Há mais de 38 mil pessoas infetadas com cólera na República Democrática do Congo (RDC), uma doença que já dizimou cerca de 700. Para a organização Médicos Sem Fronteiras, o país vive uma situação "sem precedentes".
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Biragi Bugeme carrega o filho de cinco anos às costas. Ambos estão no limite das suas capacidades. A pequena criança está infetada com cólera e por isso sente-se fraca e exausta. Biragi carregou-a ao longo de 25 quilómetros para a clínica improvisada da organização Médicos Sem Fronteiras, perto de Bukavu, no leste do Congo.
"Na nossa aldeia, não há água potável e por isso bebemos água de uma lagoa. Mesmo que a água esteja contaminada, não temos alternativa. Muitas pessoas acabam doentes e morrem porque não têm dinheiro para pagarem o autocarro para aqui à clínica”, lamenta.
A pobreza é apenas uma das causas da epidemia de cólera na República Democrática do Congo. A outra são as alterações climáticas. Os surtos de cólera não são incomuns no Congo, mas desta vez é diferente: a seca longa acabou com a água dos poucos furos que restavam. Por isso, as pessoas começaram a beber água de forma indiscriminada, muitas vezes optando por fontes inseguras onde pessoas doentes já se abasteceram: tornou-se um círculo vicioso, descrevem funcionários da Médicos Sem Fronteiras.
Em algumas regiões do país, o medo desta praga é acompanhado pela guerra, especialmente na província de Kasai. Ali, os rebeldes lutam contra o exército congolês há mais de um ano. O conflito já fez milhares de mortos e obrigou ao deslocamento de mais de um milhão de pessoas.
Escapar à morte
15.11.2017 - RDC - Lang - MP3-Mono
O olhar de Ntumba Kasomba é vazio e triste: é o olhar de quem perdeu o pouco que tinha. Está alojada num centro de acolhimento para refugiados, em Tshikapa, onde o seu braço direito está a ser examinado por paramédicos. "Estava em casa com as crianças quando os atacantes chegaram. Incendiaram a nossa cabana e, quando tentámos escapar, mataram o meu marido e filhos e atingiram-me com um machete”, recorda.
Dos seus seis filhos, apenas um sobreviveu. Os paramédicos dizem-lhe que para se salvar, o seu braço terá de ser amputado. E se ela sobreviver, a fome é a ameaça que se segue.
Há três milhões de pessoas a precisar de ajuda alimentar nas províncias do Kasai e quase todos os segundos filhos com menos de cinco anos estão cronicamente desnutridos.
"Até agora, recebemos apenas 1% do dinheiro prometido. Temos centenas de milhares de crianças em risco de fome. Esperamos que os países doadores cumpram a sua promessa. Caso contrário, esta situação tornar-se-á um caos que terá custos muito maiores”, alerta David Beasley, diretor do Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas.
Na RDC, a ONU acionou o alerta 3, o mais alto e apenas usado nos conflitos na Síria, no Iraque e no Iémen. A esperança da organização é obter mais dinheiro para lidar com a crise no país.
Governo tem interesse em manter instabilidade
O problema da RDC é crónico e passa pelo Governo que tem pouco interesse na estabilidade do país. "O Governo não tem um grande plano, funciona de um dia para o outro… Afinal outro mês no poder é um bom mês e uma oportunidade para roubar mais dinheiro e para saquear o país ainda mais. Não há estratégia, as coisas vão acontecendo de dia para dia e é assim que se vê qual é o melhor estratagema diário” explica Richard Moncrieff, da ONG International Crisis Group.
O mandato do Presidente Joseph Kabila expirou no final de 2016 e ainda não há data para as próximas eleições, nem mesmo no final do próximo ano.
Apesar da intensa contestação social que se vive no país, sobretudo nos centros urbanos como Kinshasa, Kabila justifica o adiamento contínuo do sufrágio com a insegurança do país, que é alimentada pelo Chefe de Estado e Governo.
