A sociedade civil moçambicana considera problemática a extensão dos prazos da prisão preventiva prevista no Código do Processo Penal aprovado pelo Parlamento. E no caso "divídas ocultas" já há quem ganhe, diz ativista.
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Algumas vozes da sociedade civil moçambicana consideram problemática a extensão dos prazos da prisão preventiva, inseridos no novo Código de Processo Penal, aprovado pelo Parlamento moçambicano em definitivo e por consenso na passada segunda-feira, (14.12).
As alterações do Código Penal mexem com os prazos da prisão preventiva que passa assim do mínimo de 90 a 120 dias e o máximo que pode agora passar dos 12 meses.
A Ordem dos Advogados de Moçambique disse, esta segunda-feira (14.12), que o alargamento dos prazos de prisão preventiva "é um atentado ao Estado de Direito".
Já o diretor-executivo da ONG CDD, Centro para a Democracia e Desenvolvimento, Adriano Nuvunga, afirma que os novos prazos abrem espaço para abusos.
"O período que a pessoa pode ficar na cadeia detida em prisão preventiva, quanto mais largo for, mais espaço há de ser abusado. Isso é preocupante nesse sentido de vulnerabilidade dos cidadãos em relação a aqueles que detêm o poder de privar a liberdade num quadro de prisão preventiva", denuncia.
Credibilidade do sistema judicial em causa
O alargamento da prisão preventiva vai servir interesses da elite política e económica moçambicana, não tem dúvidas Jorge Matine, diretor-executivo do Observatório do Cidadão para a Saúde.
"Para se dar azo, um pouco do que se faz, usa-se a lei para adaptar a interesses de grupos políticos e empresariais. Isto não é muito bom para a credibilidade do sistema judicial de Moçambique. Aí vai ser difícil Moçambique mostrar que realmente é um país onde as leis funcionam para todos", entende.
Caso dívidas ocultas: quem beneficia?
Para Borges Nhamire, do Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP), sob ponto de vista de alguns casos, como as dívidas ocultas, há algum ganho.
"Os tribunais ganham mais tempo, porque neste momento os advogados dos réus detidos ganham mais tempo e já apareceram a submeter recurso, a dizer que o prazo de prisão preventiva expirou e devem ser libertados. Mas com o alargamento dos prazos significa que se ganha mais tempo e a Procuradoria ganha mais tempo para organizar os processos", explica.
Esta terça-feira, (15.12), a ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Helena Kida, negou que o alargamento dos prazos para a prisão preventiva visava aos arguidos no processo das dívidas ocultas.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)