Numa entrevista à DW África sobre as relações entre Alemanha e Angola, Sandra Sabrowsky, diretora geral da consultora germano-angolana N'Kiela, não considera o "fator corrupção" um entrave ao investimento em Angola.
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A consultora, com sede na Alemanha, tem foco na assessoria e gestão de projetos na Alemanha e Angola e procura encontrar soluções sustentáveis em resposta às necessidades socioeconómicas da região da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
Em fevereiro, a empresa realizou um webinar onde foi debatido , com especialistas e representantes de empresas e organizações, o tema da cooperação económica e investimento entre a Alemanha e Angola. O seminário contou igualmente com a intervenção da embaixadora de Angola na Alemanha, Balbina da Silva.
DW África: Como olha para o estado atual das relações económicas entre Alemanha e Angola?
Sandra Sabrowsky (SS): Alemanha e Angola têm já, de longa data, uma boa relação. Seja a nível político, seja a nível comercial. O que vejo é a realização do que já tem estado a acontecer ao longo dos anos. A visão é muito positiva, há um enorme espaço para se preencher. Alemanha está, mais do que nunca, engajada em estender os braços não só para Angola mas para a África no geral. Salientou-se mais uma vez a iniciativa KFW DEG, que é o programa "Africa Connect" que também procura promover com que o empresariado alemão invista muito mais em África e dando as garantias de que esses investimentos serão muito bem geridos e bem acompanhados. A parte alemã está ávida para estreitar essas relações comerciais de facto.
A Alemanha é a potência que é e tem muito para poder fazer naquela região sobretudo porque é um país com especialidade na exportação, tecnologia e com o know-how. Com o Plano Marshall para África e com todas as valências que a Alemanha tem, Angola está aberta para também acolher essas parcerias económicas - quer seja a nível privado quer a nível governamental - e estreitar e fazer acontecer os acordos bilaterais. Angola é um mundo de oportunidades e teve uma reviravolta que promete muito.
DW África: Com a eleição de João Lourenço, em 2017, perspetivou-se um resgate das relações bilaterais e uma maior cooperação entre Angola e Alemanha. Considera que tem havido avanços nesse sentido ou ainda o cenário de dívida em Angola e o tema da corrupção têm sido entraves ao investimento no país?
SS: Vejo que o país, e principalmente nos últimos três anos, deu um enorme passo no combate à corrupção - que é uma agenda do Governo de Angola que tem estado a ser muito bem sucedida - e que dá um conforto de olhar para o país de uma forma muito positiva. Por isso, não vejo o fator corrupção, hoje em dia, como sendo uma entrave para que nós, os empresários, possamos investir em Angola e na região da SADC de maneira nenhuma.
Quanto às relações bilaterais, eu não diria que tenha havido um resgate mas sim uma ativação. Nós temos neste momento por volta de 30 novos projetos da Alemanha nos vários setores, principalmente de transporte e agricultura, a decorrer em Angola. Eu noto o interesse da parte alemã em muito mais fazer para com Angola, não só através de investimento direto, mas também da prestação de serviço. As estatísticas têm demonstrado que estes números aumentaram de forma muito positiva. Nós temos ativos em torno de 36 acordos bilaterais afirmados e em memorandos e os dois países têm de trabalhar no sentido de ver a situação de win-win, onde é que há as valências.
DW África: Em 2018, entrou em vigor em Angola a lei do investimento estrangeiro. Trouxe mudanças e benefícios?
SS: Sim, muito. Essa lei permite que o investidor estrangeiro possa fazer investimento direto sem ter que criar, necessariamente, uma parceria ou associar-se a um empresário local. Esta lei é extremamente vantajosa e é um passo muito positivo que de facto facilita muito mais. Permite que o empresário internacional ou estrangeiro tenha também domínio de gestão dos projetos e os valores que ele vai levar ao país e assim também uma interação direta com as instituições do país sem ter intermediários necessariamente. É de facto um bem-haja por essa lei que passou.
DW África: Aquando da visita de João Lourenço a Berlim, em 2018, falou-se da necessidade de um tratado que evitasse a dupla tributação entre Angola e Alemanha. Seria um passo importante?
SS: Extremamente importante. E tenho informação que esta lei está a ser ainda estruturada, mas que está, de facto, na agenda das autoridades competentes. Angola está num bom caminho neste momento. Nós estamos à espera, não sei quando é que vai se reafirmar, mas está em cima da mesa.
DW África: Para os próximos tempos, quais serão os setores que deverão merecer maior aposta por parte dos investidores alemães?
SS: Há um chamado muito grande da parte angolana para que haja investimentos principalmente na área da agricultura, do turismo, da saúde e da educação. E as indústrias transformadoras obviamente que também são uma mais-valia sobretudo porque Alemanha tem equipamento que dê resposta qualificada e com qualidade a aquilo que são as necessidades do país. E isso permitindo também que haja criação de empregos e a capacitação local dos funcionários que se possa vir a contratar.
DW África:No seu entender, quais são os maiores obstáculos que ainda persistem e, por outro lado, os aspectos que possam ser atrativos para os investidores alemães?
