Alemanha devolve Bíblia e chicote de herói da Namíbia
Daniel Pelz | DPA | rl
1 de março de 2019
A Alemanha devolveu à Namíbia dois objetos da época colonial com um grande significado para o país: uma Bíblia e um chicote, que pertenceram a Hendrick Witbooi, um importante líder do povo Nama.
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Os objetos foram entregues oficialmente esta quinta-feira (28.02) pelo estado alemão de Baden-Württemberg ao Presidente namibiano Hage Geingob, numa cerimónia que contou com a presença de milhares de namibianos, incluindo o fundador do país, Sam Nujoma.
A devolução dos artefactos é um gesto que, segundo o Governo alemão, deve ser entendido como prova de que a Alemanha, "não podendo apagar o seu passado colonial, está a enfrentá-lo".
Roubados pelos alemães em 1893, estes objetos estavam em exposição no Museu Linden, em Estugarda, desde 1902.
"Esta devolução tem um grande significado simbólico, porque Hendrik Witbooi é uma figura importante na Namíbia. Queremos estabelecer um diálogo próximo com os nossos parceiros", afirmou Sandra Ferracuti, curadora deste museu.
Polémica
Há já vários anos que o Governo da Namíbia pedia à Alemanha a devolução destes dois objectos, que seguem agora para o arquivo nacional do país, até que seja construído um museu na cidade natal de Witbooi, Gibeon. No entanto, nem todos concordam.
A Associação de Líderes Tradicionais Nama entende que a Bíblia e o chicote pertencem aos herdeiros de Witbooi e não ao Governo da Namíbia.
"Estes objetos pertenciam a um indivíduo. Se eram parte do património da família, teriam de ser devolvidos à Igreja ou à família, e a família teria decidido o que fazer com eles. Mas as coisas foram decididas por pessoas que não têm relação direta ao assunto", diz o secretário-geral da associação, Lázaro Kairabeb.
Alemanha devolve à Namíbia dois objetos simbólicos
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No país, a desconfiança de associações como esta face ao Governo é grande. O Executivo é maioritariamente composto por membros da etnia Ovambo. Os povos Herero e Nama, que representam, atualmente, apenas 12% da população, acusam Windhoek de não representar o suficiente os grupos étnicos que foram perseguidos, afirmando mesmo que a "História tem estado a ser sufocada" no país. Nas escolas, por exemplo, pouco se fala sobre o genocídio, diz Lazarus Kairabeb.
Mas o Executivo refuta as acusações. "O Governo tem mantido a porta [do diálogo] aberta. Os namibianos que não fazem parte das negociações devem ser persuadidos a participar, porque o objetivo não passa por beneficiar apenas algumas pessoas", comenta Peter Katjavivi, porta-voz da Assembleia da Namíbia.
Alemanha devolve Bíblia e chicote de herói da Namíbia
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Namíbia espera pedido de desculpas
Para além da entrega dos artefactos pertencentes a Hendrick Witbooi, Berlim doou à Namíbia 1,2 milhões de euros destinados a projetos de investigação e museus no país.
Estima-se que, entre 1904 e 1908, cerca de 100 mil pessoas das tribos Herero e Nama tenham sido assassinadas pelas forças coloniais alemãs, naquilo a que o Governo alemão reconheceu, em 2015, ter sido um genocídio, o primeiro do século XX. Apesar das negociações entre os dois países, a Namíbia continua à espera de um pedido de desculpas oficial por parte da Alemanha.
No ano passado, em Berlim, a Alemanha devolveu à Namíbia os restos mortais de membros das tribos Herero e Nama, mortos durante o genocídio. Recentemente, o ministro alemão do Desenvolvimento, Gerd Müller, disse estar otimista de que os dois países possam chegar a acordo sobre compensações pelo genocídio, até ao final do ano.
