Acusação: Manuel Vicente ganhou com negócios de generais
Lusa
13 de julho de 2022
Antigo vice-Presidente Manuel Vicente terá ajudado e também beneficiado dos negócios dos generais angolanos Kopelipa e Dino com empresários chineses, que os levaram a ser alvo de acusação do Ministério Público em Luanda.
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Segundo o despacho de acusação a que a Lusa teve acesso, a empresa China International Fund, Limited "apropriou-se dos 24 edifícios do Estado, construídos pela empresa Guangxi na centralidade do Zango O, contratou a empresa Delta Imobiliária, que os vendeu à Sonangol, EP, através da Sonip, Lda, mediante orientação do engenheiro Manuel Domingos Vicente, pelo valor global de USD 475. 347.200,00 (quatrocentos e setenta e cinco milhões trezentos e quarenta e sete mil e duzentos dólares americanos)".
E a empresa Delta Imobiliária, que assegurou a venda daqueles edifícios "é propriedade do engenheiro Manuel Domingos Vicente e dos arguidos Manuel Hélder Vieira Dias Júnior e Leopoldino Fragoso do Nascimento, através do Grupo Aquattro", acrescenta o texto do documento.
Os negócios feitos por Manuel Helder Vieira Dias, conhecido como 'Kopelipa', antigo homem da segurança do falecido Presidente da República José Eduardo dos Santos e por Leopoldino Fragoso do Nascimento, conhecido como 'Dino', empresário e também homem da confiança do antigo Chefe de Estado, com empresários chineses foram alvo de uma acusação do Ministério Público de Angola, porque indiciam a prática pelos arguidos de crimes de associação criminosa, branqueamento de capitais, peculato, falsificação de documentos, entre outros, lesando o Estado angolano em centenas de milhões de euros.
Nesta acusação, Manuel Vicente, antigo vice-presidente de Angola é referenciado por diversas vezes. Desde logo, porque os negócios com empresários chineses começaram, com conversações iniciadas em 2004, sob a égide de Manuel Vicente, como presidente do conselho de administração da petrolífera angolana Sonangol.
No ano anterior, Angola tinha celebrado um acordo de financiamento com a República Popular da China, do qual derivaram, a partir de 2004, várias linhas crédito com o EximBank, CCBB-Banco de Desenvolvimento da China e com a Sinosure-Agência Seguradora de Crédito à Exportação.
Quando celebrado este acordo, na República da China, "o Estado angolano foi representado pelo Ministro das Finanças, Sr. José Pedro de Morais, acompanhado dos Srs. Manuel Domingos Vicente (PCA [presidente do conselho de administração da petrolífera angolana Sonangol e antigo vice-presidente de Angola), enquanto garante do financiamento, e Amadeu Maurício (Governador do BNA [Banco Nacional de Angola])", lê-se no texto da acusação do Ministério Público angolano.
Paralelamente aquele acordo de financiamento, no ano de 2004, havia também uma segunda relação entre Angola e a China, com o intuito de captar investimento estrangeiro para o país africano, em que de um lado estava o Estado angolano, representado por Manuel Domingos Vicente, e, do outro lado, os cidadãos chineses Sam Pa e a senhora Lo Fong Hung, adianta a acusação.
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Como começou relação com a China?
Uma relação que começou "quando um grupo empresarial composto por cidadãos chineses, liderados pelo citado Sam Pa, abordou a direção da empresa ESCOM, através do Embaixador de Angola em Moscovo, o General Roberto Leal Monteiro 'Ngongo', que diligenciou o primeiro contacto entre a ESCOM/Grupo Espírito Santo Commerce e o Senhor Sam Pa, que estava interessado no Banco Espírito Santo, em Macau, com o objetivo de supostamente criar uma grande Offshore para África e América Latina", refere o documento.
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O comendador Hélder Bataglia, que era então o presidente da Escom, estabeleceu contactos, a partir de Portugal, com o empresário chinês e comunicou, não só a existência destas conversações, como as pretensões e planos estratégicos dos chineses, a Angola, que decidiu enviar uma missão à China, adianta o Ministério Público.
"Chegados à China, o empresário Hélder Bataglia apresentou o Sr. Sam Pa ao engenheiro Manuel Domingos Vicente", refere também o documento, acrescentando, que a comissão manteve então vários encontros em Pequim, Hong Kong e Macau, com chefes de petrolíferas, Primeiro Vice-Primeiro Ministro da China, altos responsáveis da Segurança, Chefe da Autoridade Monetária de Macau e empresários diversos.
E terá sido durante a referida viagem que a delegação angolana teve um encontro de trabalho com Sam Pa, em Hong Kong, onde foi delineada toda a estratégia com a Sonangol, bem como a construção de centralidades e fábricas do Grupo de Sam Pa em Angola, tendo até sido acordado o veículo empresarial com que os chineses investiriam em Angola, criando-se nessa reunião o nome CIF - China International Fund.
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A criação do Gabinete de Reconstrução Nacional
Cumprida a missão na República Popular da China, a delegação fez o ponto da situação ao então Presidente da República, que "decidiu criar um ente estatal novo, para tratar da questão relacionada com a cooperação com a China", adianta o texto.
Assim, Manuel Vicente ficou encarregue das relações que envolviam petróleo, enquanto as tarefas ligadas à Reconstrução Nacional (GRN) e outros tipos de investimentos ficaram ao cuidado de Hélder Vieira Dias Júnior, 'Kopelipa'.
No âmbito desta divisão de tarefas, foi ainda criado o Gabinete de Reconstrução Nacional (GRN), na dependência do Presidente da República, na sua qualidade de Chefe do Governo, tendo sido nomeado para seu diretor, por Decreto Presidencial, 'Kopelipa', função que exerceu até 2010, acumulando-a com a de Ministro de Estado e chefe da Casa Militar do Presidente da República.
Manuel Vicente e o seu diretor de Gabinete, José Pedro Benge, também faziam parte do Gabinete de Reconstrução Nacional, mas "apenas no âmbito do acompanhamento em função da cooperação com a China, sem responsabilidades na execução de projetos, que eram exclusivos do próprio GRN", lê-se no documento do Ministério Público.
Os chineses investem, assim, nas centralidades que o governo angolano queria desenvolver, contratadas pelo Gabinete de Reconstrução Nacional e pagas pela Sonangol, EP, com fundos próprios.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.