A chanceler alemã, Angela Merkel, recebeu quarta-feira (12.10), em Berlim, Idriss Déby, chefe de Estado do Chade e presidente em exercício da União Africana. Uma visita contestada por chadianos no exílio.
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Em conferência de imprensa, a chanceler fez um balanço positivo do encontro com Idriss Déby, um Presidente que é tido como homem forte da região do Sahel, devido ao seu poderoso aparelho militar, mas também como ditador, visto que não tolera a oposição e reprime as liberdades dos cidadãos, desde que ascendeu ao poder, através de um golpe de Estado, em 1990.
Angela Merkel prometeu mais apoio económico ao Chade. "A Alemanha vai disponibilizar 8,9 milhões de euros, para além do apoio que já estava acordado previamente", anunciou a chanceler. A verba destina-se a projetos de fornecimento de água potável e alimentos.
O Chade está rodeado de regiões em conflito: a Líbia, a norte, o Sudão, a leste e sobretudo região do lago do Chade, "onde se trava atualmente uma guerra contra os islamistas do Boko Haram", lembrou Merkel. Neste momento vivem no Chade cerca de 700 mil refugiados, muitos deles da Líbia, outros do Sudão, da Nigéria e dos Camarões.
Conter pressão migratória
A chefe do Governo alemão decidiu dedicar uma atenção acrescida ao continente africano, sobretudo tendo em conta a necessidade de conter a pressão migratória que tem vindo a aumentar, com milhares de emigrantes económicos e políticos a tentarem sair dos seus países em África, rumo à Europa.
Depois do seu périplo de três dias por três países africanos, Mali, Níger e Etiópia, a chanceler vai receber ainda esta semana o Presidente da Nigéria, Mohamed Bouhari.
Todos eles deveriam ajudar a Alemanha a tentar suster a vaga de migração. Em contrapartida, a Alemanha ajudaria os referidos países economicamente, defendem muitos ativistas.
Um dos países chave é sem dúvida o Chade, sobretudo devido ao poderio militar. Idriss Déby, há 26 anos no poder, dispõe de uma tropa bem equipada, graças aos dinheiros do petróleo que usa há quase três decénios.
"Um escândalo"
A liderança de Déby tem sido motivo de descontentamento no Chade, onde a situação dos direitos humanos é considerada extremamente precária. Detenções arbitrárias e limites à liberdade de expressão são denunciados diariamente no país por organizações de defesa dos direitos humanos.
Merkel recebe Presidente do Chade - MP3-Stereo
"É um escândalo o facto de Idriss Déby ser recebido com todas as honras pela chanceler Angela Merkel", considera Abdelkarim Koundoungoumi, um ativista dos direitos humanos chadiano há dez anos refugiado político em França, que viajou de Paris para Berlim para protestar a visita do Presidente do Chade, reeleito para um quinto mandato em abril, sob forte contestação social.
"Em vez de resolver os problemas, a chefe do Governo alemão agrava-os", afirma o ativista.
"A chanceler recebeu um homem em Berlim que está na origem dos problemas, inclusive dos problemas das migrações. Merkel aborda um pirómano e declara-o bombeiro", critica Abdelkarim Yacoub Koundoungoumi, que é membro da organização "Trop, c'est trop" (em português, demais é demais), uma associação da sociedade civil chadiana, composta sobretudo por chadianos no exílio.
Idriss Déby está a levar o país ao abismo social, económico e político, afirmam os manifestantes. Dizem que a Alemanha e a Europa em geral não deveriam pactuar com ditadores. Um dia essa cooperação vai custar caro à Alemanha, afirmam os chadianos no exílio, que não tiveram oportunidade de ver de perto Idriss em Berlim.
Memórias dos refugiados africanos de Lampedusa
Lampedusa é como uma porta de entrada de imigrantes para a Europa. Mamadou Ba veio do Senegal, mas entrou como estudante bolseiro para Portugal. Estas fotos de Lampedusa refletem a sua visão da "ilha das tragédias".
