período nazi na Alemanha durou apenas 12 anos. O que 12 anos podem fazer à sociedade, o que pode acontecer, não é preciso 50 ou 100 anos", diz a historiadora alemã Katharina Oguntoye.

Os crimes hediondos, a subjugação, o racismo, a escravidão e o genocídio cometidos contra os judeus, os ciganos, as pessoas LGBTQ+ e outras comunidades estão bem documentados. Mas, para a comunidade negra da Alemanha, não tem sido fácil obter o reconhecimento dos crimes e abusos de que foi vítima.

Robbie Aitken, historiador da Universidade de Sheffield Helen que estuda as comunidades negras da Alemanha há 20 anos, diz que parte da razão para isso é que havia uma relutância na sociedade alemã em reconhecer e aceitar que os negros faziam parte da Alemanha desde o final do século XIX.

"Estamos a falar de pessoas que atravessaram fronteiras, que se deslocaram muito, e estamos a falar de um período em que os próprios nazis destruíram documentos, pelo que encontrar informação era difícil", explica, em entrevista à DW. "Acho que isto tem sido ignorado por muitos historiadores. E há uma falta de conhecimento público e académico generalizado sobre este período", acrescenta.

No final do século XIX, o Império Alemão em África pôs a Alemanha em contacto com os africanos, a sua mão-de-obra e recursos territoriais. As colónias incluíam os Camarões, o Togo, a África Oriental Alemã e a Namíbia, que, mais tarde, se perderam depois da derrota da Alemanha na I Guerra Mundial.

Embora não se conheçam os números exatos, milhares de pessoas de ascendência africana chegaram à Alemanha vindas de várias regiões de África, das Caraíbas, da América do Sul e dos Estados Unidos da América.

Afro-alemães falam sobre racismo 

04:32

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Abusos dos nazis tornaram-se rotina

A minoria negra na Alemanha já era marginalizada devido à Grande Depressão de 1929. Mas a natureza racista do regime nazi, que surgiu em 1933, agravou as dificuldades.

"Quando os nazis chegaram ao poder, qualquer pessoa que quisesse ser racista, que concordasse com os seus pontos de vista, podia dizer entusiasticamente estas coisas nas ruas, podia agredir física e verbalmente as pessoas. Tinham carta branca para o fazer", diz Aitken.

Com isto, tornou-se ainda mais difícil para os residentes negros serem vistos em público, particularmente com mulheres e filhos. Os vários milhares de pessoas negras que viviam na Alemanha eram vistas como racialmente inferiores. Entre 1933 e 1945, os nazis usaram leis e políticas raciais para restringir as suas oportunidades económicas e sociais.

"A nível local, várias famílias foram efetivamente expulsas dos seus apartamentos para dar lugar a apoiantes dos nazis ou membros do partido. Alguns alemães negros que tinham empresas foram explicitamente visados", explica Robbie Aitken. Um exemplo é Mandenga Diek, um comerciante camaronês de sucesso na Alemanha, que perdeu o seu negócio e se tornou apátrida com a sua família quando os nazis chegaram ao poder.

Mandenga Diek perdeu tudo quando os nazis chegaram ao poderFoto: Privatbesitz Reiprich

Da esterilização forçada aos filmes de propaganda

As pessoas negras eram perseguidas detidas, esterilizadas ou submetidas a experiências. Adolf Hitler tinha como alvo as crianças de diferentes raças que viviam na Renânia e que eram perseguidas pela Gestapo, a polícia secreta oficial da Alemanha nazi, e esterilizadas por ordem secreta. Aitken diz que estas ações provam que havia uma "intenção genocida".

"Isto não significa que todas as pessoas negras eram esterilizadas, mas se olharmos para isto ao mais alto nível político e se olharmos para a forma como as forças policiais locais trabalharam, elas compreenderam esta intenção", afirma.

A introdução das leis raciais de Nuremberga foi uma das fundações da política racial nazi. Baseadas em protótipos desenvolvidos para separar os brancos dos negros durante o período colonial alemão em África, entre outras restrições raciais, as leis proibíam os casamentos e as relações secuais entre judeus alemães e os chamados arianos.

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O termo "ariano" era usado para descrever uma suposta raça "branca" superior, por oposição aos judeus e outros grupos classificados como "inferiores". Wilhelm Frick, o ministro do Interior, estendeu as leis aos homens e mulheres considerados negros.

