A disputa eleitoral no Brasil fez aumentar os episódios de violência por motivação política, facto que está a preocupar os africanos da região Sul do país. Alguns ponderam mesmo abandonar o país.
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A campanha eleitoral para as eleições presidenciais do Brasil tem gerado vários casos de violência envolvendo eleitores e políticos. Depois do ataque ao candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro, um outro caso mediático fez manchete nos jornais no início deste mês, quando o mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, de 63 anos, foi morto com 12 facadas em Salvador, no estado da Bahia. O motivo do ataque terá sido uma discussão política.
Para os estrangeiros africanos que vivem em Porto Alegre, no sul do Brasil, a corrida à presidência tem sido caracterizada por intolerância e disseminação de ódio, tanto nas redes sociais como na praça pública. "O brasileiro tem muito ódio para destilar e não tem preguiça de fazer isso", desabafa a angolana Márcia Pungo, de 23 anos, uma estudante universitária que vive há quatro anos na capital gaúcha. "Se a pessoa comentou algo que não vai ao encontro do que a outra acredita, essa pessoa já é digna de ser odiada. O brasileiro não tem vergonha de destilar o seu ódio", comenta a jovem que está convicta que deixará o país no próximo ano para regressar a Angola.
Preconceito disseminado
Sara Santiago, de 24 anos, estudante de comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), sente na pele o preconceito que impera entre muitos brasileiros. Natural de Cabo Verde e a viver no Brasil desde 2015, a jovem recorda uma situação "constrangedora" que sofreu em plena sala de aula assim que chegou ao país.
Escalada de violência preocupa cidadãos dos PALOP no Brasil
"Na primeira prova que eu fiz, tirei nota 8. Uma colega chegou ao pé de mim e retirou-me a prova da minha mão. Virou-se para a professora e perguntou por que é que eu, que vinha de África, tinha tirado 8 e ela 6", relata a universitária.
A cabo-verdiana admite estar preocupada com a atual situação, devido à escalada de violência. "Tenho medo de dar um passo fora ou que me batam porque sou negra, sou mulher e sou jornalista", lamenta a jovem. "Tenho todas as características que no momento, a favor do Bolsonaro, são contra", comenta Sara.
Falta de respeito pela opinião alheia
O guineense Germem Correia, de 28 anos, estudante de mestrado em Administração na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), critica a posição agressiva dos brasileiros quando o assunto é política.
"Tu percebes que existe ódio. Cada um é livre de ter e escolher o seu partido, mas o importante é respeitar a opinião dos outros. Muitas vezes, as pessoas acabam por não entender isso", refere o estudante da Guiné-Bissau que vive há cerca de cinco anos no Brasil.
No dia 28 de outubro, 147 milhões de brasileiros são chamados às urnas para eleger o novo Presidente da República. Os eleitores têm de escolher entre os dois candidatos mais votados no primeiro turno: Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), que obteve 46,03% dos votos válidos, e Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), que reuniu 29,28% dos votos.
Os dez músicos brasileiros que mais se empenharam para fazer a ponte África-Brasil
A música torna-se um dos maiores aliados para eliminar diferenças e polémicas como, por exemplo, se o samba é brasileiro ou de Angola. Estes dez artistas colocam África em destaque de forma inovadora e revolucionária.
Foto: W. Montenegro
Viagens em livros e muita música
Martinho da Vila faz um verdadeiro manifesto anti-racista no livro "Kizombas, Andanças e Festanças", lançado pela primeira vez em 1972. O cantor e compositor, que assina alguns dos maiores sucessos da música brasileira, aparece no topo da lista dos músicos brasileiros que mais contribuíram para a ponte Brasil-África de acordo com diferentes instituições e especialistas ouvidos pela DW África.
Foto: Getty Images/R. Dias
"Marrom" graças ao amor pelas origens
Alcione Dias Nazareth, a Marrom, viajou diversas vezes para apresentações em países africanos, como Angola e Moçambique. Depois de 25 anos sem ir a Cabo Verde, a maranhense fez uma apresentação, em 2011, para celebrar os seus 40 anos de carreira. Do arquipélogo, inclusive, gravou "Regresso" (Mamãe Velha), composição histórica de Agostinho José que usou um poema de Amílcar Cabral.
