Moradores do Huambo queixam-se da falta de gás que precisam para poder cozinhar. A escassez está a fazer disprar os preços. Sem explicação oficial, fala-se em redução da produção a partir do Lobito.
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Longas filas nas agências e agentes revendedores de gás de cozinha na cidade de Huambo, em Angola. Este é o cenário que se regista ao andar pelas ruas desde o início de agosto, quando a região do planalto central começou a ter o seu abastecimento de gás butano parcialmente limitado.
O fornecimento do gás é feito a partir de Lobito, na província de Benguela. As razões reais da escassez do produto ainda são desconhecidas, mas especula-se que a capacidade de produção da Sonagás, que pertence à petrolífera estatal Sonangol, tenha sido diminuída.
A falta do produto está a causar vários constrangimentos aos moradores da cidade, para além de propiciar o aumento abusivo do preço produto no mercado paralelo.
Por toda parte que se ande, a população reclama que a Sonagás, empresa responsável pela produção e distribuição do produto, não se pronuncia a respeito do problema. A reportagem da DW África decidiu fazer uma ronda nos vários postos da cidade e pôde constatar o sufoco das pessoas para encontrar gás de cozinha.
Guilherme Torres contou que, há uma semana, a botija está vazia em sua casa. "Estou à procura de gás. Está difícil, já passei em vários postos e a explicação é sempre a mesma: teremos mais tarde", afirma.
João Sampaio passou por vários pontos da cidade na expectativa de conseguir o tão almejado gás: "Já passei na Santa Teresa, não encontrei; fui à baixa da cidade e nada. Somente agora, depois de horas, encontrei gás; mas não é o apropriado para o nosso consumo. Está mesmo muito difícil".
Lucro acima de tudo
A aflição de muitas famílias para obter gás butano está a ser aproveitada pelos comerciantes informais, que elevaram o valor do produto. Uma botija de 12 quilos normalmente é vendida a 1.200 kwanzas (seis euros). Com a escassez, ela passou a ser comercializada a 2.000 kwanzas (10 euros).
Angola/Gás - MP3-Mono
"O gás foi vendido a 2.000 kwanzas, mas antes custava 1.200 kwanzas", denunciou João Sampaio. Para garantir que não falte comida à mesa, muitos cidadãos recorrem ao carvão vegetal e à lenha. Mas o carvão também sofreu um incremento. Um saco de dois quilos era antes comercializado a 50 kwanzas (26 cêntimos de euro); agora ele está saindo por 100 kwanzas (52 cêntimos de euro). Guilherme Torres apela aos responsáveis que normalizem a situação: "Estamos a cozinhar com carvão. Precisamos mesmo de gás. Nunca tivemos este problema antes".
A DW África tentou obter informação na sede da Sonagás, no Huambo, mas obteve a resposta que ninguém está autorizado a falar sobre o assunto. Segundo uma fonte ligada à Sonagás, a restrição que se regista no fornecimento do produto deve-se à baixa nos níveis de produção a partir do Lobito. O que se dá exatamente no momento em que Angola planeia exportar gás butano para São Tomé e Príncipe.
Apetite renovado
Do outro lado, a Economist Intelligence Unit (EIU) considera que o acordo assinado entre a empresa de gás Angola LNG e a distribuidora Glencore mostra um "apetite renovado" pelo setor e que os projetos estão a recuperar anos de estagnação.
Segundo uma análise feita pelos peritos da Unidade de Análise Económica da revista The Economist, a que a agência Lusa teve acesso, "estes contratos sublinham o apetite renovado por acordos de nova produção com as principais empresas do setor".
A EIU não conseguiu levantar os detalhes do acordo, mas informou que os parâmetros são similares aos negócios feitos nos últimos dois anos com a britânica Vitol e a germânica RWE Supply and Trading.
A fábrica do Soyo, na província angolana do Zaire, já produziu cerca de 3,5 milhões de toneladas, em comparação com 0,77 milhões do ano passado. E, mesmo assim, está abaixo da capacidade instalada de 5,2 milhões de toneladas por ano.
A central do Soyo é um empreendimento detido em conjunto pela Sonangol (com 22,8%) e outras petrolíferas internacionais, como a Chevron (com 36,4%) a Eni, a Total e a BP, cada uma com uma quota de 13,6%.
Os analistas da Economist lembram que a abertura da central do Soyo, em 2013, mais de um ano depois do previsto, fez a fábrica funcionar por menos de 12 meses. Suas portas foram fechadas durante dois anos, depois de vários incêndios com origem na parte elétrica, falhas nos tubos de distribuição ['pipelines'] e problemas no processamento de gás.
Os especialistas afirmam que durantes esses anos "o mercado mudou". Devido ao desenvolvimento do gás e do petróleo de xisto na maior economia do mundo, os Estados Unidos, a procura dos consumidores por combustíveis estrangeiros diminuiu. O resultado foi que a ideia inicial de exportar gás natural liquefeito (LNG, nas siglas em inglês) para os Estados Unidos acabou caindo por terra.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".