Como Tigray, outras áreas têm grupos separatistas em África
Uta Steinwehr
23 de novembro de 2020
A exemplo de Cabinda, vários movimentos separatistas estão em atividade em África. O conflito no Tigray, na Etiópia, é um exemplo. Analistas ouvidos pela DW dizem que a origem destes grupos remontam à era colonial.
Publicidade
Para Toyin Falola, o colonialismo é a raiz de todos os movimentos separatistas em África. O professor de História, da Universidade do Texas, refere-se à forma como as potências coloniais europeias dividiram o continente no período entre a Conferência de Berlim-Congo em 1884/85 e o fim da Primeira Guerra Mundial: "Eles enquadraram centenas de povos e nações que tinham existido antes em cerca de 50 países", opina Falola.
Isso ocorreu independentemente das estruturas existentes ou das filiações religiosas e étnicas. Os dois primeiros exemplos destacados neste artigo - Ambazónia e Togolândia Ocidental - são o resultado de tais demarcações arbitrárias.
No entanto, nem sempre é possível dizer exatamente quando é que uma área pertenceu a quem e se hoje em dia os territórios devem ou não ser entregues a outras partes interessadas, explica Lotje de Vries, professora assistente na Universidade de Wageningen, na Holanda. Zanzibar na Tanzânia ou Cabinda em Angola são exemplos disso.
De Vries é co-editora do livro "Secessão na Política Africana" e foi confrontada com o desafio de como categorizar os vários movimentos separatistas em África. No final, os editores não estavam interessados nas origens históricas, mas na forma como os movimentos se desenvolveram.
Ambazónia
Após a Primeira Guerra Mundial, os Camarões, até então uma colónia alemã, foi colocado sob mandato britânico e francês. Em 1961, um referendo selou o futuro dos Camarões britânicos: a parte norte decidiu juntar-se à Nigéria, a parte sul aspirou à República dos Camarões - a antiga parte francesa.
Nos Camarões de hoje, a população anglófona está em minoria - e sente-se em desvantagem em comparação com a maioria francófona. Isto levou a um conflito violento com mais de 3 mil mortes.
Tanto os separatistas como o exército são acusados de graves violações dos direitos humanos. Há três anos as duas províncias de língua inglesa no Ocidente declararam simbolicamente a sua independência e proclamaram a República de Ambazonia.
Para de Vries, Ambazonia é um dos movimentos que procuram seriamente a independência - principalmente porque a própria identidade da população está em questão.
Togolândia ocidental
A história de origem aqui é semelhante a dos Camarões. Após a Primeira Guerra Mundial, a antiga colónia alemã do Togo foi dividida entre a Grã-Bretanha, a oeste, e a França, a leste. A parte britânica fundiu-se finalmente no Gana de hoje.
No final de setembro deste ano, a crise no Gana Oriental, ou seja, no Togoland Ocidental, tornou-se novamente aguda. Os separatistas declararam a área como um Estado soberano. Iniciativas semelhantes já haviam ocorrido, uma parcela da população local não se sente suficientemente representada pelo governo ganês.
A região, tal como Ambazonia, faz parte da Organização das Nações e dos Povos Não Representados, que atua como lobby para aqueles que não são reconhecidos como Estados pelas Nações Unidas.
Como o mundo viu conflito separatista no Biafra há 50 anos
Há 50 anos, terminava a Guerra do Biafra, na Nigéria. Imagens de uma das piores crises humanitárias de África chegaram a vários países e geraram um movimento internacional de solidariedade.
Foto: picture-alliance/Leemage/MP/Lazzero
Ecos da independência
Milhões de vidas: Em 15 de janeiro de 1970, a guerra civil na Nigéria finalmente terminou. O conflito também foi travado com a arma da fome e abalou o mundo. Na época, muitos alemães se manifestaram contra a Guerra do Biafra. Porém, meio século depois, os apelos pela independência da região estão a ficar mais visíveis novamente.
Foto: Getty Images/AFP
Guerra às custas dos mais fracos
Os membros da etnia igbo, que na Nigéria são predominantemente cristãos, proclamaram a independência da República do Biafra, em 30 de maio de 1967. As quase 14 milhões de pessoas que viviam na região celebraram a criação de um novo Estado. Um ano depois, porém, iniciou-se a primeira guerra na Nigéria desde a descolonização começou. O nome Biafra logo se tornou sinónimo de miséria, fome e morte.
