No início do século XX, soldados alemães chacinaram mais de 100 000 herero e nama na antiga colónia na Namíbia. Agora, descendentes de membros das duas etnias levam a Alemanha a tribunal por genocídio.
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Os queixosos rejeitam a posição da Alemanha, que se recusa a indemnizar individualmente os familiares das vítimas. O Governo alemão optou por canalizar as indemnizações para projetos de assistência ao desenvolvimento. Os dois namibianos argumentam na queixa judicial coletiva apresentada num tribunal de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, ser incerto que esta assistência alcance as minorias étnicas em causa.
Por isso exigem indemnizações suplementares para milhares de descendentes das vítimas, explicou o representante dos herero, o chefe tribal Vekuii Rukor: "Na nossa opinião, o overno de Berlim quer pedir desculpas sem fazer reparações. Pedimos ao Parlamento alemão que rejeite esta posição, porque seria um insulto fenomenal não só à inteligência dos namibianos e dos descendentes das vítimas, mas a todos os africanos em geral, e, na verdade, toda a humanidade”.
Alemanha rejeita compensação individual
Desde 2014 decorrem negociações oficiais entre a Alemanha e o Governo namibiano para esclarecer o que a Alemanha, no ano passado, admitiu pela primeira vez ser um genocídio, e encontrar uma via para indemnizar o país. O enviado especial de Berlim para a Namíbia, Rupert Polenz, disse à DW ainda ser cedo para avaliar o impacto da queixa sobre as negociações, uma vez que o tribunal nova-iorquino ainda deverá decidir sobre o seu deferimento.
E explicou porque é que a Alemanha recusa compensações individuais: "Após a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha decidiu só ressarcir pessoalmente as vítimas do holocausto que sofreram em campos de concentração ou foram obrigadas a trabalhos forçados”.
0601 Namibia queixa judicial - MP3-Mono
Vítimas querem participar nas negociações
É uma explicação que não satisfaz os herero e nama, que, para além de indemnizações, na acção popular exigem a participação direta nas negociações em curso entre os dois governos. O advogado dos queixosos Keneth McCallion, diz: "Os líderes indígenas e tribais são autoridades legais que devem ter assento na mesa de negociações, porque são os representantes legais das vítimas.”
McCallion afirma que os nama e herero são minorias no país que praticamente não têm representação no Governo: "Por isso compreende-se que receiem que as compensações não cheguem às comunidades dos descendentes das vítimas.”
"Levar as vítimas a sério”O massacre dos nama e herero ocorreu entre 1904 e 1908, quando a Namíbia era a colónia Sudoeste Africano Alemão. A ação popular alega que não só a campanha militar alemã levou ao extermínio de 100 000 homens, mulheres e crianças, como resultou na pilhagem das suas terras e haveres com autorização explícita das autoridades. Acusa ainda os governantes alemães de terem ignorado as violações de mulheres nama e herero pelos colonos.
O massacre foi precedido por uma insurreição dos dois grupos étnicos contra os colonos que ocupavam cada vez mais terras tribais, e as práticas racistas e discriminatórias introduzidas pela potência colonial. Perante a gravidade dos acontecimentos, o deputado alemão do partido da oposição A Esquerda, Niema Movassat, diz: "Tratando-se de um genocídio, não me parece muito sensato não incluir nas negociações as vítimas. Não surpreende que as pessoas não sintam que estejam a ser levadas a sério”.
Racista e cruel, a história colonial da Alemanha
A exposição no Museu Histórico Alemão, em Berlim, é a primeira grande exibição que explora os capítulos do domínio colonial da Alemanha. Uma história da ambição falhada de uma superpotência.
Foto: public domain
A cara do colonialismo
Com o chanceler Otto von Bismarck, o Império Colonial Alemão estabeleceu-se nos territórios da atual Namíbia, Camarões, Togo e em algumas partes da Tanzânia e do Quénia. O imperador Guilherme II, coroado em 1888, tentou expandir os domínios coloniais. O imperador alemão queria um "lugar ao sol", como disse mais tarde, em 1897, o chanceler Bernhard von Bülow.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DW
Colónias alemãs
Foram conquistados territórios no Pacífico (Nova Guiné, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Salomão e Samoa) e na China (Tsingtao). A Conferência de Bruxelas em 1890 determinou que o imperador germânico iria obter os reinos do Ruanda e Burundi, ligando-os à África Oriental Alemã. No final do século XIX, as conquistas coloniais alemãs estavam praticamente completas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdades
A população branca nas colónias era uma minoria, raramente representava mais de 1% da população. Uma minoria privilegiada, contudo. Em 1914, cerca de 25 mil alemães viviam nas colónias, menos de metade no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia). Os 13 milhões de nativos das colónias alemãs eram vistos como subordinados, sem recurso ao sistema legal.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século XX
O genocídio contra os povos Herero e Nama no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia) é o mais grave crime na história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes Herero fugiram para o deserto, onde as tropas alemãs bloquearam sistematicamente o acesso à água. Estima-se que morreram mais de 60 mil Hereros.
Foto: public domain
A culpa alemã
Apenas cerca de 16 mil Hereros sobreviveram ao extermínio. Foram depois detidos em campos de concentração, onde muitos acabaram por falecer. O número exato de vítimas continua por apurar e é ponto de controvérsia. Quanto tempo terão sobrevivido os Hereros depois de fugirem para o deserto? Eles perderam todos os seus bens, os seus meios de subsistência e as perspetivas de futuro.
Foto: public domain
Reformas em 1907
Depois das guerras coloniais, a administração das colónias alemãs foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida. Bernhard Dernburg, um empreendedor de sucesso (na imagem, transportado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado dos Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas coloniais da Alemanha.
Foto: picture alliance/akg-images
A ciência e as colónias
Com as reformas de Dernburg foram criadas instituições científicas e técnicas para lidarem com assuntos coloniais. Assim estabeleceram-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África Oriental para investigar a transmissão da doença do sono. A imagem demonstra amostras coletadas nessa expedição.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Uma das maiores guerras coloniais
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos rebelaram-se contra o poder na África Oriental Alemã. Cerca de 100 mil locais morreram na Revolta de Maji-Maji. Apesar de raramente discutido, este continua a ser um importante capítulo da história da Tanzânia.
Foto: Downluke
A perda das colónias
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha assinou o tratado de paz de Versalhes, em 1919, que previa que o país renunciava a soberania sobre as colónias. Cartazes como este demonstram o medo dos alemães de, como consequência, perderem poder económico e viverem na pobreza e na miséria no seu país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições coloniais do "Terceiro Reich"
As aspirações coloniais voltaram a surgir com o nazismo e não apenas em relação à colonização da Europa Central e Oriental, através do genocídio e limpeza étnica. O regime nazi pretendia também recuperar as colónias perdidas em África, como demonstra este mapa escolar de 1938. Os territórios eram vistos como fonte de recursos para a Alemanha.
Foto: DW/J. Hitz
Processo espinhoso
As negociações para uma declaração conjunta do genocídio dos povos Herero e Nama entraram numa fase difícil. Enquanto a Alemanha trava quanto a compensações financeiras, há também deficiências nas estruturas políticas internas da Namíbia. Representantes Herero apresentaram, recentemente, uma queixa à ONU contra a sua exclusão nas negociações em curso.