SS: É saber que os investimentos são uma grandessíssima mais-valia naquilo que são os custos para contratação de pessoal, que são muito inferiores comparativamente a outros mercados. As oportunidades nos vários setores, além das receitas que podem gerar dentro do país e a partir daí ser uma ponte, não só a nível da capital, mas também de outros pontos do país - nas várias oportunidades de negócios que existem - com isso há uma atratividade muito grande. O que pode ser um ponto negativo, que ainda é um processo, é de facto a burocracia. O processo de decisão precisa de ser um bocadinho mais rápido, de forma a agilizar as decisões, as várias etapas desde a legalização dos documentos, concessão de terrenos, etc. Tudo isso precisa ter uma agilidade e rapidez de forma a poder-se entrar muito mais rápido para o mercado.
Uma relação especial: a Alemanha Oriental e África
A República Democrática Alemã manteve relações estreitas com os países africanos de orientação socialista. Entre eles estavam Angola, Etiópia, Moçambique e Tanzânia. A cooperação terminou com a reunificação em 1990.
Foto: Ismael Miquidade
Formação de profissionais africanos
A República Democrática Alemã (RDA), extinta após a reunificação da Alemanha a 3 de Outubro de 1990, formou muitos trabalhadores vindos de países africanos socialistas. Estes angolanos participam num curso em Dresden, em 1983, no Instituto para Segurança no Trabalho. Angola estava em guerra nessa altura. O chamado "Bloco de Leste" apoiava o Governo marxista-leninista do MPLA.
Foto: Bundesarchiv/183-1983-0516-022 /U. Häßler
Ajuda ao desenvolvimento para aliados políticos
Depois do fim do colonianismo português em África, em 1975, a Alemanha Oriental (RDA) apoiou os partidos socialistas que foram conquistando o poder. A ideia era fazer desses novos Estados africanos aliados e parceiros económicos do Bloco de Leste. Aqui, o angolano Eduardo Trindade recebe formação de mecânico de máquinas agrícolas (1979).
Foto: Bundesarchiv/183-U0213-0014/P. Liebers
Formação para jornalistas africanos
Não havia só formação para profissões técnicas. A Alemanha Oriental também formava jornalistas africanos. Centenas de jornalistas, de quase todos os países de África, passaram pela Escola de Solidariedade da Associação de Jornalistas da RDA, em Berlim-Friedrichshagen. Na foto: jovens jornalistas de Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe durante o curso em dezembro de 1976.
Foto: Bundesarchiv/183-R1210-302
Cooperação no desporto
Esta foto foi tirada em setembro de 1989, em Leipzig, numa aula de atletismo da Escola Superior Alemã para Educação Física (DHfK), com treinadores de Angola, Nicarágua e Moçambique. Em Leipzig, a partir de 4 de setembro, os cidadãos começaram a exigir todas as segundas-feiras mais liberdade na RDA - primeiro eram centenas, depois dezenas de milhares. A 9 de novembro de 1989 caiu o Muro de Berlim.
Foto: Bundesarchiv/183-1989-0929-019/ W. Kluge
Estudantes nas universidades da RDA
Moisés José da Costa, de Angola, fez parte de um grupo de estudantes de 34 países que frequentou a Escola Superior Técnica de Karl-Marx-Stadt em 1986. A cidade passou a chamar-se Chemnitz em 1990. Muitas ruas da Alemanha Oriental, com nomes de políticos marxistas, também foram renomeadas. Hoje, muitos estrangeiros que viveram na RDA têm dificuldade em encontrar endereços antigos.
Foto: Bundesarchiv/183-1986-1112-002/W. Thieme
"Escola da Amizade"
1983: O Presidente de Moçambique, Samora Machel (dir.), e Margot Honecker, ministra da Educação da RDA (esq.), encontram-se com a direção da "Escola de Amizade", na localidade de Staßfurt. Em 1979, ambos os países decidiram que 899 crianças moçambicanas frequentariam essa escola na Alemanha Oriental durante quatro anos. Algumas dessas crianças tinham apenas 12 anos de idade.
Foto: Bundesarchiv/Bild 183-1983-0303-423/H. Link
Escola "Dr. Agostinho Neto"
Em outubro de 1981, durante uma visita do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, à Alemanha, a 26ª Escola de ensino médio da RDA "Berlim-Pankow" recebeu o nome do seu antecessor. Passou a chamar-se Escola "Dr. Agostinho Neto". Jovens da Alemanha Oriental receberam o Presidente angolano com cartazes propagandísticos, como: "Apoiando a União Soviética pela paz e socialismo."
O Presidente angolano José Eduardo dos Santos (o quinto, a partir da esq.) visitou o Muro de Berlim na Porta de Brandemburgo. O muro começou a ser construído em 1961 para impedir que a população da RDA fugisse para Berlim Ocidental, onde se tinha livre-trânsito para o Ocidente. Oficialmente, o muro era chamado de "Muralha Antifascista". Cerca de 200 pessoas morreram ao tentar fugir.