Foto: picture-alliance/Leemage/MP/Lazzero
Agravamento da crise humanitária
Quando as tropas nigerianas tomaram a cidade de Port Harcourt, em maio de 1968, a população do Biafra perdeu o acesso ao mar. A partir daquele momento, as pessoas que estavam em meio ao conflito passaram a depender de suprimentos jogados via aérea. Isso foi uma clara vitória para o Exército nigeriano. O efetivo liderado pelo general Ojuku era inferior e menos treinado.
Foto: picture-alliance/United Archives/TopFoto
Os “bebés de Biafra”
As tropas nigerianas iniciaram um cerco à região, no qual tentaram matar de fome os separatistas. Os chamados "bebés de Biafra" ficaram conhecidos em todo o mundo. A catástrofe humanitária gerou um movimento de solidariedade sem precedentes. Dezenas de milhares de crianças e idosos morreram no verão de 1968.
Foto: Gemeinfrei
O protesto pelas pessoas necessitadas
A guerra civil no Biafra mobilizou o público na Alemanha como nenhum outro evento africano. Em agosto de 1968, estudantes alemães e da região realizaram uma marcha de cinco dias até a então capital da Alemanha Ocidental, Bonn. Eles exigiram que Biafra fosse reconhecido como Estado soberano. A bandeira com o sol nascente tornou-se a bandeira nacional da Biafra.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Hennig
Apoio das celebridades
"Como alemães, devemos saber o que estamos dizendo quando usamos a palavra genocídio, porque o silêncio torna alguém cúmplice". O autor Günter Grass foi provavelmente o orador mais proeminente em um comício realizado em Hamburgo, em 1968, contra a Guerra no Biafra. Sua mensagem difundiu-se pela Alemanha. Na década de 1960, as pessoas já lidavam com o passado duro da Segunda Guerra Mundial.
Foto: picture-alliance/AP Photo/ESH
“Fome por justiça”
Na Alemanha, autoridades religiosa e políticas e milhares de cidadãos participaram do da Dia da Igreja Evangélica que, em 1968, também concentrou-se na crise no Biafra. Recursos financeiros e mantimentos foram arrecadados e enviados para a região devastada pela guerra.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Reiss
"Sociedade para os Povos Ameaçados"
Em Hamburgo, os alunos Klaus Guerke e Tilman Zülch (foto acima) criaram o "Komitee Aktion Biafra-Hilfe". A organização recebeu o apoio de diversas personalidades, como o prefeito de Berlim, Heinrich Albertz; os escritores Günter Grass e Luise Rinser, e o bispo de Munique Heinrich Tenhumberg. O comité cresceu e tornou-se uma ONG internacional, a "Sociedade para os Povos Ameaçados".
Foto: picture-alliance/dpa/M. Schutt
Uma guerra para além do pensamento racional
O historiador Golo Mann elogiou aqueles que auxiliaram Biafra, embora seus comentários não sejam compreendidos: "Uma guerra na qual os imperialistas britânicos e os comunistas russos se unem na mesma corda do crime, na qual uma antiga colónia luta pela suposta unidade de seu Estado contra uma tribo que nem sequer é socialista é bastante desinteressante... Toda teoria é de fato prejudicial"!
Foto: picture-alliance/Keystone/Röhnert
"Biafra – milhões morreram"
Em Londres, os manifestantes marcharam da antiga embaixada soviética para o gabinete do primeiro-ministro, no número 10 da rua Downing. Eles acusaram tanto a União Soviética quanto a Grã-Bretanha de apoiar a Nigéria no conflito contra o Biafra fornecendo armas. O político do Partido Trabalhista, Michael Barnes, também falou num comício organizado pelo "Comité do Biafra".
