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Deutsche Welle fecha retransmissor em Kigali

Madelaine Meier / gcs27 de março de 2015

O centro retransmissor de onda curta da DW em Kigali fecha este sábado (28.03). Dois ex-funcionários falam sobre os 50 anos de história da estação, incluindo os momentos terríveis que viveram durante o genocídio de 1994.

Foto: DW

Em 1963, um ano depois da independência do Ruanda, o novo Governo ruandês assinou um acordo com a Deutsche Welle, autorizando a então emissora internacional da Alemanha Ocidental a operar um centro de retransmissão em Kigali. Em contrapartida, a República Federal da Alemanha comprometeu-se a dar assistência no lançamento de uma nova emissora nacional, a Rádio Ruanda.

Na altura, Walter Berger acabara de completar 21 anos. Pediram-lhe que fosse para Kigali como engenheiro para montar o retransmissor. Este foi o primeiro centro de retransmissão construído pela Deutsche Welle. Sendo assim, Walter Berger partiu para África em 1963 como um pioneiro da rádio. Inicialmente, ele previa ficar apenas 24 meses, mas acabou por trabalhar no retransmissor durante 28 anos.

No início, havia apenas dois engenheiros. Todos os componentes eletrónicos, por mais pequenos que fossem, tinham de ser importados da Europa. As encomendas demoravam meses a chegar. Frequentemente, os engenheiros acabavam por ter de recorrer ao seu próprio engenho. Na fase de testes, plantaram eucaliptos no jardim porque cresciam rapidamente. "Usámo-los como mastros das nossas antenas", recorda Walter, que, entretanto, se reformou.

Dois anos mais tarde, a 28 de outubro de 1965, o centro retransmissor estava plenamente operacional, estando equipado com a tecnologia de ponta na altura. A Deutsche Welle emitia nessa época a partir de estúdios em Colónia – o sinal de ondas curtas era recebido em Kigali, onde era amplificado e retransmitido para os ouvintes em África e na Europa.

Entretanto, o centro de retransmissão já empregava 15 engenheiros alemães e cerca de 60 funcionários ruandeses. O retransmissor de Kigali também servia de casa aos trabalhadores. Alemães e ruandeses viviam e trabalhavam no complexo, alguns deles com as suas famílias. "Éramos uma grande família multicultural", lembra a ruandesa Rosette Berger. Ela começou a trabalhar para a Deutsche Welle em Kigali em 1971, como secretária do diretor. Rosette esteve no centro de retransmissão durante 23 anos. Até ao genocídio.

Representantes da Alemanha Ocidental e do Ruanda assinam acordo para operar retransmissor em Kigali

Beco sem saída

No início dos anos 90, agudizaram-se as tensões étnicas entre hutus e tutsis. Face à insegurança na região, construiu-se um muro de dois metros e meio em redor do complexo da Deutsche Welle de Kigali. Por uma inquietante e perturbadora coincidência, o dia em que o muro foi concluído, 6 de abril de 1994, foi o dia em que o genocídio começou. No espaço de semanas, entre 800 mil e um milhão de tutsis e hutus moderados foram massacrados brutalmente.

"Ficámos encurralados", diz Walter Berger. "O que os nossos colegas nos contavam sobre o que se passava lá fora era pavoroso". Houve tiroteios entre o exército ruandês e a Frente Patriótica tutsi junto ao retransmissor. Os funcionários ruandeses levaram as famílias para o trabalho, acreditando que estariam mais seguras aí do que em casa. Alguns ruandeses escalaram o muro, em desespero, procurando refúgio.

O exército ruandês descobriu o que se estava a passar e foi até à estação para efetuar buscas. O diretor do retransmissor, Hans-Josef Berghäuser, conseguiu demovê-los dessa intenção, mas, mesmo assim, os soldados levaram consigo 50 refugiados. Avisaram também Berghäuser que os alemães estariam em perigo se tentassem esconder algum ruandês. De seguida, assassinaram duas mulheres a sangue frio, ali mesmo, para mostrar que não estavam a fazer "bluff". Os funcionários do retransmissor temeram pelas suas vidas.

Salvos no último minuto

As horas e dias que se seguiram foram angustiantes. Várias tentativas de resgate foram canceladas à última hora. Duas tentativas de libertar os funcionários do centro de retransmissão por tropas norte-americanas e belgas falharam. Mas, uma semana após o início do genocídio, as Forças Especiais Belgas, apoiadas por tanques, alcançaram o retransmissor. Conseguiram resgatar 11 funcionários alemães e as suas famílias. Os ruandeses ficaram para trás. Pouco depois da evacuação, a estação foi ocupada pelo exército governamental.

Memorial em honra das vítimas do genocídio ruandês em NyamataFoto: picture alliance/AP Photo

Walter Berger teve de separar-se da sua companheira ruandesa, Rosette, que também trabalhava no retransmissor. Na altura, eles não estavam casados e Walter foi obrigado a deixá-la para trás. Até hoje, isso é algo que lhe rói a consciência.

"Inicialmente, levei a mal o facto de me terem deixado ali, mas, mais tarde, cheguei à conclusão de que, provavelmente, foi melhor assim", diz Rosette. "Não sei se teria conseguido chegar ao aeroporto." As suas dúvidas têm razão de ser. A caravana em que os alemães seguiam teve de passar por numerosas barricadas. Várias patrulhas revistaram os veículos dezenas de vezes. Como só havia europeus a bordo deixaram-nos passar.

Mas Rosette Berger conseguiu escapar. Um mês e meio depois, chegou em segurança à Alemanha, onde o casal vive até hoje. Rosette nunca mais regressou ao Ruanda.

Cerca de 80 dos 100 funcionários ruandeses do centro de retransmissão da Deutsche Welle em Kigali foram mortos no genocídio. Walter Berger e os seus colegas regressaram à estação em agosto de 1994. Encontraram um cenário devastador. Havia partes dos corpos dos seus colegas ruandeses espalhadas pelas salas. Só os conseguiram identificar através das roupas.

Kigali, o primeiro e último centro retransmissor da DW

Lentamente, nos anos que se seguiram, a tranquilidade foi voltando. O equipamento técnico passou a ser mais ou menos, automatizado; os engenheiros ocupavam-se com a sua manutenção.

Quando a estação começou a transmitir, em 1965, estava a cerca de 15 quilómetros do centro de Kigali. Mas a cidade cresceu e o centro de retransmissão está agora nos subúrbios. O valor do terreno aumentou exponencialmente. No entanto, esse foi apenas um dos temas abordados nas negociações entre o Governo ruandês e o diretor da área da distribuição da Deutsche Welle, Guido Baumhauer.

Guido Baumhauer, diretor da área da distribuição da Deutsche WelleFoto: DW

"Mesmo que quiséssemos ficar, não poderíamos porque o nosso contrato com o Governo ruandês vai expirar e eles não o pretendem renovar", diz.

Também há motivos financeiros para a partida da Deutsche Welle. O custo anual de operação do retransmissor é de três milhões de euros. Para poupar dinheiro, a Deutsche Welle está a comprar espaços em transmissores de onda curta comerciais e desistiu da sua cobertura FM no Ruanda. Entretanto, procede-se agora à desmontagem do retransmissor. A Deutsche Welle tem até agosto de 2016 para deixar o terreno.

Walter Berger está entristecido com o fecho da estação, tendo em conta o que se conseguiu criar nos últimos cinquenta anos. "É um pedaço de casa" que desaparece, diz.

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