A "Exposições da África Alemã", conhecidas como "Deutsche Afrika-Schau", criadas pelo togolês-alemão Kassi Bruce, eram oportunidades para as pessoas negras sobreviverem financeiramente. No entanto, o regime nazi limitava quem podia participar nas mostras.

Os filmes de propaganda colonial, em que os negros eram estereotipados para desempenharem o papel de criados, foram utilizados pelo regime como parte das esperanças da Alemanha de recuperar os seus territórios coloniais perdidos.

A história afro-alemã através da literatura

Com base numa seleção de histórias de vida, Katharina Oguntoye conseguiu reconstituir as experiências dos alemães negros durante a era nazi.

A antologia "Mostrando as suas cores: Mulheres afro-alemãs no rasto da sua história", publicada em 1986, juntamente com May Ayyim, poeta e ativista afro-alemã, representou um momento chave para a comunidade afro-alemã e para o feminismo interseccional. O livro combina análise histórica, entrevistas, testemunhos pessoais e poesia para explorar o racismo na Alemanha.

Durante a sua investigação, Oguntoye cruzou-se com figuras como a cantora política Fasia Jansen, o ator Theodor Wonja Michael e o jornalista Hans Massaquoi, cujas histórias são de resistência e coragem de existir durante o regime nazi.

A ativista e escritora Katharina Oguntoye escreveu vários livros sobre as experiências dos afro-alemãesFoto: Privat

Embora Katharina Oguntoye tenha nascido 14 anos depois da II Guerra Mundial, filha de mãe alemã e pai nigeriano, a sua identidade criou uma plataforma para contar estas histórias.

"Há muito poucas pessoas a fazer esta investigação. Há mais dois ou três académicos a investigar as pessoas negras no período nazi", afirma, em entrevista à DW.

Para Oguntoye, a presença e as contribuições da comunidade negra na Alemanha são subestimadas. Para muitos, o pioneiro Anton Wilhelm Amo, que se tornou o primeiro académico nascido em África a receber um doutoramento de uma universidade europeia, só ficou conhecido quando uma rua de Berlim recebeu o seu nome, em 2021.

Começar por alterar o programa de ensino

Oguntunye diz que a história afro-alemã deveria ser mais abordada nos currículos escolares: "É bom ensinar a história através das biografias, das histórias das pessoas, histórias de vida, porque essa é a forma mais fácil de lembrar as pessoas".

Outras formas de inclusão visível dos afro-alemães na Alemanha são as placas comemorativas em Berlim.

Em 2022, a biblioteca Theodor Wonja Michael, em Colónia, foi inaugurada como uma casa para as histórias de pessoas negras e promove a investigação sobre identidade, raça e cultura. A criação da biblioteca foi inspirada em parte pelo lançamento do livro de Theodor, "O meu pai era um alemão", um relato da sua vida como homem negro na Alemanha do século XX.

Justice Mvemba fundou a deSta para educar os turistas sobre a história colonial da AlemanhaFoto: deSta/ Dekoloniale Stadtführung

Mais do que vítimas

Mas a luta pelo reconhecimento e pela aceitação está longe de terminar e a nova geração tem de lidar com uma sociedade alemã que está a virar politicamente à direita.

Sophie Osen Akhibi, membro da Rede Académica Afro-Diaspórica, destaca a importância de identificar onde se pode exerceer influência para impulsionar a mudança estrutural. "Não ajuda continuarmos no 'modo vítima' e queixarmo-nos, em vez de buscarmos poder para sermos incluídos na tomada de decisões ou tomarmos as nossas próprias", afirma.

Através da sua organização, Akhibi e os seus colegas esforçam-se por garantir que os decisores políticos compreendam as realidades enfrentadas pelos migrantes e pelas minorias e as abordem.

Os jovens estão também a tentar educar sobre a história da Alemanha com visitas guiadas às cidades, como faz Justice Mvemba com a sua operação turística em Berlim, a "deSta" (na tradução literal, Visita à cidade decolonial).

"Quero normalizar a conversa sobre o colonialismo de uma forma crítica e sei que muitas pessoas têm dificuldade em fazê-lo. Mas também estou positivamente surpreendida por descobrir que há muitas pessoas brancas, muitos alemães brancos, que estão prontos para receber essa perspetiva crítica", diz, em entrevista à DW. Mvemba também espera que a história colonial da Alemanha tenha mais visibilidade.

Afro-Alemanha - Afro-Deutschland

05:58

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