Estudo evidencia que projeto da Fundação Bill e Melinda Gates que visava diminuir a escassez de alimentos em África fracassou. Agricultores envolvidos no projeto estão endividados e a fome aumentou nos países parceiros.
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A Aliança para a Revolução Verde em África, AGRA, criada com o apoio da Fundação Rockfeller e da Fundação Bill & Melinda Gates, não está a cumprir os seus principais objetivos.
Em 2006, a Aliança comprometeu-se a dobrar a renda de 20 milhões de pequenos agricultores e reduzir para metade a escassez de alimentos em 20 países africanos até 2020. Mas esta promessa ainda não foi cumprida.
Segundo a especialista agrícola Mutinta Nketani, da Zâmbia, este não é o único objetivo que a AGRA, o projeto do fundador da Microsoft e da mulher, não conseguiu alcançar.
"Acho que a maior crítica é que este modelo não conseguiu atingir os seus próprios objetivos. Este facto deveria levantar uma bandeira vermelha, não apenas para as organizações da sociedade civil, mas para os países onde a AGRA está a trabalhar, para a própria AGRA e seus financiadores.”
Fome aumentou
Melinda e Bill GatesFoto: picture-alliance/dpa
Mutinta Nketani é uma das autoras de um estudo conduzido por várias organizações de desenvolvimento alemãs e africanas em conjunto com a Fundação Rosa Luxemburgo. A pesquisa comprova a ineficácia de muitos projetos da AGRA.
O estudo evidencia que o número de pessoas que passam fome nos 13 países parceiros da AGRA não diminuiu, mas cresceu em quase um terço. A produtividade agrícola passou a aumentar num ritmo mais lento em oito países desde o início das atividades da AGRA.
Agricultores contraíram dívidas
Um fator ainda mais grave é o endividamento de pequenos produtores beneficiados. A organização treina os agricultores para ter acesso à tecnologia, sementes e fertilizantes. Mas os agricultores da Zâmbia, por exemplo, contraíram dívidas, porque a renda esperada não se concretizou.
O Governo da Zâmbia também comprou sementes e fertilizantes a preços elevados para distribuir aos pequenos agricultores e acumulou uma dívida de quase 90 milhões de euros.
"A questão é: Quais são os interesses que a AGRA promove? Quais produtos esta organização promove? Na Zâmbia, por exemplo, foram, na maioria dos casos, produtos de empresas privadas de sementes e de fertilizantes. E a maior parte das empresas produtoras de sementes na Zâmbia é multinacional”, observa Nketani.
Kofi Annan de visita a um campo agrícola no Quénia, em 2017, no contexto do AGRAFoto: picture-alliance/ dpa/E. Parsons
O estudo conduzido com o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo revela o processo de acidificação do solo devido ao uso excessivo de fertilizantes. Para além disso, a AGRA incentiva a produção de monoculturas como o milho, e ignora a vegetação local.
Interesses paralelos?
Estas alegações são sérias, uma vez que a AGRA recebe muitos apoios de doadores do Ocidente. Dirk Schattschneider, representante da iniciativa "Um mundo sem fome", do Ministério para a Cooperação e Desenvolvimento alemão, diz que a Aliança goza de grande reconhecimento de muitos governos africanos, da União Africana e da sociedade civil.
"Para o futuro, é preciso haver dados de impacto mais eficazes sobre as atividades da AGRA. Nós estamos a dialogar com a Aliança para que, no futuro, os seus projetos abram mais espaço para abordagens agroecológicas."
Em resposta por escrito às questões da DW, o chefe de estratégia da AGRA, Andrew Cox, rejeitou as críticas feitas pelo estudo apoiado pela Fundação Rosa Luxemburgo e disse que a análise "não foi realizada de forma transparente”.
Aquecimento global: Caminhamos para o fim da agricultura tradicional?
No Corno de África, países como a Eritreia estão a registar padrões meteorológicos cada vez mais irregulares, colocando em causa a subsistência dos agricultores.
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Agricultura: um modo de vida
As alterações climáticas têm um impacto irreversível nas comunidades que dependem do ambiente natural para as necessidades básicas. Na Eritreia, estima-se que cerca de 80% da população são agricultores de subsistência, que cultivam principalmente sorgo, trigo e milho. Esses agricultores são vulneráveis a mudanças nos padrões climáticos, que podem devastar a produção de alimentos.
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Colher fora de horas
Durante os últimos anos, a Eritreia, tal como o resto do Sudeste Africano, sofreu flutuações climáticas exacerbadas pela tendência de aquecimento dos oceanos, o chamado "El Niño". As chuvas caíram, inesperadamente, na Eritreia, em outubro do ano passado, o que levou o governo a aconselhar os agricultores a colherem mais cedo.
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Stock de alimentação vulnerável
"Se não tivessem reagido, ou não tivessem reagido com base na colheita tradicional, provavelmente perderiam a colheita", diz Peter Smerdon, do Programa Mundial de Alimentos. Embora o "El Niño" seja um evento complexo e de ocorrência natural, pesquisas científicas sugerem que o aquecimento global fará com que este evento cíclico ocorra com mais frequência e intensidade.
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Consenso sobre as alterações climáticas
A maioria das comunidades científicas concorda que mudanças significativas a longo prazo no sistema climático da Terra ocorreram e estão ainda a ocorrer de forma mais célere que no passado. Prevê-se que a continuação das emissões para a atmosfera terrestre provoquem um maior aquecimento, afetando África com temperaturas elevadas e aumentando a variabilidade sazonal das chuvas.
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Consequências económicas globais
"As pessoas nos países mais ricos devem estar preocupadas com os efeitos da mudança climática no Corno de África", afirma Challiss McDonough, do Programa Alimentar Mundial. "A mudança climática é uma das principais causas da fome global, perdendo apenas para os países doadores. Por isso, investir no clima e na redução do risco de desastres faz sentido do ponto de vista económico".
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Ainda de pé
A árvore de sicómoro tem um simbolismo significativo na Eritreia. Os anciãos costumavam reunir-se debaixo destas enormes árvores centenárias, para discutir questões importantes e leis comunitárias. Muitas destas árvores foram derrubadas durante a colonização e a guerra. As que ainda restam têm de enfrentar os efeitos da mudança climática.
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Praias ameaçadas
"Um dos impactos das mudanças climáticas numa região costeira é a elevação do nível do mar, que aumenta a probabilidade de desastres relacionados com inundações, como marés altas, que podem eliminar uma safra inteira", diz Smerdon. Além disso, acrescenta, "a intrusão de água salgada devido à mudança climática pode aumentar a erosão e a salinidade dos solos, prejudicando a fertilidade da terra."
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Corais em perigo
A costa deslumbrante da Eritreia inclui recifes de coral, um fator potencial de turismo, se sobreviverem no estado actual. "Até há alguns anos atrás, este pedaço de mar estava cheio de corais, mas no ano passado morreram todos", revela um mergulhador da Eritreia à DW. "A temperatura do mar estava muito alta. Ao mesmo tempo, os pescadores dependem dos recursos do oceano para comércio.
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À procura de um caminho
As alterações climáticas na Eritreia são evidentes noutros locais. "Enquanto trabalhava na América Central, na África Oriental e no Médio Oriente, falei sempre com pessoas mais velhas, especialmente agricultores, e a mensagem deles é comum", diz Sam Wood, da Save the Children na Etiópia. "Os padrões climáticos estão a tornar-se menos previsíveis e, quando vem a chuva, é muito ou muito pouco."