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Cabo Delgado: AI pede investigação independente do exército

António Cascais
9 de setembro de 2020

A organização não governamental, Aministia Internacional, acusa as forças de segurança moçambicanas em Cabo Delgado de cometer atrocidades contra a população e exige uma investigação isenta.

Symbolbild | Im Norden Mosambiks sind 50 Zivilisten von Dschihadisten ermordet worden
Foto: AFP/J. Nhamirre

Em entrevista à DW África, o diretor da Aministia Internacional Portugal, Pedro Neto, defende uma investigação independente às suspeitas de prática de tortura e outras violações de direitos humanos, alegadamente cometidas pelas forças de segurança moçambicanas em Cabo Delgado, no norte do país.

Em causa estão vídeos e fotos que, segundo a AI, "mostram tentativas de decapitação, tortura e outros maus-tratos de detidos, o desmembramento de alegados combatentes da oposição, possíveis execuções extrajudiciais e o transporte de um grande número de cadáveres até valas comuns", segundo comunicado da organização publicado esta quarta-feira (09/09).   

DW África: Quais são as preocupações da AI?

Pedro Neto (PN): As preocupações da Amnistia Internacional são múltiplas e graves e a vários níveis. Como sabe, tem havido bastante violência, bastantes ataques por grupos de guerrilhas autodenominados ‘Al Shabab’ em Cabo Delgado, que têm atacado as forças de segurança, as forças do exército, e principalmente as populações de aldeias inteiras, que são as maiores vítimas, obrigadas a deslocar-se e a fugir. Portanto, há muita gente a perder a vida. Nós verificamos que a resposta do Governo moçambicano tem sido ineficaz, assim como também, de algum modo, a cooperação da comunidade internacional. Há ainda o silêncio mediático. Estamos a tentar que o mundo olhe para esta situação, mas ele não está a dar atenção a este assunto. Tratando-se de terrorismo, não é um assunto nacional, mas sim internacional. 

DW África: A que tipo de fontes recorreu a Amnistia Internacional para saber o que se passa nos territórios em que acontecem casos de torturas? 

PN: Tivemos acesso por fontes nossas a vídeos e fotografias que nos preocuparam muito. Porque percebemos que havia pessoas pertencentes às forças de segurança e ao exército, ou então com uniformes exatamente iguais, que estão a capturar jovens e a torturá-los e até a realizar execuções extrajudiciais, isto é, assassinatos fora das margens da lei. Eles não são julgados pela justiça, mas pelos próprios militares e autoridades de segurança, responsáveis pelas execuções extrajudiciais.  

DW África: O que se vê concretamente nos vídeos e nas fotografias que chegaram às mãos da Amnistia Internacional? 

PN: Nós vimos imagens de jovens deitados com olhos vendados, com as mãos atadas atrás das costas, em que lhes batem nos órgãos genitais. Vimos um vídeo em que é cortada a orelha com uma faca de mato a um dos jovens e depois a orelha é colocada em frente ao rosto do jovem. Estes jovens a serem julgados, devem ser julgados pela justiça e que não deve ser feita pelas próprias mãos.

DW África: O Estado de Moçambique é, de facto, obrigado por pactos internacionais que assinou, a respeitar as normas internacionais em termos de direitos humanos. Certo? 

PN: O Estado de Moçambique tem obrigações. É parte signatária do pacto internacional dos direitos civis e políticos. É signatário do pacto contra a tortura e tem que fazer cumprir a justiça em relação a estes casos específicos. E, em segundo lugar, tem que procurar assegurar a segurança e a ordem naquela região de Moçambique, que tem sido tão castigada. A violência não se revolve  com mais violência, nem quando ela é desproporcional. 

Pedro Neto, Amnistia InternacionalFoto: DW/J. Carlos

DW África: Como é que verificaram a autenticidade do material que receberam? 

PN: Nós temos um laboratório de crises onde fazemos essa análise tecnológica e onde temos especialistas que fazem análises à veracidade dos vídeos, que veem através dos elementos que os materiais de fotografia e vídeo contêm. Analisam as datas, se há manipulação de imagens ou não e se eles são, de facto, válidos. Muitas vezes conseguimos até, quando temos determinados contextos ou imagens de paisagens ou pormenores, identificar a localização exata onde estes vídeos e estas fotografias foram feitas. Neste caso, são sobretudo imagens que apontam para o chão, para os jovens que estão a ser torturados. Ouve-se até ameaças do género "Porquê que ainda não morreste, pá? Vamos regá-lo com gasolina e atear-lhe fogo para arder". Neste caso concreto depois o vídeo parou e não sabemos se, de facto, levaram para diante as ameaças que estavam a fazer. Mas estes vídeos são verídicos, correspondem também ao tempo e são de fontes nossas, fidedignas.  

DW África: A AI exige uma investigação independente. No terreno, há hipóteses realistas de fazer essa investigação independente?

PN: Se não houver, tem de haver e o Governo tem que trabalhar para que isso aconteça. Há operacionais no terreno. Não é possível continuar a aceitar que não haja condições para essa investigação. Os agentes de segurança e as autoridades do exército obedecem a uma hierarquia. Tem de haver forma de fazer essa investigação independente e de confirmar o que aconteceu e o que não aconteceu. É preciso também exumar os mortos e falar com as vítimas sobreviventes. Ou seja, o que tem de acontecer aqui é a justiça moçambicana trabalhar. 
 

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