Em entrevista à DW, Alice Mabota diz que a sua candidatura à Presidência de Moçambique "abalou um bocado o sistema". Por isso, não se admirou com o chumbo do Conselho Constitucional.
Publicidade
O Conselho Constitucional de Moçambique (CC) chumbou esta semana as candidaturas de Maria Alice Mabota, Hélder Mendonça e Eugénio Estêvão da corrida à Presidência da República, a 15 de outubro.
Foram admitidas as candidaturas de Filipe Nyusi, pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), Ossufo Momade, pela Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), Daviz Simango, pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e Mário Albino, pelo partido extraparlamentar Ação do Movimento Unido para a Salvação Integral (AMUSI).
A candidatura da Alice Mabota era a primeira de uma mulher na história do país, com 44 anos de independência e a caminho das sextas eleições gerais. Candidata pela Coligação Aliança Democrática, Mabota viu 5.611 proponentes invalidados do total de 13.160 submetidos, segundo o acórdão do Conselho Constitucional de Moçambique.
Alice Mabota diz à DW África que se trata de uma rejeição "administrativa e política" e não técnica, porque todas as assinaturas que suportaram a candidatura foram reconhecidas pelos serviços de notariado do país.
Alice Mabota: "Rejeição de candidatura é política"
DW África: O CC chumbou a sua candidatura à Presidência de Moçambique. Como é que reage a esta reprovação?
Alice Mabota (AM): Era expectável que isso acontecesse. A minha candidatura abalou um bocado o sistema, mesmo os partidos da oposição, porque viram que tinha uma candidata forte. Portanto, arranjaram coisas para dizer que não apresentámos os papéis devidamente. De tal sorte que até chegam a agredir a nossa inteligência quando dizem que há assinaturas falsificadas, como se nós fôssemos falsificadores.
DW África: O que correu mal na sua candidatura?
AM: Nada. O que correu mal foi que lhes meti medo. Não é verdade aquilo que dizem ter havido, assinaturas "assadas" e "cozidas". Todas as assinaturas estão "cruas". Não há nenhuma assinatura que não foi reconhecida pelo notário. Eu estou a juntar os dados e vou publicá-los, para mostrar onde até em alguns artigos o próprio CC se enganou. A rejeição é administrativa e política. Não é técnica.
DW África: Neste caso, houve um julgamento errado da sua candidatura?
AM: Para dizer "julgamento" significaria que foi analisada, mas nem houve julgamento. Até o próprio acórdão já tinha sido decidido. Eu era seguida pela Inteligência. E, na segunda-feira (29.07), a Inteligência desapareceu, porque já tinha o acórdão. Isso era prenúncio, e eu avisei as pessoas que estava admirada que a Inteligência já não me perseguia... E, na quarta-feira (31.07), as candidaturas caíram. Eles nem sequer sabem avaliar as coisas.
Moçambique: cursos de cozinha contra machismo e violência
01:17
DW África: Assim que foi chumbada a sua candidatura, qual é o seu próximo passo?
AM: Penso transformar esta rejeição numa força para eu poder fazer ações que permitam que eu esteja forte. Não perdi a guerra, mas sim a batalha. As batalhas várias vezes se perdem, mas as guerras devem-se ganhar.
DW África: O que quer dizer com perder uma batalha e não uma guerra?
AM: Quer dizer que vou continuar a lutar até conseguir o que eu pretendo que o Estado seja, porque eu não me candidatei para ter o cargo como tal. Quero imprimir uma dinâmica de mudanças neste país e vou conseguir.
DW África: Prevê candidatar-se em 2024?
AM: Porque não?
DW África: Face à reprovação da sua candidatura, a vossa coligação vai apoiar algum dos candidatos admitidos?
AM: Ainda estamos a discutir isso.
DW África: Em Moçambique, discute-se muito a questão da emancipação e participação política das mulheres. Como é que avalia o que o discurso político apregoa e o que a realidade mostra?
AM: Há muitas falácias. O Estado fala muito, mas não há sanções nem há uma união das mulheres. Neste momento, as mulheres deviam rejeitar e vir a público dizer que nós queremos saber detalhadamente como a nossa candidata foi reprovada. E uma questão de estratégia de um Governo são era: 'se é que ela não tem apoio, deixemos que vá, para saber que não há ninguém que a apoia'. Mas não fazem isso porquê? Porque eles têm consciência de que há apoio, as pessoas querem, mas o sistema não permite.
A minha avaliação é que não estão preparados para serem dirigidos por mulheres. E as mulheres que estão nos partidos são pessoas que obedecem àquilo que lhes dizem. Quando elas compreenderem que a reprovação de uma mulher é a reprovação delas próprias, já terão uma ação.
Campanha eleitoral em Moçambique
A 15 de outubro de 2014, Moçambique realiza eleições gerais - presidenciais, legislativas e provinciais -, no território nacional e a 12 de outubro no estrangeiro. A campanha eleitoral teve início a 31 de agosto.
Foto: DW/J. Beck
Principais candidatos
A 15 de outubro próximo, Moçambique realiza eleições gerais no território nacional e a 12 de outubro no estrangeiro. A campanha eleitoral teve início a 31 de agosto. Os principais candidatos à presidência são Filipe Nyusi (foto), indicado à sucessão de Armando Guebuza pelo partido no poder, a FRELIMO; Afonso Dhlakama, líder do maior partido da oposição, a RENAMO; e Daviz Simango, do MDM.
