AFRICOM: "Grupos terroristas" são desafio para África
Teri Schultz | ni | gcs
19 de maio de 2017
O Comando dos Estados Unidos para África (AFRICOM) tem uma forte presença no continente africano por questões de segurança. Mas os grupos radicais ainda são uma ameaça para países com Governos frágeis.
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O comandante-geral da AFRICOM, Thomas D. Waldhauser, está em Bruxelas esta semana para discutir a situação atual de vários países africanos com os chefes das Forças Armadas da União Europeia. Vários grupos extremistas, incluindo o auto-proclamado Estado Islâmico (EI), o Boko Haram e o grupo Al-Shabaab continuam a ter uma presença significativa em muitas regiões do continente, apesar de serem combatidos por militares de vários países.
Um dos objetivos da AFRICOM é capacitar os Estados visados pelos extremistas para enfrentarem a situação, explicou Waldhauser em entrevista à DW.
"Grupos terroristas" são desafio para África
DW: A AFRICOM e os Governos parceiros têm sido bem sucedidos no combate a grupos terroristas como o EI, o Boko Haram e o Al-Shabaab?
General Waldhauser (GW): Uma das tarefas-chave que tentamos cumprir na AFRICOM é desenvolver a capacidade dos países parceiros, o que lhes permitirá assumir sozinhos esses problemas – por outras palavras, que os africanos resolvem os problemas africanos. Assim, em lugares como a Somália, treinamos e aconselhamos os militares para que eles mesmos possam enfrentar essas ameaças.
DW: Qual é a presença do Estado Islâmico no continente?
GW: O Estado Islâmico está presente a vários níveis. Na Líbia, por exemplo, o grupo tinha uma presença significativa em Sirte há mais de seis meses, e controlou a cidade durante algum tempo. Mas desde que atacámos o Estado Islâmico no deserto em meados de janeiro, os números reduziram. Eles já não dominam grandes extensões de território, embora estejam presentes. Também continuamos a olhar para o Estado Islâmico noutras partes do continente: para a África Ocidental e para a Bacia do Lago Chade. Mas o nosso papel é dar formação aos países desta região para que eles próprios possam tratar desse problema. O EI está em vários sítios no continente, e estamos atentos. Mas temos em mente que a principal ameaça é no Iraque e na Síria.
DW: Olhemos para a Somália. Um militar norte-americano foi morto recentemente na Somália, pela primeira vez desde 1993. A pirataria está a aumentar. Como avalia a situação no país?
GW: A morte trágica do sargento Milliken há algumas semanas demonstra o perigo destas missões de formação e assistência na Somália. É a primeira morte no país em muitos anos e é uma tragédia. Sobre a questão da pirataria, não falaria numa "onda" ou num aumento significante. Há uma série de acontecimentos no último mês a que temos de estar atentos. A União Europeia tem um papel importante a desempenhar, porque tem navios na região para lidar com o problema. Mas é muito cedo para dizer que há um aumento significativo da pirataria e que temos um problema.
DW: No Uganda, foi terminada oficialmente acaça a Joseph Kony, o líder do Exército de Resistência do Senhor (LRA). Como está a situação no país?
GW: Penso que não é nenhuma surpresa que, no mês passado, a missão de capturar Joseph Kony tenha chegado ao fim. O LRA foi reduzido a 100 pessoas de cerca de mil homens, no seu pico. Embora não tenhamos capturado Kony, sabemos que ele está fugitivo. Talvez seja capturado. Mas a missão tem de seguir o seu próprio curso e estamos agora a transitar para uma fase estacionária. Esperamos continuar a trabalhar com os países que fizeram parte dessa missão contra Kony. Mas é tempo de seguirmos em frente. Não estamos preocupados com um vazio [de segurança]. Essa consideração influiu bastante na decisão de terminar a missão. Temos um plano para uma transição tranquila e acredito que vai correr tudo bem. Temos apenas de continuar a monitorar a situação.
DW: E a Líbia? Olhando de fora, a situação parece caótica.
GW: A Líbia continua a ser um desafio, mas, em comparação com igual período do ano passado, houve acontecimentos positivos. O Estado Islâmico já não controla Sirte. O grupo ainda está no país, mas está em modo de sobrevivência. Outro desenvolvimento a sublinhar é o encontro recente entre líderes rivais, o general Khalifa Haftar e Fayez Serraj. Todos os nossos parceiros tentaram aproximá-los e criar as bases para um acordo. Agora, temos de aproveitar essa oportunidade e transformá-la em algo positivo. Sempre dissemos que a solução para a Líbia não era militar. É uma solução política.
O que é o Estado Islâmico?
As origens do grupo terrorista remontam à invasão americana do Iraque, em 2003. Nasceu como oposição sunita ao domínio xiita. Inicialmente chamou-se "Estado Islâmico do Iraque e do Levante" e virou ameaça internacional.
