Angola: Adiado julgamento do "caso Estado Islâmico"
Lusa
25 de setembro de 2017
O julgamento dos seis muçulmanos acusados de organização terrorista e de jurarem "fidelidade" ao grupo radical foi remarcado para 16 de outubro devido à ausência da magistrada titular e à complexidade do processo.
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"A ausência da procuradora titular do processo deve-se a doença inesperada que a acometeu", informou o procurador substituto na sétima secção do Tribunal Provincial de Luanda, José Henriques, fundamentando ainda que "autos se revestem de uma especial complexidade".
O magistrado do Ministério Público sustentou ainda que é "acrescido o facto dos autos serem formados por um total de cinco volumes que impõe um tempo razoável a fim de serem analisados", pelo que foi pedido o adiamento da primeira sessão "para um olhar minucioso ao processo".
"Assim, atendendo a ausência inesperada da titular do processo e pelo facto do procurador substituto não dispor de tempo suficiente para averiguar os autos, vimos através desta promover o adiamento do presente julgamento", explicou.
Um pedido que foi aceite pelo juíz da causa, José Cerqueira Lopes, e pela defesa dos seis arguidos, com a primeira sessão a ser remarcada para 16 de outubro.
Defesa apela à imparcialidade
O Ministério Público angolano acusou formalmente seis jovens angolanos, cinco dos quais em prisão preventiva desde dezembro de 2016, de organização terrorista e de terem jurado "fidelidade e obediência" ao grupo extremista Estado Islâmico.
De acordo com a acusação, datada de 26 de abril, os suspeitos criaram em 2015, em Angola, o "grupo muçulmano radical denominado 'Street Da Was'".
"As medidas aplicáveis em função da participação ou envolvimento a ser apurado em sede de julgamento são as previstas na lei que ainda prevê uma moldura penal de cinco a 15 anos", observou o juiz da causa.
À saída da sessão, o advogado de defesa de alguns dos acusados, Sebastião Assurreira, apelou à imparcialidade neste processo, manifestando-se preocupado tendo em conta outros processos por si já acompanhados.
"Sim, estamos preocupados e esperamos que o tribunal aja com imparcialidade, porque se assim for a justiça será feita. A nossa preocupação cinge-se aos outros processos que já decorreram, mas esperamos que o juiz tenha em atenção a isso e cinge-se nos fundamentos legais", afirmou.
"Não há provas concretas”
Familiares, colegas e amigos dos arguidos marcaram igualmente presença no tribunal, como foi o caso de Assany José Salvador, irmão de um dos acusados: "A família está muito agitada porque são acusações graves, eles nem conseguem segurar uma arma e não há provas concretas", referiu.
Ainda nas questões prévias, o juiz da causa esclareceu que no dia 16 de outubro será feita a leitura da acusação, do despacho de pronúncia "e, se possível a leitura da contestação e o interrogatório aos arguidos".
O grupo, que inclui uma mulher que aguarda o julgamento em liberdade, incorre num crime previsto na Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, de 2011, que prevê uma moldura penal de cinco a 15 anos de prisão efetiva para quem participar na constituição de grupo, organização ou associação terrorista.
Tendência radicalista
Os arguidos têm entre 23 e 39 anos, são residentes em Luanda e, de acordo com a acusação, criaram o grupo 'Street Da Was', "formado por cidadãos nacionais convertidos ao Islão", tendo como objetivo "a divulgação do islamismo nas ruas, usando a sigla 'ISLAMYA ANGOLA'", que "publicava e disseminava entre os seus elementos, através das redes sociais, matérias e temas de cariz radical".
"Os arguidos juraram fidelidade e obediência a Abou Bakr Al-Bagdadi, líder do ISIS ou Daesh, e com isso foram divulgando e ensinando a fé islâmica em Angola", lê-se na acusação, à qual a agência Lusa teve acesso, que imputa também aos arguidos a prática de um crime de organização terrorista.
A acusação refere que os exames periciais a computadores, dispositivos de armazenamento, telemóveis e documentos, que foram então apreendidos aos suspeitos, "revelaram evidências do envolvimento dos arguidos à causa do Estado Islâmico" e "com tendência radicalista".
O mesmo aconteceu, refere o Ministério Público, com 106 livros apreendidos e submetidos a exame, com peritos a concluírem que "38 são de caráter político, com elevadas tendências radicais e subversivas".
O que é o Estado Islâmico?
As origens do grupo terrorista remontam à invasão americana do Iraque, em 2003. Nasceu como oposição sunita ao domínio xiita. Inicialmente chamou-se "Estado Islâmico do Iraque e do Levante" e virou ameaça internacional.
