Abdulai Silá: Publicar em alemão tem "significado especial”
30 de março de 2021Em entrevista à DW África, o romancista guineense não esconde a sua satisfação por ver as obras entrarem para o panorama literário da Alemanha, um país que lhe é familiar. Abdulai Silá formou-se na Universidade Técnica de Dresden, onde ingressou em 1979.
O romance "A Última Tragédia" - já traduzido para francês, inglês e italiano -, foi agora traduzido por Rosa Rodrigues para alemão pela editora Leipziger Literaturverlag, com o título "Die Letzte Tragödie".
O livro foi publicado praticamente em simultâneo com a peça de teatro, também de Abdulai Silá, "Dois tiros e uma gargalhada", em alemão "Zwei Schüsse und ein Lachen", com tradução de Renate Hess.
DW África: Nas últimas semanas viu duas obras suas serem traduzidas para alemão. O que é que isso representa para o seu trabalho?
Abdulai Silá (AS): Para mim; publicar na Alemanha tem um significado especial pelo vínculo que tenho com o país e pelo facto de um desses livros ter sido escrito lá (na Alemanha). Vivi cinco anos na cidade de Dresden e o romance foi produzido quando estava em Dresden a estudar. Tem um significado importante e especial para mim.
DW África: Como é que surgiu esta oportunidade de chegar ao mercado alemão?
AS: Foram coincidências de vários fatores felizes. Há o meu interesse, que sempre existiu, e houve a intervenção de uma leitora do Instituto Camões, a professora Rosa Rodrigues, que trabalha na Universidade de Heidelberg, e que tem se interessado particularmente pela Guiné-Bissau nos últimos tempos. No contacto que houve surgiu interesse para traduzir o livro ("A Última Tragédia”) e fazer as diligências necessárias para identificar uma editora. Os méritos são dela.
DW África: Acredita que poderá vir a abrir mais portas e despertar o interesse para o trabalho de outros escritores africanos e guineenses em particular?
AS: Eu acho que sim. A Alemanha, por vários motivos, não é um mercado que tem sido muito aberto a escritores africanos e guineenses em particular. Mas acho que a situação mudou. Entretanto, além destes dois livros, tenho propostas com uma editora para publicar outros trabalhos meus. Portanto nos próximos anos vamos ter portas abertas para dar a conhecer aos leitores alemãs o que se tem produzido aqui na Guiné-Bissau.
DW África: O livro "A Última Tragédia" faz uma viagem pelo passado colonial e um retrato, mais especificamente, da Guiné-Bissau. O que poderá cativar os leitores alemães?
AS: "A Última Tragédia" faz parte de um projeto que tinha três componentes. E este livro abarca sobretudo o período antes da independência. O leitor europeu, de uma maneira geral e não apenas o alemão, sabe pouco ou muito pouco até, sobre a relação entre o colonizador e o colonizado. É uma área que não tem sido muito do agrado dos editores europeus, de uma maneira geral.
DW África: Será importante para dar a conhecer e fazer chegar a mais pessoas o passado histórico do país?
AS: Esse livro procura retratar e dar uma visão de quem viveu esse período e viveu do lado do colonizado. Trata-se de contar uma outra história, outra narrativa sobre esse relacionamento, porque infelizmente há vários países que até hoje insistem em não mostrar a verdade histórica. E, por consequência, criam uma imagem distorcida daquilo que foi o relacionamento entre o colonizador e o colonizado. Compete ao escritor africano revelar isso.
Nós temos que contar a nossa história porque a história que foi contada sobre nós, é a história do colonizador. É chegado o momento de começarmos a discutir essas questões de uma forma clara, aberta e limpar essa imagem distorcida que existe e enquadrar esse debate num programa global que tem como objetivo a descolonização das mentes. O colonialismo acabou, mas há muitas mentes que continuam colonizadas. Tanto de um lado como do outro. E é isso que é preciso abordar com seriedade. É essa a temática que eu acho que pode interessar particularmente ao leitor alemão.
DW África: E relativamente à peça teatral "Dois tiros e uma gargalhada”, o que nos pode dizer?
AS: Acho que a escolha dessa peça teve que ver com algumas analogias que os críticos descobriram em relação às obras de Bertolt Brecht [dramaturgo alemão]. Eu nunca tinha lido Bertolt Brecht, mas quem conhece e críticos literários, já defenderam isso. Penso que isso teve alguma influência na escolha dessa peça.
Publicar uma peça de teatro na Alemanha é uma coisa extraordinária, não acontece todos os dias. É um acontecimento que a mim me orgulha muito, enquanto africano e não como autor porque vai ser uma obra "de gente distante" a entrar no mercado alemão e, a partir da publicação, quem sabe poderão aparecer grupos que estejam interessados em representar a peça e levá-la a palco.
Isso, do meu ponto de vista, vai ao encontro dessa "tarefa" que temos enquanto africanos de fazer chegar ao outro lado aquilo que é produzido deste lado. Porque o que tem acontecido é nós sermos consumidores. Lemos tudo o que se produz na Europa, mas ninguém está disponível para nos ouvir e para ler o que nós produzimos. Tem de haver agora uma comunicação no sentido inverso.
DW África: Considera que as traduções conseguiram chegar à essência das suas obras e transmitir de forma fiel as histórias que retrata?
AS: Considero que as traduções são perfeitas. Tenho a minha maneira própria de escrever e tenho consciência que não é aquela que é comum. Comum para o leitor, tradutor e editor europeu. Tendo dito isso, acho que os trabalhos foram muito bem feitos. Isso notou-se, por exemplo, na leitura que foi feita da peça de teatro. Houve um ator profissional que fez um trabalho extraordinário a partir de uma tradução muito boa que foi feita. Também relativamente ao romance, foi muito bem feita. A professora Rosa Rodrigues conhece muito bem o português e o alemão e só tenho de louvar o seu trabalho.