ACNUR preocupado com rapto de crianças em Cabo Delgado
DW (Deutsche Welle)
1 de julho de 2025
Sem divulgar números de 2025, Isadora Zoni do ACNUR diz em entrevista exclusiva à DW que Ancuabe, Macomia, Mocímboa da Praia e Muidumbe são os distritos que continuam a registar os maiores índices de raptos de crianças.
Apesar das denúncias, autoridades do distrito de Macomia, uma das zonas citadas pelo ACNUR como palco de raptos, nega ter conhecimento da situaçãoFoto: DW
Publicidade
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) mostra-se preocupado com o facto de crianças continuarem a ser raptadas por grupos armados em Cabo Delgado, no norte de Moçambique.
Só este ano, pelo menos 120 crianças terão sido raptadas por grupos armados, denunciou a organização não-governamental Kwendeleya, sediada em Cabo Delgado. Muitas são levadas para serem usadas como crianças-soldado ou para casamentos forçados.
O presidente da Kwendeleya, Abudo Gafuro, diz que acompanha a situação com crescente inquietação. "Aquilo que temos como dados numéricos, até dia cinco deste mês [junho], eram 120 crianças que variam entre 12 e 17 anos. Isto são dados muito preocupantes no que diz respeito à proteção dos direitos humanos e direitos fundamentais dos cidadãos."
Isadora Zoni, oficial associada de relatórios do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Pemba, também se manifesta preocupada. Mesmo quando se consegue resgatar as crianças, ficam marcas profundas dos sequestros, refere Isadora Zoni.
"Não é possível o nosso trabalho de resgate dessas crianças, mas uma vez que as crianças estejam novamente nas comunidades, o trabalho de reintegração é bastante árduo. Porque falamos de comunidades que estão a se recuperar do trauma, que estão a passar por dificuldades, onde há as necessidades são de proteção."
A violência terrorista contra crianças em Cabo Delgado
02:28
This browser does not support the video element.
Autoridades de Macomia desconhecem raptos
Apesar das denúncias, Tomás Badae, administrador do distrito de Macomia, uma das zonas citadas pelo ACNUR como palco de raptos, nega ter conhecimento da situação.
Publicidade
O ACNUR alerta também para o agravamento da crise humanitária em Cabo Delgado. Em declarações à DW, Isadora Zoni diz que a crise foi impulsionada por uma nova vaga de deslocações forçadas provocadas pelo terrorismo.
Segundo a oficial de relatórios, mais de 500 pessoas abandonaram as suas casas apenas na última semana, em consequência de ataques no distrito de Macomia. "Durante o mês de maio, os incidentes atingiram uma população de mais de 140 mil pessoas. Na semana passada, observámos o deslocamento de mais 500 pessoas com um incidente em Macomia. Muitas vezes falamos em números, mas os números não comunicam a gravidade da situação", diz.
Apesar da escalada de violência, a atenção internacional ao conflito tem vindo a diminuir, alerta o ACNUR. Essa tendência pode comprometer a mobilização de recursos cruciais para a resposta humanitária.
O rasto do terrorismo em Macomia teima em não desaparecer
O rasto do terrorismo em Macomia teima em não desaparecer
Foto: DW
Quarta invasão
No dia 10 de maio de 2024, um grupo de terroristas invadiu Macomia, naquela que foi a quarta vez consecutiva que aquela vila de Cabo Delgado se viu entregue aos terroristas. Permaneceram na sede distrital por cerca de dois dias. Após confrontos com as tropas moçambicanas e aliados, o grupo armado abandonou a vila. Mas a destruição permanece.
Foto: DW
Rasto de destruição
Ao abandonarem o local, os terroristas deixaram edifícios públicos como registo civil, a direção de infraestruturas e a secretaria distrital completamente vandalizados. Alguns desses locais continuam de porta fechadas. O comércio vai reabrindo a conta-gotas e a medo.
Foto: DW
Agências humanitárias não escaparam
Também os escritórios e infraestruturas que albergam organizações humanitárias como a Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha, entre outras, foram arrasados pelos terroristas. Desses locais, foram subtraídos medicamentos, viaturas e outros bens.
Foto: DW
Reconstrução é urgente
Autoridades governamentais de Cabo Delgado visitaram Macomia no início de junho para avaliar os danos causados pela presença terrorista. Apesar de admitirem que é uma "prioridade repor aquelas infraestruturas para gradualmente os funcionários prestarem os serviços necessários à população", os serviços continuam a funcionar a meio-gás.
Foto: DW
Paz e medo entre os habitantes
A vila tenta regressar à normalidade, mas o clima ainda é de medo. Os residentes reativaram as atividades de autossuficiência, mas não escondem o receio de um novo ataque, preocupação que paira a todo o instante.
Foto: DW
Chitunda, em Muidumbe, sem serviços públicos
Os cerca de 11 mil habitantes que tinham saído do posto administrativo de Chitunda, em Muidumbe, devido à insegurança, voltaram a casa. Mas nenhuma escola ou hospital está neste momento a funcionar, deixando milhares de crianças fora das salas de aula e os residentes sem acesso a cuidados de saúde.
Foto: DW
Governo promete reabrir escolas e hospitais
Para aceder a cuidados de saúde, a população da aldeia de Miangaleua, no posto administrativo de Chitunda, em Muidumbe, recorre ao distrito de Macomia. Mas o governo local garante que em breve os centros de saúde e as escolas na região voltarão a funcionar.
Foto: DW
Chuvas intensas agravaram a fome
A população de Miangaleua, em Muidumbe, que regressa paulatinamente a casa está a dedicar-se à produção agrícola. Porém, as chuvas intensas que caíram entre finais de 2023 e princípios deste ano arrastaram vários hectares de campos agrícolas junto ao rio Messalo. A produção de arroz e de outras culturas perdeu-se, aumentando a fome na região.
Foto: DW
Autoridades exortam população a produzir comida
O governo local ofereceu sementes de milho e feijões, enxadas, catanas e outros materiais de produção para que os camponeses voltem a semear.
Foto: DW
Corrente elétrica em falta
Os habitantes expressam também o desejo de ver restabelecida a corrente elétrica em Macomia, uma vez que as instalações elétricas também foram afetadas pelos ataques terroristas dos últimos anos. Pequenos painéis solares garantem serviços mínimos, mas não permitem a conservação do peixe que é retirado do rio, por exemplo.
Foto: DW
Mais segurança
Os residentes da aldeia de Miangaleua, em Muidumbe, pedem o reforço da presença das Forças de Defesa e Segurança, para que nunca mais tenham de fugir das próprias terras devido ao terrorismo. Mas a ajuda tarda em chegar.