Foto: picture-alliance/AP Photo
A origem do "Estado Islâmico"
A trajetória do "Estado Islâmico" (EI) começou em 2003, com o derrube do ditador iraquiano Saddam Hussein pelos EUA. O grupo surgiu da união de diversas organizações extremistas sunitas e grupos leais ao antigo regime, que lutavam contra a ocupação americana e contra o domínio dos xiitas no Governo do Iraque.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Braço da Al-Qaeda
A insurreição tornou-se cada vez mais radical, à medida que fundamentalistas islâmicos liderados pelo jordaniano Abu Musab al Zarqawi (foto), fundador da Al-Qaeda no Iraque (AQI), infiltraram as suas alas. Os militantes liderados por Zarqawi eram tão cruéis que tribos sunitas no Iraque ocidental se aliaram às forças americanas, no que ficou conhecido como "Despertar Sunita".
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Aparente contenção
Em junho de 2006, as Forças Armadas dos EUA mataram Zarqawi numa ofensiva aérea. Foi então sucedido por Abu Ayyub al-Masri e Abu Abdullah ar-Raschid al-Baghdadi (ambos mortos em 2010). A Al-Qaeda no Iraque (AQI) mudou de nome para Estado Islâmico do Iraque (EII). Nos anos seguintes, Washington intensificou a sua presença militar no país.
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Regresso dos jihadistas
Após a retirada das tropas dos EUA do Iraque, efetuada entre junho de 2009 e dezembro de 2011, os jihadistas começaram a reagrupar-se, tendo como novo líder Abu Bakr al-Bagdadi, que teria convivido e atuado com Zarqawi no Afeganistão. Ele rebatizou o grupo militante sunita como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL).
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Ruptura com Al-Qaeda
Em 2011, quando a Síria mergulhou na guerra civil, o Estado Islâmico atravessou a fronteira para participar da luta contra o Presidente Bashar al-Assad. Os jihadistas tentaram uma fusão com a Frente Al Nusrah, outro grupo da Síria associado à Al-Qaeda. Isso provocou uma ruptura entre o EI e a central da Al-Qaeda no Paquistão, pois o líder desta, Ayman al-Zawahiri, rejeitou a manobra.
Foto: dapd
Ascensão do "Estado Islâmico"
Apesar do desentendimento com a Al-Qaeda, o EI fez conquistas significativas na Síria, combatendo tanto as forças de Assad quanto rebeldes moderados. Após estabelecer uma base militar no nordeste do país, lançou uma ofensiva contra o Iraque, tomando a sua segunda maior cidade, Mossul, a 10 de junho de 2014. Nesse momento o grupo já tinha sido novamente rebatizado, desta vez como "Estado Islâmico".
Foto: picture alliance / AP Photo
Importância de Mossul
A tomada da metrópole iraquiana de Mossul foi significativa, tanto do ponto de vista estratégico quanto económico. Ela é um importante ponto de convergência dos caminhos para a Síria. Com a tomada de Mossul, o EI também conquistou 429 milhões de dólares na filial local do Banco Central do Iraque. Assim sendo, o Daesh - como é conhecido em árabe - tornou-se um dos grupos terroristas mais ricos.
Foto: Getty Images
O califado do EI
Além das áreas atingidas pela guerra civil na Síria, o EI avançou continuamente pelo norte e oeste iraquianos, enquanto as forças federais de segurança entravam em colapso. No fim de junho de 2014, a organização declarou um califado, um estado islâmico que atravessa a fronteira sírio-iraquiana e faz lembrar os califados muçulmanos históricos. Abu Bakr al-Bagdadi foi apresentado como "califa".
Foto: Reuters
As leis do "califado"
Abu Bakr al-Bagdadi impôs uma forma implacável da sharia, a lei tradicional islâmica, com penas que incluem mutilações e execuções públicas. Membros de minorias religiosas, como cristãos e yazidis, deixaram a região do "califado". Muitos foram executados, mulheres violadas e vendidas como escravas a jihadistas do EI. Os xiitas também têm sido alvo de perseguição.
Foto: Reuters
Guerra contra o património histórico
O EI já destruiu tesouros arqueológicos milenares em cidades como Palmira (foto), na Síria, ou Mossul, Hatra e Nínive, no Iraque. O EI diz que as esculturas antigas entram em contradição com a sua interpretação radical dos princípios do Islão. Especialistas afirmam, porém, que o grupo vende ilegalmente estátuas pequenas no mercado internacional, enquanto as maiores são destruídas.
Foto: Fotolia/bbbar
Ameaça terrorista
Nas suas ofensivas armadas, o grupo tem saqueado centenas de milhões de dólares em dinheiro e ocupado diversos campos petrolíferos no Iraque e na Síria. Os seus militantes também se apoderaram de armamento militar de fabrico americano das forças governamentais iraquianas, obtendo, assim, poder de fogo adicional. Seguidores da ideologia do EI perpetraram vários atentados terroristas na Europa.