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Abusos na exploração de diamantes em Angola são graves e passam impunes no processo Kimberley

30 de setembro de 2011

Violações dos direitos humanos no garimpo, em Angola, são piores que no Zimbabwe, país sancionado pela comunidade internacional.

Exploração de diamantes numa mina no Zimbabwe, país impedido legalmente de colocar os seus diamantes no mercado internacionalFoto: AP

O processo de Kimberley foi criado em 2003 com o objetivo de pôr cobro aos laços que existiam entre o comércio de diamantes e as violações dos direitos humanos. Oito anos depois, o caso do Zimbabwe e concretamente o dos jazigos da região de Marange, no leste do país, coloca o processo à prova.

“Os diamantes do Zimbabwe e os direitos do Homem”, foi o tema de uma discussão organizada em Berlim pela Fundação Heirich Böll, ligada ao partido alemão "os Verdes".

Entretanto, num outro país da África Austral, Angola, questões ligadas à exploração diamantífera preocupam principalmente os defensores dos direitos do Homem. Por exemplo, no Cuango, a principal região de garimpo naquele país, as autoridades e as empresas diamantíferas têm implementado medidas de repressão que visam afugentar da região as populações nativas e radicadas.

O jornalista e ativista angolano dos direitos humanos, Rafael Marques, em entrevista à DW, fez uma análise dos atos de violência praticados em Angola.

Será que se pode comparar a situação que se vive na região mineira do Cuango, em Angola, com a de Marange, no Zimbabwe?

Rafael Marques, ativista angolano dos direitos humanos, é autor do livro "Diamantes de Sangue"Foto: privat


No caso do Cuango, os níveis de violência são, de longe, mais graves, piores, que os do Zimbabwe. Mas há sanções contra o Zimbabwe e contra Angola nem sequer se permite que os angolanos façam comentários negativos sobre a relação e a cumplicidade da comunidade internacional com todo este processo.

E veja também o Lev Leviev, que é um dos principais vendedores de diamantes do mundo. Tem uma parceria com a família presidencial na compra de diamantes dos garimpeiros.
E, entretanto, é um dos principais responsáveis também por esta situação. Porque foi ele que, em princípio, gizou esta política do governo de relacionamento da Ascorp, a empresa criada para lidar com garimpeiros.
E porque é que ele é um dos principais responsáveis? Porque se criou uma legislação em que o indivíduo que vende o diamante é ilegal, não tem reconhecimento jurídico, e o indivíduo que compra tem reconhecimento jurídico. E isso aumentou as situações de violência nas Lundas.

Voltando ao caso da comparação com a situação no Zimbabwe, as autoridades angolanas dizem que os diamantes de Angola não são "diamantes de sangue" porque não provêm de zonas de conflito.

Essa é uma tese falaciosa porque no caso do Zimbabwe houve sanções e o regime de Robert Mugabe não é um movimento rebelde, é um governo com legitimidade internacional e está sob sanções. Logo, há aqui uma situação de dois pesos e duas medidas, em que o processo de Kimberley, no caso de Angola, diz que não são diamantes de conflito, por não serem provenientes da extração feita por um movimento rebelde. E no caso do Zimbabwe acusa o governo de estar a gerar violência com a exploração dos diamentes e sanciona-o, impedindo a entrada desses diamantes no circuito internacional.
Por outro lado, também, é preciso anotar que o processo de Kimberley é apadrinhado pelas Nações Unidas. E em momento algum nos tratados assinados pelos países que conformam o sistema das Nações Unidas há luz verde para que os governos maltratem e assassinem o seu próprio povo.

Não seria melhor que o próprio processo de Kimberley fosse rediscutido e alargado esse conceito de “diamantes de sangue”?

Exploração de diamantes em Angola viola direitos humanosFoto: picture-alliance/ dpa

O que o processo de Kimberley e as Nações Unidas têm de fazer é aquilo que está instituido na Carta das Nações Unidas.
Eu costumo dizer e volto a repetir: o processo de Kimberley é uma fraude, para proteger os principais produtores de diamantes e aqueles que realmente pagam as contas (os grandes financeiros internacionais). Não é um processo que vele, de facto, pelo respeito das normas elementares de comercialização internacional. Porque é extremamente parcial, em função dos interesses de cada grupo e daqueles que dominam o processo. Angola tem excelentes relações com a indústria diamantífera de Israel, dos Estados Unidos, e todos esses indivíduos garantem que os diamantes angolanos tenham a melhor imagem possível e essa imagem só é conseguida ignorando a realidade local.

O que é que realmente se passa na região do Cuango?

É uma situação de permanente terror, por parte das forças de defesa e segurança e forças militares estacionadas naquela localidade. Por exemplo, diariamente garimpeiros (que são grande parte dos jovens daquela região por falta de emprego) são torturados, muitos são mortos. Há casos de execuções sumárias e às vezes até em série. Houve um caso particular, que eu registei, de vinte indivíduos que foram fuzilados de uma só vez. E outro caso de quarenta e cinco garimpeiros que foram enterrados vivos pelas forças armadas angolanas. Indivíduos que são espancados com catanas, passam-lhes com as rodas dos carros pelos pés, obrigam-nos a saltar de carrinhas em andamento, em alta velocidade, para que tenham acidente e, eventualmente, na queda até possam morrer. É toda uma série de condições que se vêm alargando ao longo dos anos. E houve um aumento de abusos nos últimos dois anos quer da parte do exército angolano quer da parte da Teleservice, que é a principal companhia de prestação de serviços de segurança em Angola. Esta empresa tem grande poder porque serve as multinacionais petrolíferas, as Cheveron, British Petroleum (BP), Statoil...

Mas à partida, o governo de Angola, que é um dos fundadores do processo de Kimberley, tinha uma outra forma de pensar em relação a esse processo?

O governo tinha um objetivo específico que era a destruição militar da UNITA [principal partido da oposição em Angola], o aniquilamento de Jonas Savimbi. E o processo de Kimberley e as sanções das Nações Unidas contribuiram, de sobremaneira, para a realização desta estratégia.

Logo, Angola precisa do processo de Kimberley apenas por uma questão de imagem, porque tem a presidência sobre a mineração artesanal ou do grupo de trabalho sobre o garimpo, para ser mais direto. E Angola pode manipular como bem entende este processo.

Esta entrevista foi feita com base no livro "Diamantes de sangue - corrupção e tortura em Angola", lançado recentemente em Lisboa por Rafael Marques.

Garimpeiros de uma mina de diamantes do ZimbabweFoto: AP

Autor: António Rocha
Edição: Glória Sousa / António Cascais

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