Foto: Getty Images/F.Calfat
Sons e política em oração
Gilberto Gil, músico e ex-ministro da Cultura do Brasil, procurou desconstruir equívocos na música "Mão da Limpeza", em 1983, levando em conta o pejorativo termo de que "negro quando não suja na entrada, suja na saída". Cantada ao lado de Chico Buarque, valoriza a contribuição dos afro-brasileiros na gastronomia e cultura brasileiras. Em 1985, lançou a "Oração Pela Libertação da África do Sul".
Foto: FAO/Giulio Napolitano
"A carne mais barata do mercado é a carne negra"
Elza Soares é militante assumida numa carreira de mais de 60 anos e apresenta em muitas das suas músicas a realidade do negro, tomando como ponto central a mulher. Nascida na favela da Moça Bonita, Rio de Janeiro, em 1937, Elza não perde oportunidade para gravar canções como "A Carne", de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette. O mais recente trabalho é "A Mulher do Fim do Mundo" (2016).
Foto: Getty Images/K.Betancur
Composições e inspiração para novos artistas
Mateus Aleluia (esq.) morou 20 anos em Angola e sempre procurou ligações com outros artistas para dar vida à África perdida na história do Brasil. O músico nascido no estado brasileiro da Bahia inspira trabalhos de nomes como Carlinhos Brown, Nação Zumbi e Cidade Negra. Aleluia integrou o legendário "Tincoãs", nos anos 1970. Na foto, está ao lado de Bule-Bule (centro) e Raimundo Sodre (dir).
Foto: picture-alliance/ dpa/S.Creutzmann
Morena de Angola, Moçambique e Brasil
Clara Nunes (1942-1983) fascina quem pesquisa sobre o Brasil e está em África. O inédito nela é ter cantado sobre elementos fora do dia-a-dia das pessoas, como em "Mãe África", do marido Paulo César Pinheiro e Sivuca. Foi desta forma que rompeu paradigmas, vendendo mais de 100 mil cópias. É retratada no documentário Clara Estrela (2017), dirigido pelos brasileiros Susanna Lira e Rodrigo Alzugui.
Foto: W. Montenegro
O Sul do mundo em lágrimas
Milton Nascimento compôs a Missa dos Quilombos, em 1981, para denunciar as consequências da escravidão e do preconceito no Brasil. Criado por pais adotivos brancos, impulsionou a criação dos Tambores de Minas, nos anos 1990, e trabalhou com projetos envolvendo novos talentos. Com mais de 50 anos de carreira, escreveu Lágrima do Sul, ao lado de Marco Antônio Guimaraes, do grupo Uakti.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Cruz
Afro-brasileiro fora da África e do Brasil
Desde o início da sua carreira, nos anos 1960, Jorge Ben Jor manteve-se mais próximo dos aspectos afro-brasileiros, afastando-se da Bossa Nova que dominava a cena musical brasileira. O guitarrista, cantor e compositor gravou "África Brasil", em 1976. É deixando-se ser marcado por esta influência que se apresenta em diversos pontos do planeta, como no Festival de Montreux, na Suíça (foto).
Foto: picture-alliance/dpa/S.Campardo
Sem dar adeus à Àfrica
Naná Vasconcelos (1944-2016) já começou sua carreira intitulando o primeiro disco de "Africadeus", em 1973. Respeitado no mundo inteiro por valorizar as culturas africana e negra em seu trabalho, ganhou oito prémios Grammy. De 1983 a 1990, foi o Melhor Percussionista do Ano, da revista Down Beat. Em 2010, o pernambucano reuniu meninas e meninos de Angola, Brasil e Portugal no projeto Língua Mãe.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Moreira
Revolução em lugares inesperados
Já no início da carreira, nos anos 1960, Maria Bethânia fazia invocações africanas e revolucionou aglutinando dois continentes dentro de boates! Com uma trajetória sólida, em 1986, gravou com o grupo sul-africano Lady Smith Black Mambazo. Ao lado de Mingas, Mia Couto e Agualusa, a intérprete baiana acaba de lançar o documentário "Karingana, Licença para Contar" (2017), de Monica Monteiro.