A maioria dos advogados dos 19 réus no caso das dívidas ocultas não compareceram na sessão de audição dos declarantes esta segunda-feira (15.11). Advogado Ambrósio Sambamate diz que é preciso averiguar o que aconteceu.
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A ausência dos advogados dos réus na audiência desta segunda-feira (15.11), em Maputo, causou alguma estranheza e levou o juiz da causa, Efigénio Baptista, a nomear o causídico Isálcio Mahanjane como o defensor de todos os arguidos na sessão de hoje.
Terá sido um boicote dos advogados? O advogado Ambrósio Sambamate diz que os indícios apontam para isso, mas lembra que é preciso que sejam ouvidos primeiro pelo juiz para entender as motivações, sublinhando que em caso de indisciplina podem ser alvo de punições.
DW África: Como comenta a ausência dos advogados dos réus?
Ambrósio Sambamate (AS): É muito estranha, primeiro porque é preciso ter em consideração que existem, ao nível das normas processuais penais, algumas regras em relação à ausência e presença das partes dos sujeitos processuais, seja o juiz, advogados, Ministério Público ou arguidos. Há regras que disciplinam ausências, porque em princípio é possível que qualquer parte ou qualquer sujeito processual possa faltar a uma audiência. É normal. Todavia, a falta de hoje - porque se deu em conjunto - é muito estranha, embora seja muito importante nós procurarmos saber e averiguar o que é que de facto ocorreu.
DW África: Parece-lhe uma ausência concertada ou uma espécie de boicote?
AS: Ao que tudo indica, há elementos para concluirmos que, de facto, a ausência é concertada. O fim não posso indicar. Não é normal que todos os advogados faltem e só estivesse presente o Dr. Isálcio Mahanjane, que foi nomeado defensor oficioso. Apesar de as partes poderem faltar a uma diligência processual, é possível que elas requeiram com alguma antecedência - parece que não ocorreu neste caso - que elas faltem.
O juiz está proibido de fazer a audiência do julgamento sem a presença dos mandatários, razão pela qual ele é obrigado a nomear um defensor oficioso, mas também ao mesmo tempo ele pode e deve aplicar uma multa caso constate que a falta do mandatário não foi justificada.
DW África: Depois da constatação desta ausência por parte do juiz e a consequente reclamação, alguns advogados foram à tenda ainda hoje.
AS: Ainda é importante averiguarmos o que aconteceu. Prefiro comentar depois de me apresentarem os elementos que conduzem à prova sobre que tipo de causas deram lugar à falta. Podemos estar a discutir, eventualmente, uma circunstância que a lei designa como impedimentos não imputáveis ao advogado. São aquelas causas que estavam para além da vontade do advogado.
Se eu fosse o juiz, a mera diligência que eu teria era perguntar a cada um dos advogados por que motivo faltou. A pergunta teria por objetivo concluir se a falta é justificada ou não. Não sendo justificada por haver elementos nesse sentido ou noutro sentido haverá lugar à aplicação de multa. E, de facto, fez muito bem o juiz quando oficiou a Ordem dos Advogados para indicar um advogado permanente.
DW África: Estão a ser ouvidos neste momento os declarantes e por isso há quem considere que não há agenda que justifique a presença dos advogados de réus a esta altura. Partilha da mesma opinião?
AS: Não partilho, porque a audição dos declarantes é aquilo que designamos de produção da prova e ainda se insere no âmbito da audiência e discussão do julgamento da causa, razão pela qual é obrigatória essa presença.
DW África: O que pode acontecer caso episódios destes se repitam?
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.
Foto: Roberto Paquete/DW
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AS: O juiz, basicamente, só pode vir a aplicar multas e oficiar à Ordem dos Advogados, porque a disciplina dos advogados compete à Ordem dos Advogados através do Conselho Nacional. Ao juiz compete sancionar o ato, aplicar uma multa e, se a falta se verificar constantemente, o juiz pode substituir o advogado faltoso, nomeando o defensor oficioso para o arguido.