Racista e cruel, a história colonial da Alemanha
A exposição no Museu Histórico Alemão, em Berlim, é a primeira grande exibição que explora os capítulos do domínio colonial da Alemanha. Uma história da ambição falhada de uma superpotência.
Foto: public domain
A cara do colonialismo
Com o chanceler Otto von Bismarck, o Império Colonial Alemão estabeleceu-se nos territórios da atual Namíbia, Camarões, Togo e em algumas partes da Tanzânia e do Quénia. O imperador Guilherme II, coroado em 1888, tentou expandir os domínios coloniais. O imperador alemão queria um "lugar ao sol", como disse mais tarde, em 1897, o chanceler Bernhard von Bülow.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DW
Colónias alemãs
Foram conquistados territórios no Pacífico (Nova Guiné, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Salomão e Samoa) e na China (Tsingtao). A Conferência de Bruxelas em 1890 determinou que o imperador germânico iria obter os reinos do Ruanda e Burundi, ligando-os à África Oriental Alemã. No final do século XIX, as conquistas coloniais alemãs estavam praticamente completas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdades
A população branca nas colónias era uma minoria, raramente representava mais de 1% da população. Uma minoria privilegiada, contudo. Em 1914, cerca de 25 mil alemães viviam nas colónias, menos de metade no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia). Os 13 milhões de nativos das colónias alemãs eram vistos como subordinados, sem recurso ao sistema legal.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século XX
O genocídio contra os povos Herero e Nama no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia) é o mais grave crime na história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes Herero fugiram para o deserto, onde as tropas alemãs bloquearam sistematicamente o acesso à água. Estima-se que morreram mais de 60 mil Hereros.
Foto: public domain
A culpa alemã
Apenas cerca de 16 mil Hereros sobreviveram ao extermínio. Foram depois detidos em campos de concentração, onde muitos acabaram por falecer. O número exato de vítimas continua por apurar e é ponto de controvérsia. Quanto tempo terão sobrevivido os Hereros depois de fugirem para o deserto? Eles perderam todos os seus bens, os seus meios de subsistência e as perspetivas de futuro.
Foto: public domain
Reformas em 1907
Depois das guerras coloniais, a administração das colónias alemãs foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida. Bernhard Dernburg, um empreendedor de sucesso (na imagem, transportado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado dos Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas coloniais da Alemanha.
Foto: picture alliance/akg-images
A ciência e as colónias
Com as reformas de Dernburg foram criadas instituições científicas e técnicas para lidarem com assuntos coloniais. Assim estabeleceram-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África Oriental para investigar a transmissão da doença do sono. A imagem demonstra amostras coletadas nessa expedição.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Uma das maiores guerras coloniais
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos rebelaram-se contra o poder na África Oriental Alemã. Cerca de 100 mil locais morreram na Revolta de Maji-Maji. Apesar de raramente discutido, este continua a ser um importante capítulo da história da Tanzânia.
Foto: Downluke
A perda das colónias
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha assinou o tratado de paz de Versalhes, em 1919, que previa que o país renunciava a soberania sobre as colónias. Cartazes como este demonstram o medo dos alemães de, como consequência, perderem poder económico e viverem na pobreza e na miséria no seu país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições coloniais do "Terceiro Reich"
As aspirações coloniais voltaram a surgir com o nazismo e não apenas em relação à colonização da Europa Central e Oriental, através do genocídio e limpeza étnica. O regime nazi pretendia também recuperar as colónias perdidas em África, como demonstra este mapa escolar de 1938. Os territórios eram vistos como fonte de recursos para a Alemanha.
Foto: DW/J. Hitz
Processo espinhoso
As negociações para uma declaração conjunta do genocídio dos povos Herero e Nama entraram numa fase difícil. Enquanto a Alemanha trava quanto a compensações financeiras, há também deficiências nas estruturas políticas internas da Namíbia. Representantes Herero apresentaram, recentemente, uma queixa à ONU contra a sua exclusão nas negociações em curso.