Cidadãos descontentes com o processo de recenseamento
Sitoi Lutxeque (Nampula)
17 de maio de 2018
Há queixas sobre irregularidades no processo de recenseamento na cidade de Nampula, no norte de Moçambique. As autoridades garantem que não e afirmam que o processo correu bem.
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O recenseamento eleitoral para as eleições autárquicas de 10 de outubro em Moçambique encerrou nesta quinta-feira (17.05). Os últimos dados disponíveis apontam para um registo de 80% dos potenciais eleitores, anunciaram as autoridades. Segundo alguns observadores, as metas anteriormente estabelecidas não foram alcançadas devido a várias irregularidades denunciadas por eleitores e partidos da oposição. Em Nampula, eleitores denunciaram o registo de pessoas oriundas de outros distritos.
Elias Marcelo, cidadão residente no bairro de Mutauanha, na cidade de Nampula, contou à DW África que teve dificuldades em obter o cartão de eleitor num posto instalado no seu bairro: "Encontrei muita gente na fila e perguntei o que se passava. Disseram que estavam a ver só outras pessoas ‘"estranhas" a serem chamadas. Não sabemos de onde elas vieram. Recensearam-se e foram-se embora." Elias Marcelo diz que viu como um desses cidadãos recém-recenseados recebeu uma nota de 100 meticais (cerca de 1 euro e 20 cêntimos) de um recenseador. "Isso deixou-nos nervosos", disse.
Cidadãos fora do processo
Ussene Mualimo, outro cidadão que se dirigiu ao Posto de Recenseamento na Escola Primária de Mutauanha, mostrou-se agastado com o processo que na sua opinião excluiu muitos dos seus compatriotas do recenseamento. Até ao fecho desta reportagem, Mualimo ainda continuava na incerteza de adquirir o seu cartão. "Aqui há muita demora. Só atendem as pessoas amigas. Não pode ser assim, isto é para todos Moçambicanos, para podermos votar", disse este cidadão à DW.
As críticas não param. Desde o início do recenseamento eleitoral a 19 de março, os partidos da oposição, sobretudo o MDM, AMUSI, PAHUMO e a RENAMO, denunciaram várias irregularidades - entre as quais o registo de pessoas fora da autarquia de Nampula e de outros municípios - para, alegadamente, favorecer o partido no poder em Moçambique, a FRELIMO. A FRELIMO e os órgãos eleitorais desvalorizam essas alegações.
Críticas da sociedade civil
Acusações de irregularidades no recenseamento em Nampula
A província de Nampula tem sete municípios e propôs-se a registar um total de 1.206,596 eleitores. Juma Aiuba, porta-voz da Sala da Paz, uma plataforma de observadores eleitorais que envolve diferentes organizações da sociedade civil, políticos e religiosos, afirma que a meta não vai ser alcançada e responsabiliza os órgãos eleitorais: "Houve uma fraca campanha de sensibilização. Ela foi praticamente inexistente". O ativista afirma igualmente que houve uma "desproporcionalidade na distribuição de recursos para o recenseamento”.
O presidente da Comissão Provincial de Eleições de Nampula, Daniel Ramos, desconhece a existência de irregularidades, mas admite que houve morosidade no processo, embora considere o facto normal: "Em relação às cobranças nós investigámos e não conseguimos encontrar uma verdadeira informação, porque ninguém veio denunciar. Sobre pessoas que vêm de outros locais não me vou pronunciar, porque não vi ninguém", disse.
Autoridades satisfeitas
Daniel Ramos diz estar satisfeito com os resultados obtidos, embora não tenha sido possível recensear 100% dos potenciais eleitores.
O Centro de Integridade Pública (CIP), organização da sociedade civil moçambicana que acompanha os processos eleitorais no país, referiu em comunicado que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) "pode atingir 90% de potenciais eleitores recenseados, mas somente porque cortou as metas de total de eleitores a registar por três vezes". Recorde-se que a meta inicial, no arranque da operação de recenseamento, era de 8,5 milhões de eleitores, tendo depois baixado para 7,6 milhões.
