Alcoolismo entre migrantes em Portugal gera preocupação
30 de outubro de 2025
Enquanto um grupo de jovens africanos se diverte dentro de um bar a consumir bebidas alcoólicas, Marcos Rodrigues está no parque de estacionamento de um centro comercial, em Lisboa, a tentar na sua hora vaga angariar mais alguns euros com a arrumação de carros. Servente na construção civil, o jovem português de origem cabo-verdiana confessa que enfrentou sérios problemas de alcoolismo.
"Bebo álcool desde os 14, 16 anos. Com a morte do meu pai andava triste, depois comecei a sair com os amigos e sem querer bebia assim um pouco demais para tirar a tristeza", desabafa à DW.
A viver em Almada, Marcos, de 32 anos de idade, revela que por causa do álcool cometeu muitos erros no passado. "Era dinheiro, mulheres, droga e violência doméstica", conta, até perceber que estava a seguir por um mau caminho. Sozinho, sem ajuda de nenhuma instituição, tem tentado mudar de vida. "Comecei a diminuir [o consumo de álcool] e a tentar alimentar-me melhor", relata.
Marcos Rodrigues é um de muitos jovens africanos e afrodescendentes confrontados com o drama do alcoolismo em Portugal, com foco sobretudo na área da Grande Lisboa. Não há números oficiais, mas a realidade preocupa a Fundação "Menos Álcool, Mais Vida", que quer estender a campanha em curso em Cabo Verde desde 2016 ao território português, visando alertar a comunidade para os efeitos nocivos do consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
O médico psiquiatra Manuel Faustino, que dirige a Fundação, quer levar a campanha a todos os lugares onde houver um cabo-verdiano. "Nós não temos números, mas a perceção que nós temos é que teríamos na nossa comunidade [em Portugal] uma situação que não difere muito da que temos em Cabo Verde. Há uma situação deveras preocupante; há um consumo abusivo elevado e há algo que nos preocupa, também em Cabo Verde, que é o facto de ter um início cada vez mais precoce do consumo", afirma.
É preciso intervenção nas escolas
Para o médico cabo-verdiano, "a situação é relativamente séria em Portugal" e o investimento na "questão educativa é essencial e fundamental para uma intervenção a nível das escolas".
"Uma atuação mais sistemática, mais organizada, vai depender naturalmente dos alicerces que estamos a tentar construir a partir de um protocolo que pretendemos assinar com uma ONG ligada à Universidade do Minho, e com os ministérios de Educação tanto de Portugal como de Cabo Verd.", revela.
O problema, que ultrapassa as fronteiras de Cabo Verde, exige acompanhamento e respostas adequadas de várias instituições, entre as quais na área da saúde, afirma Lenice Gomes, técnica de Serviço Social ligada à Fundação.
"Ter também uma articulação que passe por uma prevenção, nomeadamente desenvolver ações de sensibilização que toca esta problemática junta da comunidade em geral; desenvolver ações, por exemplo, juntamente com as autarquias, com as divisões de juventude; desenvolver ações nas escolas, que visa sensibilizar os jovens para os riscos associados ao álcool", defende.
Além das escolas e autarquias, Lenice Gomes realça igualmente o contributo das associações e da própria Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), que trabalham com as comunidades imigrantes. No conjunto das medidas, a Fundação propõe também a formação do pessoal de saúde e técnicos da área social com competências interculturais, que têm uma intervenção direta junto da população migrante.
"Esta competência acaba por fazer um trabalho mais inclusivo e de empatia, o que ajuda aqui na prevenção. Os técnicos podem estar muito mais habilitados para identificar situações de abuso [de álcool] e direcionar essas pessoas para um tratamento mais adequado", considera Lenice Gomes.
A Fundação "Menos Álcool, Mais Vida" quer assim envolver todos os parceiros portugueses e cabo-verdianos para conter e vencer este flagelo social.