Afeganistão: Talibãs destruíram num ano vinte anos de ganhos
Lusa
15 de agosto de 2022
No dia em que se assinala um ano desde a tomada de Cabul pelos talibãs e o regresso da interpretação mais severa da lei islâmica, a Amnistia Internacional alerta para uma "crise de direitos humanos sem precedentes".
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Cabul caiu nas mãos dos talibãs a 15 de agosto de 2021 e um ano bastou para o Governo reverter duas décadas de progresso em direitos humanos no Afeganistão, acusou a Amnistia Internacional (AI) num relatório publicado esta segunda-feira (15.08), denunciando "impunidade generalizada" para crimes como tortura e assassinatos por vingança.
"O que se seguiu ao fatídico dia de 15 de agosto de 2021 é uma crise de direitos humanos numa escala sem precedentes", aponta a AI num relatório documentado com entrevistas e fotografias.
"Há um ano, os talibãs assumiram compromissos públicos para proteger e promover os direitos humanos. No entanto, a rapidez com que estão a desmantelar 20 anos de ganhos é espantosa. Quaisquer esperanças de mudança evaporaram-se à medida que procuram governar através de uma repressão violenta com total impunidade", disse Yamini Mishra, diretora da AI para o Sul da Ásia.
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Perseguição e repressão
O "ataque sustentado" aos direitos humanos inclui perseguir grupos minoritários, reprimir violentamente os protestos pacíficos, retirar os direitos das mulheres e usar execuções e desaparecimentos extrajudiciais para "espalhar o medo entre os afegãos", revela-se no relatório "O regime dos Talibãs: Um Ano de Violência, Impunidade e Falsas Promessas".
Houve centenas de assassinatos extrajudiciais, com corpos encontrados com ferimentos de bala ou sinais de tortura, e dezenas de pessoas desapareceram por causa do seu trabalho sob o governo anterior ou por suspeitas de resistência contra os talibãs.
Torab Kakar, de 34 anos, disse à Amnistia Internacional que, apesar de ter uma "carta de perdão" dos talibãs, o seu amigo Jalal, que tinha servido nas Forças de Segurança da Defesa Nacional afegã (ANDSF), foi levado para um local não revelado pelos fundamentalistas islâmicos.
As mulheres sofrem restrições crescentes, deixaram de poder circular livremente, perderam o direito à educação e dezenas foram detidas e torturadas por realizarem protestos pacíficos exigindo os seus direitos.
A investigação da AI aponta o uso de força excessiva em várias grandes cidades pelas forças de segurança para dispersarem protestos pacíficos, batendo e disparando sobre manifestantes desarmados.
Um manifestante da província de Herat relatou os ferimentos infligidos pelas forças de segurança: "Vi um homem deitado numa poça de sangue numa vala na rua. Creio que tinha sido morto... A minha mão estava fraturada, mas não fui ao hospital, temendo que pudesse ser preso por participar nos protestos."
Apelo à comunidade internacional
A atividade da imprensa está fortemente limitada no Afeganistão desde que os talibãs reassumiram o poder e no último ano, mais de 80 jornalistas foram presos e torturados por relatarem protestos pacíficos.
Na perseguição às minorias étnicas e religiosas, a organização de defesa dos direitos humanos refere relatos de despejos de não-pachtuns em todo o país, sobretudo de hazaras, turquemenos e uzbeques, para os talibãs recompensarem os seus seguidores com terras que lhes são retiradas.
"Para evitar que a crise dos direitos humanos no Afeganistão cresça ainda mais, a comunidade internacional deve tomar medidas significativas para responsabilizar os talibãs por estes crimes", pede Yamini.
A Amnistia Internacional apela aos talibãs para que parem imediatamente de cometer violações e crimes graves em matéria de direitos humanos e para, como autoridades de facto do Afeganistão, restaurarem e promover os direitos do povo afegão.
Afegãos tentam fugir após regresso dos talibãs ao poder
Centenas de pessoas estão a tentar fugir do Afeganistão, depois da invasão da capital pelos talibãs. Potências ocidentais retiraram civis do aeroporto de Cabul, uma vez que os voos comerciais foram interrompidos.