Foto: picture-alliance/dpa
RENAMO entra com atraso
A campanha eleitoral teve início a 31 de agosto. Mas Afonso Dhlakama, o candidato e líder do principal partido da oposição moçambicana, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), entrou em campanha com um atraso de cinco dias, a 4 de setembro, quando fez o primeiro comício na cidade de Chimoio, capital da província central de Manica. Apoiantes acompanham a caravana no início da viagem a Maputo.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo de paz: condição para a RENAMO
Antes de iniciar a viagem a Maputo para assinar o acordo de paz entre o seu partido e o Governo da FRELIMO, a 5 de setembro, Afonso Dhlakama falou à imprensa (foto). Dhlakama estava refugiado na Gorongosa desde outubro de 2013, depois do seu acampamento em Satunjira, província de Sofala, na região centro, ter sido tomado pelo exército moçambicano.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama ovacionado em Maputo
Apoiantes do partido da oposição a caminho do aeroporto da capital, Maputo, para receber Afonso Dlakhama, candidato do maior partido da oposição, RENAMO, à presidência da República. O período tem sido marcado pela violência, mas alguns analistas dizem que em comparação com processos eleitorais anteriores esta campanha decorre melhor.
Foto: DW/L. Matias
Maior aposta é nos cartazes
Uma das maiores apostas de divulgação dos candidatos às eleições de outubro é a propaganda em cartazes. Esta já é uma tradição no país. No entanto, o tamanho dos mesmos varia, de acordo com o orçamento de campanha de cada partido. A propaganda de Daviz Simango, candidato do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), a terceira maior força politica do país, pode ser vista na Ilha de Moçambique.
Foto: DW/J. Beck
Tamanho e poder
Outdoor anunciando a candidatura de Filipe Nyusi, candidato do partido no poder, FRELIMO, à sucessão do atual Presidente, Armando Guebuza, em Namialo, no norte de Moçambique. A aldeia fica numa encruzilhada estratégica entre as cidades de Nacala, Pemba e Nampula, o maior círculo eleitoral do país. Os altos investimentos em propaganda refletem a força da FRELIMO na campanha eleitoral.
Foto: DW/J. Beck
Ponto estratégico
Os partidos menores investem nos cartazes, apesar de consideravelmente menores e mais difíceis de serem encontrados. O Partido Independente de Moçambique (PIMO), da oposição, que até 2014 não tinha assentos no Parlamento, escolheu um ponto estratégico para se divulgar: a Avenida Eduardo Mondlane, centro de Nampula, a terceira maior cidade do país. Yaqub Sibind é o candidato do PIMO à presidência.
Foto: DW/J. Beck
Nampula, o maior círculo eleitoral do país
Com mais de dois milhões de potenciais eleitores, a província de Nampula, o maior círculo eleitoral do país, espera eleger 47 deputados e 92 membros para a Assembleia Provincial. Para os candidatos das três maiores forças políticas que concorrem às presidenciais, a região é estratégica para vencer as eleições. Na foto, apoiantes da RENAMO a caminho de um comício de Afonso Dhlakama em Lumbo.
Foto: DW/J. Beck
Comité da FRELIMO em Nampula
Também a FRELIMO investe no maior círculo eleitoral do país. O edifício da sede regional da campanha do partido no poder, localizado no centro de Nampula, tem a fachada coberta por cartazes publicitários do partido no poder e do seu candidato à sucessão presidencial, Filipe Nyusi.
Foto: DW/J. Beck
A propaganda móvel da RENAMO
Outra aposta da RENAMO é na propaganda móvel. Motociclistas com bandeiras do maior partido de oposição de Moçambique circulam pelas principais cidades dos país. Este locomoveu-se no centro de Nampula – um dia antes de o líder e candidato à presidência da RENAMO, Afonso Dhlakama, voltar à terceira maior cidade de Moçambique, após mais de dois anos de ausência.
Foto: DW/J. Beck
Apoiantes da FRELIMO nas ruas
Pelas ruas de todo o país, podem ser vistos também os apoiantes da FRELIMO, o partido no poder. Vendedores ambulantes, no cais do barco que faz a travessia ligando Maputo a Catembe, mostram cartazes e faixas com propaganda do partido e do seu candidato à sucessão de Armando Guebuza, Filipe Nyusi. É notável a supremacia da FRELIMO na propaganda eleitoral em Moçambique.
Foto: DW/J. Beck
Amplo alcance da FRELIMO
As bandeiras da FRELIMO espalham-se até mesmo nos locais mais remotos do país, como neste mercado em Namialo, Nampula, no norte. Onze candidatos presidenciais e 30 partidos, coligações e grupos de cidadãos concorrem às eleições gerais moçambicanas que serão realizadas a 15 de outubro no território nacional e a 12 de outubro no estrangeiro.
Foto: DW/J. Beck
Campanha não está a ser pacífica
Multiplicam-se as denúncias de ilícitos eleitorais, desde a destruição de panfletos a ameaças à população e ofensas aos partidos. O MDM acusou o partido no poder, a FRELIMO, de inviabilizar um comício do seu candidato, Daviz Simango, nos arredores de Maputo, em 24 de setembro. Já a RENAMO queixa-se de estar a ser atacada pelo facto de ter armas. A FRELIMO não respondeu às acusações.
Foto: DW/J. Beck
Denúncias de tortura e violações em Nampula
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) apelou à contenção da violência. No entanto, a 25 de setembro, após confrontos com apoiantes da FRELIMO, sete membros do MDM foram detidos. Dois dias depois, seis deles foram libertados e denunciaram terem sido torturados e violados sexualmente por outros prisioneiros, a mando dos agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM), que negou as acusações.