Dhlakama concede entrevista exclusiva à DW África
27 de maio de 2016 Em Moçambique, Afonso Dhlakama acusa o Governo da FRELIMO de agir de má fé, argumentando que o cerco do exército governamental à sua pessoa está cada vez mais apertado, quando ao mesmo tempo esse mesmo Governo voltou a mesa de diálogo com o maior partido da oposição.
O líder da RENAMO, em exclusivo à DW África, confirma as informações de movimentações militares na região centro de Moçambique, reduto do maior partido da oposição:
DW África: Fala-se numa movimentação do exército moçambicano na serra da Gorongosa e de um cerco a zona onde se encontra. Confirma?
Afonso Dhlakama (AD): Sim, confirmo, é má fé. Há muitos efetivos, forças da FRELIMO, FADEMO, FIR (Forças de Intervenção Rápida) que saíram de Maputo e juntaram-se às posições aqui em volta da Serra da Gorongosa, perto de onde estamos, a tentarem ameaçar-nos. Mas já sabíamos, porque a estratégia da FRELIMO é de atacar as zonas próximas de onde estou, de intimidar como forma de Dhlakama abandonar Gorongosa para ir a Maputo. Mais isto é má fé porque nós já criamos uma equipa que até já se encontrou com a da FRELIMO com quem se irá encontrar de novo, acredito que na segunda-feira (30.05) para discutir os pontos que irão constituir a agenda. Então, se eles mandam cercar-me, aqui perto da base, disparando e intimidando as pessoas, significa que a intenção de negociar que dizem ter não corresponde a verdade. Querem dar a entender aos europeus que estão interessados em negociar, porque eles sabem que negociar é o que a RENAMO quer e por isso querem impedir essas negociações. Se tivesse destacado, por exemplo, trezentos homens, comandos, da Gorongosa, em Sofala, para cercarem o palácio do Nyusi em Maputo, ou estando a trinta kilómetros da cidade de Maputo, todo o mundo estaria a gritar, toda a União Europeia iria condenar-me, chamar-me belicista e ficaria com má imagem. Mas como são homens da FRELIMO que vieram cercar o Dhlakama que está aqui na Gorongosa ninguém está preocupado com isso e ninguém força a FRELIMO a abandonar este cerco, fazendo-nos parecer animais. Procedem de má fé, não só a FRELIMO, mas também os nossos amigos de cooperação internacional que parecem estar a falar de boa fé a quererem negociações. Não há negociações que possam ser levadas a cabo em Maputo com o líder da RENAMO, que orienta a equipa de negociações, que de um lado tem de falar para Maputo a dizer "negoceiem assim...", mas por outro tenho de orientar grupos a dizer "disparem assim...", acho que isso é extremamente perigoso.
DW África: Falou agora do primeiro contacto entre as equipas da RENAMO e do Governo da FRELIMO para preparem o início das negociações. Quais são os pontos de agenda da RENAMO?
AD: Bom, não gostaria de divulgar os pontos, mas eles já estão lá. Já que isto é negocição, nós não temos muitos pontos, todo o mundo sabe o que a RENAMO pretende. Queremos, em primeiro lugar, que a FRELIMO entenda que só poderá haver paz, democracia, Estado de direito e a Constituição a funcionar, sobretudo eliminar a fraude, se a RENAMO, em primeiro lugar, for entendida na nossa estratégia de governarmos as seis províncias. Não queremos dividir o país, podemos negociar a reforma da Constituição, porque é um doceumento-mãe que regula a vida das pessoas e não é meia dúzia [de pessoas] que está em Maputo que vai negar a liberdade das pessoas que votam nos partidos. E a comunidade internacional deve entender que a RENAMO não vai recuar nessa exigência que, aliás é exigência de milhões de pessoas. Apesar de ter havido fraude, essas pessoas que votaram em nós querem ver o programa da RENAMO a orientar a política e administração naquelas províncias. Queremos tratar da defesa e segurança, estamos a falar da concentração das tropas na Gorongosa. O exército tem de pertencer ao Estado e não a um partido, mas estão cá na Gorongosa, porque o partido FRELIMO decidiu matar o Dhlakama e fazer confusão. Portanto, relativamente a este ponto que haja uma reconciliação dos nossos quadros militares, segundo o Acordo Geral de paz, e que ocupem também cargos de chefia nas forças armadas, no Estado-maior, nas brigadas, batalhões e companhias para que deixemos de ter em Moçambique uma ala da RENAMO e um exército da FRELIMO. O resto é a paz ou Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE). Nós não temos uma lista longa, porque não nos interessa, queremos um acordo rápido e sério.
