Acordo entre Moçambique e Tanzânia no combate ao terrorismo
Leonel Matias (Maputo)
23 de novembro de 2020
É a opinião dos analistas ouvidos pela DW África, que defendem que o acordo deve ser replicado nos países vizinhos de Moçambique, na região e também nos outros locais em África onde o grupo jihadista tenha bases.
Segundo os analistas ouvidos pela DW África, o acordo deve ser replicado também pelos países vizinhos de Moçambique na região austral de África e noutros locais em África onde se supõe que o grupo jihadista tenha as suas bases.
Neste domingo (22.11), Moçambique e a Tanzânia acordaram em passar a cooperar no patrulhamento da fronteira comum ao longo do rio Rovuma para travar o terrorismo, anunciou o comandante Geral da Polícia, Bernardino Rafael.
O comandante é um dos signatários de um memorando de entendimento, assinado na última sexta-feira (20.11) na Tanzânia, entre aquele país e Moçambique.
Trabalhar com a população
"Acordamos para que nós trabalhassemos em conjunto, no sentido de controlarmos a fronteira do [rio] Rovuma, e trabalharmos com as populações que estão ao longo deste rio, para que possam denunciar possíveis movimentações ou travessias dos terroristas, tanto de Moçambique para a Tanzânia, como no sentido contrário", disse.
O comandante Geral da Polícia disse que o acordo prevê, igualmente, o repatriamento de alegados membros e colaboradores do grupo jidahista que atua na província moçambicana de Cabo Delgado, feitos prisioneiros na Tanzânia. Neste momento, o número é estimado em 562.
"Queremos trabalhar também com os moçambicanos [...], para dizerem-nos o que pretendem fazer", afirmou.
Dércio Alfazema, membro da "Sala da Paz", uma organização da sociedade civil moçambicana, comentou à DW África sobre a assinatura do memorando de entendimento com a Tanzânia.
Segundo ele, a medida entre os dois países foi bastante acertada, pois "o terrorismo não se combate de forma unilateral", disse, "é necesssário que haja uma ação conjunta com outros países ou também com organismos internacionais".
Alfazema disse ainda que as ações dos terroristas, em toda a sua logística e articulação, não são feitas necessariamente no local onde os mesmos estão baseados, "mas pode ser que os cabeças que os orientam, e que coordenam esses grupos, até estejam fora do continente".
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"Novo ímpeto"
Para o analista Egídio Vaz, o combate às ações do grupo jihadista poderá ganhar um novo ímpeto com a assinatura do acordo com a Tanzânia.
"Este acordo terá um impacto positivo na medida em que deverá viabilizar a troca de prisioneiros, mas também de informação na cooperação militar, além do fortalecimento da segurança da fronteira e o controle do tráfico ilícito"
Quanto ao que diz respeito ao "tráfico ilícito", o analista incluiu o corte ilegal de madeira, a exploração mineira, o tráfico de pessoas e de drogas. "E é justamente por causa disso que os terroristas não querem populações por onde eles andam", explicou.
Os analistas entrevistados pela DW África defendem que o acordo assinado entre Moçambique e a Tanzânia deve ser replicado por outros países vizinhos, estados membros da comunidade de estados da África Austral (SADC).
A cooperaçao internacional teria como principais objetivos compreender o fenómeno do terrorismo, perceber como é que estes grupos se articulam, e onde é que eles têm as suas bases para poder "cortar" a sua fonte de logística.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.