RDC: Os deslocados de Kalemie
Mais de 200 mil deslocados internos vivem em 17 campos de refugiados improvisados nas imediações de Kalemie, no leste da República Democrática do Congo. As condições são difíceis, mas melhores do que em casa.
Foto: Lena Mucha
À noite num campo de deslocados internos
Duas crianças correm ao anoitecer no campo de deslocados internos de Kalenge. Milhares de pessoas foram forçadas a fugir de suas casas depois que o conflito começou na província de Tanganyika, no leste da RDC. Agora, muitas vivem em campos na cidade de Kalemie e seus arredores. Entre os deslocados estão muitas crianças, que foram separadas dos seus pais.
Foto: Lena Mucha
Casas inflamáveis
As pessoas no campo de refugiados de Kalenge vivem em cabanas de palha. Focos de incêndio espalham-se frequentemente de casa para casa. A situação é semelhante noutros campos de deslocados da região. Só em junho, houve incêndios nos campos de Moni, Lukwangulo, Kabubili, Kateke e Katanyika. Em agosto, metade do campo de Kakinga pegou fogo, resultando na morte de uma criança.
Foto: Lena Mucha
A escola torna-se um abrigo de emergência
Estas crianças estão na Escola Primária Circle Filtsaf em Kalemie, mas não estão aqui para aprender. Elas vivem na escola desde que foram expulsas de Tabacongo, no início de maio. Algumas delas sofrem de doenças e desnutrição.
Foto: Lena Mucha
Bactéria no sangue
Funcionários da ONG Médicos Sem Fronteiras fazem testes de diagnóstico de malária nesta clínica improvisada. Estima-se que até 80% das pessoas no campo de refugiados de Kalunga sejam portadoras da bactéria da malária. Os médicos também cuidam de crianças malnutridas e que sofrem de sarampo.
Foto: Lena Mucha
Fuga em família
"Os nossos filhos e idosos estão a morrer", disse Kisompo Selemani (na foto, o segundo da esquerda). O chefe do povo Twa vive desde novembro com a sua esposa e quatro filhos em Kilunga. A família teve que deixar a sua aldeia quando foi atacada por outra fação Twa. "O Governo tem que fazer algo para que possamos retornar às nossas aldeias", disse o homem de 64 anos.
Foto: Lena Mucha
Sem educação
Nos campos de deslocados internos não há escola ou qualquer outra atividade para as crianças.
Foto: Lena Mucha
Ganhar a vida
Uma mulher vende cigarros, lanternas e mandioca com os seus filhos no campo de refugiados de Kilunga. Muitos deslocados fazem apenas uma refeição por dia, geralmente farinha de mandioca e folhas.
Foto: Lena Mucha
À procura de água limpa
Enquanto as crianças em Mukuku jogam futebol, as mulheres carregam vasilhas de água. A falta de água limpa aumenta o risco de doenças contagiosas como a cólera, que é transmitida através da água contaminada.
Foto: Lena Mucha
À procura de trabalho
A segurança na região ainda é volátil. Muitos deslocados estão à procura de um lugar seguro em Kalimie e arredores. Para ganhar algum dinheiro, eles trabalham no campo das aldeias vizinhas ou recolhem lenha para vender.
Foto: Lena Mucha
Abrigo temporário ou um novo começo?
A vida no campo de refugiados não é fácil. No entanto, para muitos deslocados, é bem melhor do que antes. A maioria dos deslocados testemunhou graves violências antes de fugir. Segundo os Médicos Sem Fronteiras, há uma grande necessidade de cuidados psicológicos.
Foto: Lena Mucha
Mosquitos, uma ameaça mortal
No campo de Kalonda, Kabeja Kanusiki, de 69 anos, cuida dos seus netos doentes. A rede mosquiteira ao fundo serve para protegê-los da malária, que pode ser particularmente grave para as crianças. No total, pelo menos 210 mil deslocados vivem em 17 campos de refugiados improvisados nas imediações da cidade de Kalemie, no leste congolês.