A crise política na Guiné-Bissau não tem fim à vista, apesar da assinatura do Acordo de Conacri há mais de um ano. Enquanto líderes debatem soluções, analista Carlos Lopes recomenda aposta nas novas eleições.
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Para esta quinta e sexta-feira (14 e 15 de dezembro) estão marcados protestos em Bissau. Os partidos da oposição deverão voltar a sair à rua para exigir a demissão do Governo guineense e o cumprimento do Acordo de Conacri.
Além disso, os principais líderes políticos guineenses reúnem-se nos próximos dias na Nigéria para discutir a crise política na Guiné-Bissau. A reunião foi convocada pelos Presidentes do Togo e da Guiné-Conacri, Faure Gnassingbé e Alpha Condé respetivamente, antecedendo a conferência de chefes de Estado e de Governo da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, a ter lugar na capital nigeriana, Abuja.
Nas vésperas do encontro, o académico Carlos Lopes considera que a prioridade deve ser a organização das próximas eleições, para que sejam íntegras.
Em entrevista exclusiva à DW, em Lisboa, o economista guineense comenta que "neste momento, o Acordo de Conacri é uma espécie de simbolismo do impasse político na Guiné-Bissau".
Sem apontar nomes, Lopes afirma que o problema está nos atores políticos.
"Precisamos de dar muito mais espaço à juventude. Acho que os jovens têm uma visão diferente das coisas", afirma o investigador na Universidade de Oxford. Sendo assim, pede mais humildade à classe política, que tem de ser "capaz" de reconhecer que o desenvolvimento é a prioridade.
"Se não fizermos o esforço coletivo para o desenvolvimento, vamos falhar uma viragem importante numa altura em que o mundo não está à nossa espera. A velocidade das transformações acelera e, portanto, países como a Guiné-Bissau já estão a reboque e acabam por ficar completamente esquecidos, porque já há um cansaço das crises guineenses", diz Carlos Lopes.
Foco nos protagonistas
O também sociólogo critica o excesso de personalização do debate político na Guiné-Bissau, o que põe em causa o interesse nacional.
"Esse excesso de personalização tem a ver com uma coisa muito clara - a falta de solidez das instituições", sublinha. "Quando as instituições não são sólidas, fala-se mais dos protagonistas. Mas quando as instituições têm, de facto, um protagonismo e uma força maior, o papel das personalidades deixa de ser tão polarizante."
Acordo de Conacri "simboliza impasse político"
O académico, também ligado à Universidade do Cabo, na África do Sul, não quer entrar em polémicas, apontando o dedo seja a quem for. Realça apenas que "o sistema político - ou o processo democrático guineense - é muito deficitário, com contornos medíocres", precisamente porque as instituições não são muito sólidas.
"Não é por acaso, por exemplo, que cada pessoa tem uma visão diferente da Constituição", refere Carlos Lopes.
O ex-secretário-executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para África afirma, por último, que é importante o apoio da comunidade internacional para o fim das crises políticas, mas considera antes fundamental a mudança de mentalidade dos dirigentes guineenses.
"O debate está à volta disso: vamos ou não ter eleições íntegras?", questiona. Carlos Lopes exorta os guineenses a terem esperança no seu futuro.
Guiné-Bissau: O país onde nenhum Presidente terminou o mandato
Desde que se tornou independente, a Guiné-Bissau viu sentar na cadeira presidencial quase uma dúzia de Presidentes - incluindo interinos e governos de transição. Conheça todas as caras que passaram pelo comando do país.
Foto: DW/B. Darame
Luís de Almeida Cabral (1973-1980)
Luís de Almeida Cabral foi um dos fundadores do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e também o primeiro Presidente da Guiné-Bissau - em 1973/4. Luís Cabral ocupou o cargo até 1980, data em que foi deposto por um golpe de Estado militar. O antigo contabilista faleceu, em 2009, vítima de doença prolongada.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-T0111-320/Glaunsinger
João Bernardo Vieira (1980/1994/2005)
Mais conhecido por “Nino” Vieira, este é o político que mais anos soma no poder da Guiné-Bissau. Filiado no PAIGC desde os 21 anos, João Bernardo Vieira tornou-se primeiro-ministro em 1978, tendo sido com este cargo que derrubou, através de um golpe de Estado, em 1980, o governo de Cabral. "Nino" ganhou as eleições no país em 1994 e, posteriormente, em 2005. Foi assassinado quatro anos mais tarde.
