Ministro da Economia de Moçambique diz quando recebeu a pasta de Manuel Chang só estavam inscritos no Tesouro 500 milhões de dólares de dívida da EMATUM. Como o resto não estava escrito, o Governo não teria de pagar.
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O Tribunal Judicial de Maputo chamou esta sexta-feira (11.02) o ministro da Economia e Finanças para prestar declarações sobre as "dívidas ocultas". Adriano Maleiane disse que, quando assumiu as pastas da Economia e Finanças, em 2015, só a dívida da EMATUM estava inscrita na Direção Nacional do Tesouro.
De acordo com o ministro, o Governo encarou como inexistentes as dívidas da MAM e da ProIndicus, as outras duas empresas envolvidas no maior escândalo financeiro do país. Ambas teriam sido consideradas dívidas "secretas" por estarem sob a alçada do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE).
"A EMATUM é a única dívida e garantia que constava dos registos da Direção Nacional do Tesouro. Questões comerciais não ficam no Ministério. Então, o que não estava lá, acho que tinha de estar, é o registo de garantia, porque só o registo é que obriga o novo Governo a respeitar. Não havendo registo, tudo o que se fala não é nada", explicou.
Adriano Maleiane sucedeu na chefia do Ministério das Finanças a Manuel Chang, que está detido desde dezembro de 2018, na África do Sul, no âmbito deste escândalo.
Como é que o acórdão foi cumprido?
Gilberto Correia, da Ordem dos Advogados de Moçambique, assistente do Ministério Público, questionou o declarante Adriano Maleiane se ele cumpriu a decisão do Conselho Constitucional, que em junho de 2019 decretou a nulidade da dívida da EMATUM. O ministro respondeu que sim.
Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza
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Mas Gilberto Correia indagou como é que o acórdão foi cumprido, se a dívida da EMATUM foi reestruturada meses mais tarde? "O Conselho Constitucional disse: declaro a nulidade dos atos inerentes ao empréstimo contraído pela EMATUM e a respetiva garantia soberana conferida pelo Governo em 2013 nula e de nenhum efeito. E há uma reestruturação que está a ser cumprida. Queremos entender a resposta", sublinhou.
Adriano Maleiane considera que havia necessidade de honrar compromissos com os credores, pois era a imagem do país que estava em causa. "Tomámos tudo isso em consideração a partir daquele momento. Antes de fechar, tivemos a certeza de que respeitamos melhor a lei nossa e também estamos a respeitar a lei que governa internacionalmente. E o processo de reestruturação pareceu-nos ser a melhor forma", justificou.
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Crise não resultou da dívida, segundo Maleiane
O escândalo das dívidas ocultas fez com que os parceiros de Moçambique congelassem o apoio direto ao país. Mas, durante a audiência, Maleiane negou que a crise financeira de 2015 tenha resultado da dívida da EMATUM.
"O que aconteceu é que quando não pagamos, a classificação do país nas agências de notação financeira baixa", disse. "Baixar significa que o Estado, para ir pedir financiamento lá fora, as taxas de juro são altas e nesta perspetiva prejudica a capacidade do Estado se endividar, mas não posso classificar isso como crise da EMATUM no sentido global do termo crise."
Adriano Maleiane é o penúltimo declarante a ser ouvido no julgamento das dívidas ocultas. No próximo dia 17, o tribunal prevê ouvir o antigo Presidente Armando Guebuza.
Moçambique: Propriedades e instituições ligadas às "dívidas ocultas"
O processo denominado "dívidas ocultas" envolve não apenas pessoas de muitos quadrantes políticos e sociais, mas também empresas, propriedades e instituições.
Foto: Romeu da Silva/DW
O julgamento das "dívidas ocultas" decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo
O processo decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo desde 23 de Agosto de 2021. A sexta sessão revelou que arguidos e declarantes adquiriram residências luxuosas e criaram empresas de lavagem de dinheiro. A sociedade moçambicana ficou a conhecer a extensão da lesão que sofreu por causa das dividas ocultas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tudo começou no bairro de Sommerschield
Tudo começou no bairro de elite da Sommerschield, onde fica a sede do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE). Não se trata do edifício na foto, já que é proibido fotografar o edifício do SISE. Mas foi nas suas instalações que foi desenvolvido o projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE), que acabou endividando o Estado em cerca de 2,2 mil milhões de dólares.
Foto: Romeu da Silva/DW
Lavagem de dinheiro
No julgamento, o Ministério Público (MP) acusou o réu António Carlos do Rosário de ser proprietário de vários apartamentos neste edifício chamado Deco Residence. O MP refere que do Rosário comprou, em 2013, três apartamentos, no valor de 500 mil dólares cada. O valor foi transferido pela IRS para a Txopela Investiments, de que era administrador.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tribunal confisca apartamentos
Alexandre Chivale, advogado do réu António Carlos do Rosário, ocupava um apartamento aqui na Deco Assos. Foi obrigado a abandonar a unidade e a entregar a chave ao Tribunal de Maputo. A área residencial está a ser construída ao longo da marginal, uma zona que passou a ser muito concorrida.
Foto: Romeu da Silva/DW
Apartamento Xenon
António Carlos do Rosário também terá "metido a mão" neste imóvel. Na acusação consta que, em 2015, a Txopela transferiu 2,9 milhões de dólares para a Imobiliária ImoMoz para a compra de apartamentos neste edifício, que antes funcionava como cinema Xenon.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alerta lançado pela INAMAR foi ignorado
A INAMAR é uma empresa que se dedica à inspeção naval. No processo da contratação das dívidas, a INAMAR avisou que os barcos da empresa pública EMATUM, que custaram 600 milhões de dólares, foram construídos à revelia das normas. Por causa das irregularidades, a INAMAR chumbou as embarcações. E alertou as autoridades relevantes, que ignoraram o relatório.
Foto: Romeu da Silva/DW
Casa de câmbios transformada em "lavandaria"
A Africâmbios transformou-se numa casa na lavagem de dinheiro. Alguns funcionários foram obrigados a abrir contas, usadas pelos seus superiores para a transferência de dinheiro da empresa Privinvest, igualmente envolvida no escândalo. O proprietário da Africâmbios, Taquir Wahaj, fugiu e é procurado pela justiça moçambicana.
Foto: Romeu da Silva/DW
Presidência e reuniões do comando conjunto
A presidência da República, perto da edifício da secreta moçambicana, acolheu algumas reuniões do Comando Conjunto e Operativo onde estiveram os ministros da Defesa, Filipe Nyusi, atual Presidente da República, Alberto Mondlane, ministro do Interior e elementos do SISE. Há muita pressão para que o antigo Presidente Guebuza e Nyusi sejam ouvidos como réus e não como declarantes no caso.
Foto: Romeu da Silva/DW
MINT fazia para do Comando Conjunto
O Ministério do Interior, assim como o Ministério da Defesa, eram considerados cruciais no projeto de Proteção da Zona Económica Exclusiva. O tribunal tem na lista de declarantes o antigo ministro Alberto Mondlane para prestar declarações e o papel que este Ministério teve na contratação das dívidas ocultas.