Foto: Bundesarchiv
Congresso do SED com convidados africanos
O Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED) gostava de exibir os seus convidados estrangeiros. No 10° Congresso do partido, em 1981, recebeu Ambrósio Lukoki, do MPLA (atrás, à direita), e Berhanu Bayeh (atrás, o segundo à esq.), que mais tarde se tornou chefe da diplomacia da ditadura marxista-leninista etíope do Derg, período em que milhares de pessoas foram mortas.
Foto: Bundesarchiv/183-Z0041-138/M. Siebahn
Visitas a congressos partidários africanos
O contrário também era comum. Konrad Naumann (na segunda fila, à dir.), membro do SED, participou do 3° Congresso do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) em Bissau, em novembro de 1977. O evento foi realizado sob o lema "Independência, Unidade e Desenvolvimento".
Foto: Bundesarchiv/Bild 183-S1118-026/Glaunsinger
Acampamentos de verão para crianças e adolescentes
Também durante o período de férias, a RDA tentava educar as crianças de acordo com os ideais comunistas. E convidavam-nas para acampamentos de verão. Aqui também vinham convidados estrangeiros. Na foto, dois membros da organização juvenil da Alemanha Oriental "Pioneiros" explicam a uma criança da República Popular do Congo uma matéria do jornal "Die Trommel".
Foto: Bundesarchiv/183-T0803-0302
Fim-de-semana em casa de família alemã
As crianças estrangeiras que, em 1982, participaram no acampamento dos "Pioneiros" também passaram um fim-de-semana com famílias alemãs para conhecer o dia-a-dia na Alemanha Oriental. Elas foram de comboio até à cidade de Schwedt, na fronteira com a Polónia. Sandra Maria Bernardo, de Angola, foi recebida pela sua "mãe-anfitriã" Ingeborg Scholz e a filha Petra.
Foto: Bundesarchiv/183-1982-0731-010 /K. Franke
Solidariedade militar
1973: Combatentes do MPLA marcham durante o Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, que teve lugar no estádio da Juventude Mundial, no leste de Berlim. A RDA solidarizou-se com a luta do MPLA contra o poder colonial português. Os outros dois movimentos de libertação de Angola, a UNITA e a FNLA, foram apoiados pela África do Sul e EUA.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-M0814-0734/F. Gahlbeck
Hora do adeus
Depois de formados na RDA, namibianos despedem-se no aeroporto Berlim-Schönefeld. De 1981 a 1984, eles estiveram a receber formação na Alemanha Oriental. No entanto, não puderam regressar às suas casas porque a Namíbia só se tornou independente da África do Sul em 1990. Por isso, voaram para Angola, para trabalhar como técnicos de silvicultura, canalizadores ou mecânicos de automóveis.
Foto: Bundesarchiv/183-1984-0815-031/A. Kämper
A ajuda chega de avião
Na foto, uma aeronave da companhia aérea Interflug, pertencente à extinta RDA, no aeroporto de Luanda. A bordo: material escolar para crianças angolanas. Em 1978, além de Angola, o Comité de Solidariedade da Alemanha Oriental enviou donativos à Etiópia, Moçambique, Vietname, República Popular do Iémen e às organizações de libertação do Zimbabwe (ZANU), da Namíbia (SWAPO) e da África do Sul.
Foto: Bundesarchiv/183-T0517-0022/R. Mittelstädt
Tratores para aliados socialistas
Doação de máquinas agrícolas da fábrica de tratores Schönebeck (da RDA) para a Etiópia. Os tratores do tipo "ZT 300-C" eram comuns na Alemanha Oriental e foram exportados para 26 países. Incluindo Angola e Moçambique. (1979)
Foto: Bundesarchiv/183-U1110-0001/Schulz
Máquinas têxteis da RDA para a Etiópia
Fábrica têxtil na cidade de Kombolcha, na província etíope de Amhara (foto de novembro de 2005). Esta fábrica processa algodão para fazer lençóis e toalhas. Foi construída em 1984 com o apoio da RDA e da hoje extinta Checoslováquia. Quase todas as máquinas foram produzidas pelo consórcio TEXTIMA, na antiga cidade de Karl-Marx-Stadt, hoje Chemnitz.
Foto: picture-alliance/dpa
Construções pré-fabricadas da RDA em Zanzibar
Ainda hoje, é possível ver prédios, construídos a partir de elementos pré-fabricados, em Zanzibar, com os quais a Alemanha Oriental apoiou a Tanzânia socialista criada em 1964 sob o Presidente Julius Nyerere. Os materiais chegaram de navio e tiveram apenas de ser montados. "Michenzani" é o nome do projeto com mais de 1,5 km de comprimento.
Foto: cc-by-sa/Sigrun Lingel
RDA - Nostalgia em Maputo
Cerca de 15 mil moçambicanos trabalharam na Alemanha Oriental no final dos anos 80. A maioria voltou ao seu país de origem após a reunificação da Alemanha, a 3 de Outubro de 1990. Em casa, são chamados de "Madgermanes", uma palavra derivada de "Made in Germany". Até aos dias de hoje, eles reúnem-se com frequência no Jardim 28 de Maio, em Maputo, para reivindicar os seus direitos.