As riquezas minerais de Nampula
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo.
Foto: DW/Petra Aschoff
Cadeia de riquezas minerais
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo. As areias pesadas da região são parte de uma cadeia de dunas que se estendem desde o Quénia até Richards Bay, na África do Sul. Em Moma, exploram-se os bancos de areia de Namalote e as dunas de Topuito.
Foto: Petra Aschoff
Areias para diferentes indústrias
Unidade de lavagem de areias pesadas da mineradora irlandesa Kenmare, um dos chamados "megaprojetos" estrangeiros em Moçambique. A ilmenite, o zircão e o rutilo, extraídos das areias, são usados, respetivamente, na indústria de pigmentos, cerâmica e na produção de titânio. O rutilo, um óxido de titânio, é fundamental para a produção do titânio usado para a construção de aviões.
Foto: Petra Aschoff
Lucro após prejuízo
Os produtos são transportados através de um tapete rolante até um pontão no Oceano Índico. Segundo media moçambicanos, a extração de areias pesadas na mina de Topuito, em Moma, resultou num lucro de 39 milhões de dólares no primeiro semestre de 2012. No mesmo período de 2011, a empresa registou prejuízo de 14 milhões por causa da baixa dos preços devido à crise económica mundial.
Foto: Petra Aschoff
Problemas trabalhistas?
O semanário moçambicano Savana repercutiu, em outubro de 2011, a decisão do ministério do Trabalho de suspender 51 trabalhadores estrangeiros em situação ilegal na Kenmare. Segundo o Savana, na mesma altura, a Inspeção Geral do Trabalho descobriu que 120 trabalhadores indianos estavam para ser recrutados pela Kenmare. O recrutamento foi cancelado.
Foto: Petra Aschoff
Mudança de aldeia
Para poder explorar as areias pesadas em Nampula, entre 2007 e 2010 a mineradora irlandesa Kenmare transferiu as moradias de centenas de pessoas na localidade de Moma, no norte do país. A empresa prometeu acesso à água, casas melhores e postos de saúde. Na foto, nova escola primária para a população local.
Foto: Petra Aschoff
Acesso à água
Em 2011, o novo bairro de Mutittikoma, em Moma, ainda não tinha um poço d'água. Esta é transportada até o vilarejo com um camião cisterna. O acesso à água também é garantido com uma tubulação que a Kenmare instalou ali. Porém, como a mangueira só deixa correr um fio d'água, as mulheres que vêm buscá-la esperam no sol durante horas a fio para encher baldes e recipientes.
Foto: Petra Aschoff
Responsabilidade social
Uma casa construída pela Kenmare para a população desalojada por causa da exploração das areias pesadas em Moma. No início de setembro, Luísa Diogo, antiga primeira-ministra de Moçambique, disse que o país deve estar "muito atento" para que os grandes projetos de recursos naturais – como carvão e gás – beneficiem as populações. Ela também defende renegociação de contratos multinacionais.
Foto: Petra Aschoff
Em busca do brilho
Para além das areias pesadas, o solo da parte sul da província moçambicana de Nampula oferece mais riquezas. Na foto: garimpeiros à procura da pedra preciosa turmalina em Mogovolas. Os garimpeiros recebem cerca de um euro por dia para cavar buracos com vários metros de profundidade. As pedras são vendidas a um comerciante intermediário.
Foto: Petra Aschoff
Verde raro
As pedras de turmalina costumam ter várias cores. Uma das mais conhecidas é a verde. Mas existe outro verde precioso que se torna cada vez mais raro em Mogovolas: o da vegetação. Os buracos cavados pelos garimpeiros podem não ter pedras, mas permanecem após a escavação e sofrem erosão. As plantas não são plantadas novamente, apesar de a recomposição da vegetação ser prevista pela lei.