Foto: Mamadou Ba
Porta de Lampedusa
Lampedusa é como uma porta de entrada para a Europa de milhares de imigrantes africanos. Mamadou Ba também veio de África, Senegal, mas não entrou por esta porta. Foi como estudante bolseiro para Portugal em 1997. É ativista da organização não governamental SOS Racismo. Mamadou Ba tirou estas fotografias em Lampedusa. Refletem a sua visão desta ilha, que viu tantas tragédias de refugiados.
Foto: Mamadou Ba
Cemitério de barcos
Estes cascos encontram-se no cemitério dos barcos. É aí que ficam os barcos que transportaram os refugiados para a ilha italiana. Foram muitas as vidas que se perderam nas travessias do Mediterrâneo. A maior tragédia aconteceu no dia 3 de outubro de 2013 quando 366 refugiados perderam a vida. No dia 11 de janeiro de 2014, cerca de 200 refugiados foram salvos pela marinha italiana.
Foto: Mamadou Ba
Morrer por querer viver
A ilha de Lampedusa tem vindo a ser considerada um cemitério para milhares de imigrantes que “morrem por procurar uma vida melhor”, nas palavras de Mamadou Ba. Só em outubro de 2013 mais de 400 pessoas perderam a vida em dois naufrágios a caminho do norte de África para a ilha de Lampedusa. A maioria dos mortos era oriunda da Eritreia e da Somália.
Foto: Mamadou Ba
Memória dos imigrantes
Pouco sabemos dos milhares que morreram durante as tentativas de chegar à Europa. A maior parte dos imigrantes mortos são conhecidos pelos números anónimos das notícias sobre os naufrágios. Deixam poucos rastros como estas roupas de náufragos, que mal se distinguem. Mas os mortos são também memória na ilha de Lampedusa.
Foto: Mamadou Ba
Objetos que humanizam
Na ilha existe um museu com objetos de vítimas dos náufragos como passaportes, fotografias pessoais e anotações. “O que os objetos nos mostram é um que a morte não consegue levar a memória. Alguns objetos podem mostrar quão humanos eram e quão simples eram os seus sonhos”, conta Mamadou Ba.
Foto: Mamadou Ba
Normalidade em alto mar
Os imigrantes levavam consigo os seus hábitos quotidianos e a sua cultura. Tentavam continuar esta normalidade nas arriscadas travessias, que lhes prometiam uma vida melhor na Europa. No entanto, não se sabe ao certo se os objetos expostos no museu, como estes tachos, pertenceram a pessoas que morreram ou a sobreviventes que "apenas" perderam os seus pertences na travessia.
Foto: Mamadou Ba
Memórias de vidas perdidas
Em muitos pontos da ilha italiana de Lampedusa podemos encontrar a memória dos imigrantes. "A memória serve para manter a vida do que já não vive“, diz Mamadou Ba. A ilha tem uma extensão de apenas nove quilómetros. Ela dista cerca de 205 quilómetros da Sicília, no sul de Itália, e de cerca de 130 quilómetros da Tunísia, o que torna Lampedusa num ponto de entrada ideal para a União Europeia (UE).
Foto: Mamadou Ba
Inimigo à vista
Este bunker da Segunda Guerra Mundial à entrada de Lampedusa servia para defender a ilha da invasão de forças navais inimigas. Mamadou Ba, da organização não governamental portuguesa SOS Racismo, acredita que este bunker é simbólico: “Lampedusa é a construção do imigrante como inimigo da Europa. Que é preciso conter, que é preciso combater.”
Foto: Mamadou Ba
Contra a "Fortaleza Europa"
Em fevereiro de 2014, mais de 400 representantes da sociedade civil, reunidos em Lampedusa, aprovaram a "Carta de Lampedusa". Ela defende uma mudança de paradigma sobre as realidades migratórias. Dado que são já "incontáveis as tragédias fatais que se têm sucedido nas costas marítimas europeias", os signatários querem ver a imigração e os direitos humanos dos imigrantes na agenda da UE.
Foto: ALBERTO PIZZOLI/AFP/Getty Images
O mar de Lampedusa
A pequena ilha italiana que fica no meio do Mediterrâneo entre a Sicília e o norte de África espera por dias melhores. Poucos pensam que os fluxos migratórios e as tragédias associadas vão acabar se não houver uma transformação radical das políticas de imigração da Europa.