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"A lei diz uma coisa, mas os tribunais decidem outra"

28 de outubro de 2021

Alexandre Chivale diz que decisões do tribunal no âmbito do processo das dívidas ocultas não condizem com a lei. Advogado ainda não foi informado pelo Ministério Público sobre os alegados crimes dos quais é suspeito.

Alexandre Chivale, Rechtsanwalt von Armando Guebuza, ehemaliger Präsident Mosambiks
Alexandre ChivaleFoto: privat

Alexandre Chivale tornou-se num dos nomes mais comentados no meio jurídico e político em Maputo. O Ministério Público (MP) moçambicano abriu um processo contra o advogado porque teria encontrado indícios de que Chivale teria participado de esquemas de branqueamento de capitais e obstruído à justiça no caso das dívidas ocultas. O defensor de três réus também foi afastado do processo das dívidas ocultas pelo tribunal por alegada incompatibilidade de funções.

Enquanto suposto colaborador da secreta moçambicana, Chivale é, portanto, servidor público e não poderia opor-se ao Estado em tribunal. Além disso, o causídico supostamente representa interesses de uma empresa envolvida no processo, a Privinvest. 

Nesta entrevista exclusiva à DW África, Alexandre Chivale fala sobre o processo movido pelo MP e o seu afastamento do caso das dívidas ocultas.

Tribunal afastou ChivaleFoto: Romeu da Silva/DW

DW África: Cometeu os supostos crimes levantados pelo Ministério Público? 

Alexandre Chivale (A.C.): Eu não tenho conhecimento destas acusações. Por este motivo, não tenho como comentar algo que desconheço em absoluto. Se me tivesse sido comunicado em algum momento, teria o prazer de - conhecendo os fundamentos, os contornos dessas suspeitas – poder emitir opiniões. Portanto, até aqui, o que sei é aquilo que [todos] veem nas redes sociais e nos órgãos de informação privado e público.

DW África: Também foi afastado do processo das dívidas ocultas pelo Tribunal Judicial da Cidade de Maputo alegadamente por incompatibilidade de funções. Concorda com os argumentos do tribunal?

AC: Não há como razoavelmente concordar com as posições do tribunal. Ainda bem que a Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) se posicionou, disse que é um manifesto ataque ao Estado de direto democrático, às liberdades e sobretudo ao direito à defesa – [no que tange] à possibilidade de alguém escolher livremente o advogado que o quer defender. Não vejo que haja como concordar com esta decisão. De tal sorte que interpusemos recurso e vamos ver qual é a decisão que será tomada.

DW África: A OAM já saiu em sua defesa, acusando o tribunal de usurpar as suas competências. O senhor Chivale também pretende agir para reverter a decisão do tribunal?

AC: Neste momento, a única reação que esbocei foi mesmo interpor o recurso, o que foi feito no próprio dia em que a decisão foi tomada. Se isso vai ou não reverter a decisão do tribunal... Bom, nós já temos muitas surpresas que não nos permitem fazer este tipo de prognóstico. Em várias situações, só para dar um exemplo, em que a lei claramente diz que boa parte dos arguidos que ali está não devia estar detido, mas está; quando se está numa situação em que por três vezes há claramente provas reconhecidas pelo tribunal de que a prisão preventiva está largamente expirada mas, mesmo assim, não se toma a decisão consequente com esta ilegalidade... Portanto, como disse, são várias situações que nos surpreendem. Mesmo quando a lei diz uma coisa e os tribunais tomam outra decisão.

 

António Carlos do Rosário foi defendido por Alexandre ChivaleFoto: Romeu da Silva/DW

DW África: Predomina o entendimento de que se trata de um julgamento político, tem a mesma percepção?

AC: No início do julgamento deste processo, em algum momento, eu teria dito que o próprio julgamento era uma oportunidade para o tribunal desmentir as alegações que fazíamos desde o princípio, segundo as quais, este era um processo de natureza política, com várias e gravíssimas interferências do poder político. O curso do julgamento tem-nos dado a dar razão. Infelizmente o tribunal não tem conseguido desmentir-nos. Nós temos esta posição cimentada desde o início em que este processo começou a ser instruído.

DW África: Que impactos tem o seu afastamento do processo para os seus constituintes?

AC: Se é meio do processo, em tão curto espaço de tempo, e se exige uma troca de advogado, isso obviamente vai comprometer muito o estado de espírito [do constituinte], a sua disposição para colaborar com o tribunal e, mais do que isso, a possibilidade de se defender como era de esperar-se.  Eu sou advogado desse processo formalmente há mais ou menos três anos. Portanto, não é de um dia para outro que se pode trocar um advogado para ele perceber [o processo] primeiro e depois criar a confiança com os constituintes. E depois, o normal é que se desse algum tempo, o que não foi dado, para que as pessoas pudessem escolher. Em todo o caso, nós aguardamos com serenidade que a pessoa que for substituir obviamente possa agir em conformidade. Esta é a nossa expectativa. Mas, mais do que isso, o que me parece também é que mais de 90% do trabalho que era possível fazer nesse processo foi feito. E, portanto, iremos ver como é que isto vai terminar.              

Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza

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