DW África: A RENAMO vai insistir na participação de algum mediador internacional nas negociações?
AD: A RENAMO já propôs que a União Europeia fizesse parte da mediação, de igual modo a Igreja Católica de Moçambique e a África do Sul. Mas o Governo andou com manobras ao afirmar que os moçambicanos têm experiência e não queremos estrangeiros nessa mediação. Em qualquer país do mundo tem que haver mediação. No Acordo Geral de Paz estava o Governo italiano, Santo Egídio, a Igreja Católica de Moçambique....Porque é que agora com tantos problemas que afetam a democracia não vamos ter mediadores estrangeiros? Mas quanto a este ponto concreto de mediação não sei o que vai acontecer porque todos têm dito, nomeadamente a UE, que a RENAMO e a FRELIMO negoceiam seriamente e para nós “negociar seriamente tem que haver alguém a mediar ouvindo as razões de um lado e do outro para dar conhecer ao mundo as posições defendidas por uns e outros. A RENAMO e o Governo sozinhos vamos acabar por nos acusar mutuamente, cada um puxar a sardinha para a sua brasa. Portanto estamos à espera que ao elaborarmos essa agenda que vai incluir os pontos do diálogo e havendo um acordo sobre esse documento, acredito que sim, o Governo terá que se pronunciar acerca da proposta da RENAMO concernente à mediação internacional.
DW África: Já tem uma previsão sobre um encontro com o Presidente Filipe Nyusi?
AD: Ninguém recusa a ideia desse encontro, só que isso tem que ser preparado e não podemos, nós os dois nos encontrarmos, cada um a olhar para o outro, a imprensa a fotografar ou a filmar e depois não anunciamos nada. Isso iria aborrecer o povo de Moçambique e desapontar não só os moçambicanos mas todo o mundo. Então houve um encontro para tratar o quê? Fala-se muito do encontro entre Dhlakama e Nyusi mas tem que haver algo de produtivo, por exemplo, um acordo para jutificar que os dois líderes estiveram reunidos e que rubricaram um documento para mostrar ao povo que o nosso encontro não foi para tormarmos um chá mas para resolvermos os problemas que afetam a situação do povo e de Moçambique.
DW África: O senhor Afonso Dhlakama aceitaria assumir o cargo de vice-Presidente de Moçambique desde que a Constituição fosse revista?
AD: Não porque não sou da esquerda. Digo com todo orgulho que lutei pela democracia. Sou de centro-direita e sei o que é ser marxista para depois entrar numa transição de marxista para socialista. O partido FRELIMO foi comunista, marxista e dos mais perigosos do que outros partidos marxistas do mundo. Matou pessoas nas prisões, criou campos de reeducação, etc. A solução agora não é de tentar converncer a RENAMO para trabalhar diretamente com a FRELIMO. Isso seria o fim da democracia multipartidária em Moçambique.
DW África: Em 1999 o então Presidente Joaquim Chissano consentiu que a RENAMO assumisse alguns cargos ministeriais, mas a RENAMO terá demorado a tomar uma posição em relação a isso e Chissano acabou por anunciar um Governo composto por apenas membros do seu partido, a FRELIMO. Afonso Dhlakama está arrependido ?
AD: Nunca houve a ideia de nomear ministros da RENAMO, mas sim algo para acabar com o nosso partido. Convém lembrar as pessoas que a RENAMO não apareceu de qualquer maneira e a FRELIMO nunca lutou pela democracia neste país. Foi a RENAMO que lutou 16 anos obrigando a FRELIMO a aceitar em Roma o multipartidarismo depois de ter perdido a guerra. Seria ingrato da nossa parte que a RENAMO dissesse ao povo que lutamos pela democracia e agora vamos levar os nossos quadros para trabalharem como ministros num Governo da FRELIMO.Isso é só propaganda. Sou inteligente, político e general e se a RENAMO aceitasse esta ideia da FRELIMO hoje o partido já não existia.