Foto: picture-alliance/AP Photo
A origem do "Estado Islâmico"
A trajetória do "Estado Islâmico" (EI) começou em 2003, com o derrube do ditador iraquiano Saddam Hussein pelos EUA. O grupo surgiu da união de diversas organizações extremistas sunitas e grupos leais ao antigo regime, que lutavam contra a ocupação americana e contra o domínio dos xiitas no Governo do Iraque.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Braço da Al-Qaeda
A insurreição tornou-se cada vez mais radical, à medida que fundamentalistas islâmicos liderados pelo jordaniano Abu Musab al Zarqawi (foto), fundador da Al-Qaeda no Iraque (AQI), infiltraram as suas alas. Os militantes liderados por Zarqawi eram tão cruéis que tribos sunitas no Iraque ocidental se aliaram às forças americanas, no que ficou conhecido como "Despertar Sunita".
Foto: picture-alliance/dpa
Aparente contenção
Em junho de 2006, as Forças Armadas dos EUA mataram Zarqawi numa ofensiva aérea. Foi então sucedido por Abu Ayyub al-Masri e Abu Abdullah ar-Raschid al-Baghdadi (ambos mortos em 2010). A Al-Qaeda no Iraque (AQI) mudou de nome para Estado Islâmico do Iraque (EII). Nos anos seguintes, Washington intensificou a sua presença militar no país.
Foto: picture-alliance/Photoshot
Regresso dos jihadistas
Após a retirada das tropas dos EUA do Iraque, efetuada entre junho de 2009 e dezembro de 2011, os jihadistas começaram a reagrupar-se, tendo como novo líder Abu Bakr al-Bagdadi, que teria convivido e atuado com Zarqawi no Afeganistão. Ele rebatizou o grupo militante sunita como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL).
Foto: picture alliance/dpa
Ruptura com Al-Qaeda
Em 2011, quando a Síria mergulhou na guerra civil, o Estado Islâmico atravessou a fronteira para participar da luta contra o Presidente Bashar al-Assad. Os jihadistas tentaram uma fusão com a Frente Al Nusrah, outro grupo da Síria associado à Al-Qaeda. Isso provocou uma ruptura entre o EI e a central da Al-Qaeda no Paquistão, pois o líder desta, Ayman al-Zawahiri, rejeitou a manobra.
Foto: dapd
Ascensão do "Estado Islâmico"
Apesar do desentendimento com a Al-Qaeda, o EI fez conquistas significativas na Síria, combatendo tanto as forças de Assad quanto rebeldes moderados. Após estabelecer uma base militar no nordeste do país, lançou uma ofensiva contra o Iraque, tomando a sua segunda maior cidade, Mossul, a 10 de junho de 2014. Nesse momento o grupo já tinha sido novamente rebatizado, desta vez como "Estado Islâmico".
Foto: picture alliance / AP Photo
Importância de Mossul
A tomada da metrópole iraquiana de Mossul foi significativa, tanto do ponto de vista estratégico quanto económico. Ela é um importante ponto de convergência dos caminhos para a Síria. Com a tomada de Mossul, o EI também conquistou 429 milhões de dólares na filial local do Banco Central do Iraque. Assim sendo, o Daesh - como é conhecido em árabe - tornou-se um dos grupos terroristas mais ricos.
Foto: Getty Images
O califado do EI
Além das áreas atingidas pela guerra civil na Síria, o EI avançou continuamente pelo norte e oeste iraquianos, enquanto as forças federais de segurança entravam em colapso. No fim de junho de 2014, a organização declarou um califado, um estado islâmico que atravessa a fronteira sírio-iraquiana e faz lembrar os califados muçulmanos históricos. Abu Bakr al-Bagdadi foi apresentado como "califa".
Foto: Reuters
As leis do "califado"
Abu Bakr al-Bagdadi impôs uma forma implacável da sharia, a lei tradicional islâmica, com penas que incluem mutilações e execuções públicas. Membros de minorias religiosas, como cristãos e yazidis, deixaram a região do "califado". Muitos foram executados, mulheres violadas e vendidas como escravas a jihadistas do EI. Os xiitas também têm sido alvo de perseguição.
Foto: Reuters
Guerra contra o património histórico
O EI já destruiu tesouros arqueológicos milenares em cidades como Palmira (foto), na Síria, ou Mossul, Hatra e Nínive, no Iraque. O EI diz que as esculturas antigas entram em contradição com a sua interpretação radical dos princípios do Islão. Especialistas afirmam, porém, que o grupo vende ilegalmente estátuas pequenas no mercado internacional, enquanto as maiores são destruídas.
Foto: Fotolia/bbbar
Ameaça terrorista
Nas suas ofensivas armadas, o grupo tem saqueado centenas de milhões de dólares em dinheiro e ocupado diversos campos petrolíferos no Iraque e na Síria. Os seus militantes também se apoderaram de armamento militar de fabrico americano das forças governamentais iraquianas, obtendo, assim, poder de fogo adicional. Seguidores da ideologia do EI perpetraram vários atentados terroristas na Europa.