Trata-se de uma campanha que começou depois que uma criança morreu vítima de fortes chuvas em Luanda. Logo tornou-se viral na internet, em repúdio à falta de políticas públicas para minimizar os problemas da população.
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Em Angola, todos os anos, o mau tempo mata e provoca estragos em Luanda e em várias cidades do país. Este ano, os efeitos da chuva já deixaram pelo menos 10 mortos na capital, incluindo crianças. Devido a este problema, os cidadãos iniciaram na rede social Facebook uma onda de protestos denominada "Acaba de me matar". O movimento, que se tornou viral, visa repudiar a falta de políticas para minimizar os problemas da população.
O sistema de drenagem é sempre apontado pelos cidadãos e pelo Governo como o principal problema das inundações de casas, ruas e instituições públicas e privadas.
Angolanos criam campanha contra o Governo na internet
Os transtornos gerados pela falta de infraestrutura levaram, no último fim de semana, o governador de Luanda, Adriano Mendes de Carvalho, a afirmar que "talvez alguma coisa tenha sido mal concebida naquilo que é o saneamento básico". "Se calhar é uma questão dos engenheiros voltarem a rever e analisar [a infraestrutura de saneamento], porque é uma questão de engenharia profunda", acrescentou.
Autoridades governamentais falam ainda em construção de residências em zonas de risco por parte de alguns habitantes. Outro problema é que muitos cidadãos depositam o lixo nas valas de drenagem por escassez de contentores e a falta de sensibilização, reconhece o Governo.
O jornalista Fernando Guelengue diz estes problemas são "uma situação já recorrente". "As valas de drenagem são vias naturais para a facilitação da passagem de água. Quando ocorrem chuvas com alguma intensidade elas procuram as vias para desaguarem. É que, na época seca, não encontramos obras e campanhas de sensibilização voltadas as valas de drenagem", conta.
Chuvas estão a causar danos materiais e humanos
Em Belo Monte, município angolano de Cacuaco, em Luanda, uma das zonas críticas, duas crianças de três anos foram arrastadas por uma enchente no dia 19 de fevereiro. Mas também há relatos de mortes, em outras regiões do país, segundo o serviço de proteção civil de Angola. Outra criança de quatro anos também morreu na sequência do desabamento da casa dos seus familiares, na Maianga, na capital angolana.
Fernando Guelengue, autor do livro "Pobreza: Epicentro da Exploração de Crianças em Angola – Entre a Escravização e a Polémica", critica também órgãos como o Instituto Nacional da Criança (INAC), que deveriam zelar pela proteção destes pequenos cidadãos.
Segundo o jornalista, "as instituições ao nível da proteção da criança devem assumir publicamente o funcionamento crítico em relação a este tipo de assunto". "A criança é prioridade absoluta e não podemos ver crianças a morrerem de uma chuva. Isso significa que o país, em termos gerais, não está preparada para estas enxurradas", avalia.
"Acabam de nos matar"
A morte da criança de quatro anos provocou uma onda de protestos nas redes sociais, com os cidadãos a partilhar imagens fingindo-se de mortos e mensagens como "Acabam de nos matar" – uma forma de repudiar a não resolução dos problemas da população por parte do Governo.
Estas publicações rapidamente tornaram-se virais na internet. Até os famosos foram contagiados pela febre. Agora, postam-se fotografias com botijas de gás, livros, jornais, computadores entre outros objetos para protestar contras as supostas más políticas públicas. O movimento está a ser considerado uma nova forma de manifestação sem repressão.
Fernando Guelengue diz que estes protestos revelam o desespero da juventude e a necessidade de o Governo resolver os principais problemas da sociedade. "Um dos slogans é, por exemplo, 'Acabam de me matar porque vocês aprovaram um OGE, Orçamento Geral do Estado, que vai continuar a manter o jovem na desgraça'. Outro diz 'Acaba de me matar porque ambulância só se preocupa com o desvio do erário público'. Quando os jovens fazem estes relatos despindo a realidade do país como corrupção, estão a demonstrar que estão agastados e prefereriam morrer", afirma Guelengue.
Presidente está a inteirar-se dos problemas
Para constatar os danos causados pelas chuvas que caíram sobre Luanda na semana passada, alguns membros do Governo visitaram no último sábado (24.02.) algumas zonas afetadas.
Fátima Veigas, secretária do Presidente da República para Assuntos Sociais, diz ter recolhido dados que serão entregues ao Presidente João Lourenço. "Vamos em conjunto ver os problemas que o nosso povo está atravessar. Tal como disse o nosso Presidente, nós estamos em ao serviço do povo, estamos aqui para vermos os problemas e os constrangimentos para encontrar as melhores soluções".
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".