Foto: Getty Images/Daily Express/R. Dumont
'A de Auschwitz — B de Biafra'
Muitos ativistas de direitos humanos ficaram atónitos com a falta de engajamento internacional. Eles expressaram frustração em artigos em jornais e até mesmo em cartazes com slogans como "A de Auschwitz - B de Biafra". Alemães bem conhecidos como Erich Kästner (foto acima), Ernst Bloch, Marcel Reich-Ranicki e Martin Walser eram apenas alguns dos signatários famosos.
Foto: picture-alliance/akg-images
Envio de ajuda médica
O médico francês Bernard Kouchner viajou parao Biafra em 1968, onde, como integrante da Cruz Vermelha Internacional (IRC), tentou fornecer ajuda médica à população necessitada. Kouchner criticou a posição do IRC de não interferir na política dos partidos em conflito. Ele prosseguiu lançando as bases da ONG internacional, "Médicos Sem Fronteiras".
Foto: Getty Images/AFP/D. Faget
Apelos pela independência continuam
Doações de todo o mundo mantiveram vivo o povo do Biafra. Organizações de ajuda e o IRC enviaram por via aérea mais de 7,3 mil itens, totalizando 81,3 mil toneladas de alimentos e medicamentos. Apesar da ajuda que receberam, os líderes do movimento separatista tiveram de se render à Nigéria em 15 de janeiro de 1970. Ainda hoje, porém, os apelos pela independência continuam.
Foto: picture-alliance/Leemage/MP/Lazzero
13 fotos1 | 13
Biafra
Em alguns conflitos, a forma como os Estados lidam com o legado colonial após a independência desempenha um papel importante. Um exemplo disto é a região do Biafra, no sudeste da Nigéria. Alguns anos após a independência, eclodiu uma guerra civil (1967-1970) na região, na qual se estima que tenham morrido entre 500 mil e três milhões de pessoas.
Segundo o historiador Falola, a causa foi a forma como a estrutura federal foi implementada na Nigéria nos anos 60 - uma "má gestão pós-colonial", como ele diz. Uma questão-chave era: como distribuir o poder e as receitas económicas dentro do Estado?
"Cada vez que se centraliza demasiado algo, há novas crises resultantes disso. Porque não se pode centralizar demasiado sem marginalizar alguém", diz Falola.
As tendências separatistas têm-se acentuado repetidamente no Sudeste. "As condições que levaram [a guerra] no Biafra ainda lá estão", diz Falola. No livro de Lotje de Vries, porém, Biafra é colocado na categoria de casos em que a ameaça de secessão é vista mais como um meio de exercer pressão para ser ouvido e para ganhar peso político.
Zanzibar
Ao longo da história, o arquipélago de Zanzibar esteve sob diferentes dominações: Portugal foi a primeira potência colonial a exercer a sua influência. Mais tarde o Sultanato de Omã e o Reino Unido. Neste período, Zanzibar também tornou-se um sultanato independente.
Após a independência do Reino Unido, houve uma revolução em 1964. Alguns meses mais tarde, Zanzibar fundiu-se com Tanganica para formar a República Unida da Tanzânia.
Zanzibar é, no entanto, parcialmente autónoma. O arquipélago tem, entre outras coisas, o seu próprio governo e parlamento. A ideia de nacionalismo está fortemente ancorada. Alguns grupos perseguem ativamente a independência. O livro "Secessão na Política Africana" descreve que no caso de Zanzibar o desejo de separação é "também uma expressão da procura do melhor sistema de governo depois do federalismo não ter cumprido a sua promessa".
Publicidade
Cabinda
Quando se trata de querer separar-se de um Estado, os interesses económicos desempenham sempre um papel. Tanto Toyin Falola como Lotje de Vries sublinham isto. Trata-se do acesso aos recursos, do poder de controlar esse acesso, e da distribuição dos lucros. Cabinda é um exemplo disto por excelência.
A província faz parte de Angola, mas está separada territorialmente da maior parte de Angola pelo estuário do Congo, que pertence à República Democrática do Congo. Cabinda foi um protetorado português até o país europeu o ter anexado a Angola.
A província é responsável por 60% da produção petrolífera de Angola. A raiva dos separatistas também é inflamada pelo fato de o governo central obter um grande lucro com isso. Desde os anos 2000 que se têm repetido confrontos sangrentos e ataques de separatistas em Cabinda.
Tigray: O conflito que já faz milhares de refugiados