Foto: AFP/Getty Images
Multidão no aeroporto de Cabul
O principal aeroporto de Cabul, Hamid Karzai, em homenagem ao primeiro Presidente do país logo depois do derrube dos talibãs, acolheu esta segunda-feira (16.08) multidões de pessoas desesperadas a fugir dos talibãs. Também as potências ocidentais corriam para evacuar pequenos grupos de pessoas, principalmente os seus compatriotas, mas também alguns funcionários locais.
Foto: AFP/Getty Images
Os talibãs tomaram o palácio presidencial
Depois da queda da capital, Cabul, os talibãs tomaram o palácio presidencial no domingo (15.08). As imagens mostram os comandantes e soldados sentados no palácio, onde declararam vitória contra as forças governamentais.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Medo do Governo islâmico
Muitos receiam a linha dura dos talibãs, que afirmaram que não se vingariam dos que ajudaram a aliança apoiada pelos EUA. Mulheres e crianças foram proibidas de estudar durante o anterior regime talibã. Os afegãos trataram logo de esconder imagens que podem desagradar os fundamentalistas.
Foto: Kyodo/picture alliance
Atravessar a fronteira para o Paquistão
Enquanto o aeroporto Hamid Karzai rebenta pelas costuras, com multidões à espera de deixar o país, outros cruzam as fronteiras para o Paquistão. O ministro do Interior do Paquistão, Sheikh Rashid Ahmed, disse à DW que o seu Governo fechou as fronteiras de Torkham com o Afeganistão, encerrando assim a última grande rota terrestre para fora do país.
Foto: Jafar Khan/AP/picture alliance
Os talibãs retornam depois da retirada dos EUA
Os EUA e os seus aliados entraram no Afeganistão depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 nos EUA e derrubaram os talibãs. Como o conflito de 20 anos chegou ao fim com a retirada abrupta das tropas dos EUA e da NATO, as forças do Governo rapidamente entraram em colapso porque não tinham apoios.
Foto: Hoshang Hashimi/AP Photo/picture alliance
Quem é o líder talibã?
Os talibãs governaram o país em 1996 e 2001 e impuseram uma interpretação estrita da lei islâmica sharia. O movimento foi fundado sob a liderança do Mullah Omar, que tem um olho só. Haibatullah Akhundzada é agora o líder máximo, enquanto co-fundador Mullah Baradar, na imagem, lidera a ala política.
Foto: Social Media/REUTERS
Os talibãs erguem a sua bandeira
Os talibãs dizem-se prontos para controlar o país. "Estamos prontos para dialogar com todas as figuras afegãs e vamos garantir-lhes a proteção necessária", disse o porta-voz do gabinete político, Mohammad Naeem, à Al Jazeera.
Foto: Gulabuddin Amiri/AP/picture alliance
Muheres e crianças em risco
Suspeita-se que mulheres e crianças afegãs deverão sofrer sob a liderança do regime talibã.
Foto: Paula Bronstein/Getty Images
Presidente Ghani deixou o país
O Presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, deixou o país a 15 de agosto. "Para evitar o derramamento de sangue, achei melhor sair", disse Ghani, mas ressaltou que continuará a lutar pelo país.
Foto: Rahmat Gul/AP Photo/picture alliance
Ex-Presidente Karzai pede paz
Os líderes criaram um conselho para se reunirem com os talibãs e gerirem a transferência do poder. O ex-Presidente Hamid Karzai, parte do conselho, diz que a iniciativa visa "visa reduzir o caos e o sofrimento da população" e para administrar a paz e a "transferência pacífica".
Foto: Mariam Zuhaib/AP Photo/picture alliance
Potências ocidentais evacuam os seus compatriotas
A Alemanha enviou aviões militares para ajudar na evacuação do Afeganistão, após fechar a embaixada em Cabul. Os EUA, Grã-Bretanha e Arábia Saudita também estão a evacuar forças, diplomatas e outras autoridades do país.
Foto: Moritz Frankenberg/dpa/picture alliance
Protestos nos EUA
Nos EUA, muitas pessoas manifestaram-se diante da Casa Branca, no fim de semana, a favor da paz no Afeganistão. O almirante Mike Mullen disse que os EUA e os seus aliados "subestimaram o impacto de um Governo corrupto". E acrescentou: "Acabamos de chegar longe demais, as expetativas eram muito altas e foi uma ponte muito longe para chegar onde pensávamos que queríamos ir."