Foto: picture-alliance/dpa/L. I. Relvas
Carmen Pereira (1984)
Em 1984, altura em que ocupava a presidência da Assembleia Nacional Popular, Carmen Pereira assumiu o "comando" da Guiné-Bissau, no entanto, apenas por três dias. Carmen Pereira, que foi a primeira e única mulher na presidência deste país, foi ainda ministra de Estado para os Assuntos Sociais (1990/1) e Vice-Primeira-Ministra da Guiné-Bissau até 1992. Faleceu em junho de 2016.
Foto: casacomum.org/Arquivo Amílcar Cabral
Ansumane Mané (1999)
Nascido na Gâmbia, Ansumane Mané foi quem iniciou o levantamento militar que viria a resultar, em maio de 1999, na demissão de João Bernardo Vieira como Presidente da República. Ansumane Mané foi assassinado um ano depois.
Foto: picture-alliance/dpa
Kumba Ialá (2000)
Kumba Ialá chega, em 2000, à presidência da Guiné-Bissau depois de nas eleições de 1994 ter sido derrotado por João Bernardo Vieira. O fundador do Partido para a Renovação Social (PRS) tomou posse a 17 de fevereiro, no entanto, também não conseguiu levar o seu mandato até ao fim, tendo sido levado a cabo no país, a 14 de setembro de 2003, mais um golpe militar. Faleceu em 2014.
Foto: AP
Veríssimo Seabra (2003)
O responsável pela queda do governo de Kumba Ialá foi o general Veríssimo Correia Seabra, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Filiado no PAIGC desde os 16 anos, Correia Seabra acusou Ialá de abuso de poder, prisões arbitrárias e fraude eleitoral no período de recenseamento. O general Veríssimo Correia Seabra viria a ser assassinado em outubro de 2004.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Bordalo
Henrique Rosa (2003)
Seguiu-se o governo civil provisório comandado por Henrique Rosa que vigorou de 28 de setembro de 2003 até 1 de outubro de 2005. O empresário, nascido em 1946, conduziu o país até às eleições presidenciais de 2005 que deram, mais uma vez, a vitória a “Nino” Vieira. O guineense faleceu, em 2013, aos 66 anos, no Hospital de São João, no Porto.
Foto: AP
Raimundo Pereira (2009/2012)
A 2 de março de 2009, dia da morte de Nino Vieira, o exército declarou Raimundo Pereira como Presidente da Assembleia Nacional do Povo da Guiné-Bissau. Raimundo Pereira viria a assumir de novo a presidência interina da Guiné-Bissau, a 9 de janeiro de 2012, aquando da morte de Malam Bacai Sanhá.
Foto: AP
Malam Bacai Sanhá (1999/2009)
Em julho de 2009, Bacai Sanhá foi eleito presidente da Guiné Bissau pelo PAIGC. No entanto, a saúde viria a passar-lhe uma rasteira, tendo falecido, em Paris, no inicio do ano de 2012. Depois de dirigir a Assembleia Nacional de 1994 a 1998, Bacai Sanhá ocupou também o cargo de Presidente interino do seu país de maio de 1999 a fevereiro de 2000.
Foto: dapd
Manuel Serifo Nhamadjo (2012)
Militante do PAIGC desde 1975, Serifo Nhamadjo assumiu o cargo de Presidente de transição a 11 de maio de 2012, depois do golpe de Estado levado a cabo a 12 de abril de 2012. Este período de transição terminou com as eleições de 2014, que foram vencidas por José Mário Vaz. A posse de “Jomav” como Presidente marcou o regresso do país à ordem constitucional no dia 26 de junho de 2014.