O Governo angolano criará uma nova empresa para agir no lugar da Sonangol, que vai restringir-se às questões operacionais. Mas esta alteração não terá grandes efeitos no país, alerta o economista Lago de Carvalho.
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Em Angola, o Governo anunciou na quarta-feira (15.08) a criação da Agência Nacional de Petróleos e Gás (ANPG), que assumirá a função de concessionária nacional de hidrocarbonetos. Enquanto isso, a petrolífera Sonangol será direcionada para as atividades operacionais de exploração e produção de petróleo e gás, de acordo com informação da agência de notícias estatal ANGOP.
O objetivo principal da ANPG, segundo o Governo, é "acabar com os conflitos de interesse existentes na indústria, tornando-a mais transparente e eficiente".
Mas, em entrevista à DW África, o economista angolano Lago de Carvalho afirmou que a nova entidade do setor petrolífero não vai fazer diferença em Angola. "Efetivamente, a experiência que a Sonangol tem vai ser continuada na agência" e com "as mesmas pessoas, à partida", ressalta.
DW África: A criação da Agência Nacional de Petróleos e Gás, como nova concessionária do setor petrolífero, vai, de facto, tornar este setor angolano mais transparente?
Lago de Carvalho (LC): A transparência está nas pessoas, não está só nas instituições. Considero que a parte de funcionamento da Sonangol, como concessionária, tem sido relativamente transparente. O grande problema é: qual é a função que a agência vai ter em servir como concessionária nacional? E vai ter dificuldade, porque, e segundo os contratos de gestão em Angola, a concessionária tem funções empresariais, e se for um instituto público, que é uma agência a ter funções empresariais de investidora, parece-me uma distorção daquilo que ela pode fazer. As agências nos outros países, essencialmente, atribuem os contratos de concessão, e depois controlam os investimentos que as empresas fazem e os resultados destes investimentos. Mas não estão envolvidas em decisões de investimento, como é o caso da concessionária nacional [ANPG]. Pessoalmente, acho que deveria ter sido feito o contrário. A Sonangol deveria ter mantido a sua função de concessionária. Daquilo que eu entendo, as pessoas que na Sonangol tinham essa função vão passar para agência e fazer isto lá.
DW África: Ou seja, mudam o endereço e a nomenclatura, mas as pessoas vão ser as mesmas?
LC: As pessoas, pelo menos à partida, vão ser as mesmas. Até porque, são muitos anos de experiência a gerir contratos e a gerir a relação com as empresas estrangeiras. Assim, não se consegue de um momento para o outro ter uma equipa igual a que a Sonangol tem, numa agência a fazer o que a Sonangol faz. Efetivamente, a experiência que a Sonangol tem vai ser continuada na agência.
DW África: Em termos de lucros, acha que a nova agência trará mais eficiência para a indústria petrolífera em Angola, ou, na verdade, não vai fazer diferença?
LC: Não vai fazer diferença. Talvez permita "clarear as águas". Há muita função que foi dada à Sonangol, e que ela foi obrigada a fazer. A Sonangol envolveu-se em parques industriais, em telecomunicações, financiamentos, participações em bancos no exterior, tudo isso em representação do Governo. Pode ser que, com esta "separação de águas", as coisas fiquem mais claras. Agora, do ponto de vista de resultados, não me parece que vai haver alteração.
"Agência Nacional de Petróleos e Gás não fará diferença em Angola"
DW África: A criação desta agência é uma media no âmbito da reestruturação do setor. Mas desde que a Sonangol ganhou uma nova administração, com a saída da empresária Isabel dos Santos do Conselho de Administração, algumas mudanças já foram feitas na empresa. Estas mudanças já se fazem sentir na economia do país?
LC: Não é uma mudança na administração da Sonangol que faz alterar a economia do país. Altera-se a economia do país se todas as receitas do Estado foram gastas com discernimento. Se se anda a desperdiçar dinheiro em projetos que só custam, mas não têm resultados, por mais que a Sonangol funcione bem, não tem como corrigir o resto.
DW África: Mesmo considerando que o petróleo é um dos pilares da economia angolana?
LC: Depende do que se faz com o dinheiro do petróleo. Se se gasta mal este dinheiro, não há consequências [positivas na economia]. E foi isso sempre o que aconteceu. Não estou a dizer que alguma coisa não está feita. Mas há muito dinheiro desperdiçado sem resultado. Se não mudar a forma do Governo trabalhar, e da economia funcionar, a economia está toda atada – mãos e pés –, ninguém pode mexer-se, nem os privados.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".