Duas mulheres, uma de Cabo Verde e outra da Guiné-Bissau, Alzerina Gomes e Paula Saad, respetivamente, desafiaram o mundo dominado pelos homens e enveredaram pelo caminho de empreendedoras, donas do seu próprio negócio.
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Duas mulheres desafiaram o mundo dominado pelos homens e enveredaram pelo caminho de empreendedoras, donas do seu próprio negócio: Alzerina Gomes, cabo-verdiana e Paula Saad, guineense, participaram em Lisboa na oitava edição da "Women of Inspiration", evento que debateu, entre outros temas, como vencer num meio profissional.
A cabo-verdiana Alzerina Gomes, natural de Santo Antão, emigrou para França e os Estados Unidos da América e é hoje uma empresária de sucesso e uma conceituada designer de jóias, com obras reconhecidas internacionalmente. Segundo disse à DW África, "não sabia que um dia eu iria realizar o meu sonho".
A guineense Paula Saad, empresária num país afetado por crises políticas cíclicas, ainda enfrenta o problema da desigualdade de género. Paula Saad, empresária há 15 anos, é sócia gerente do Grupo YahReis, com negócios na área da restauração e decoração de interiores na Guiné-Bissau.
"Organizamos eventos, temos uma grande casa, que é o Papa Louca, muito conhecida na Guiné-Bissau, estamos mesmo no centro da cidade. Trabalhamos com várias entidades, com várias empresas. No passado, trabalhei muito na decoração de interiores, na área dos panos de tear, nos panos tingidos, da cerâmica local, em mobiliário feito também com matéria local".
Empreendedoras e independes
Ambas têm um ponto em comum: são empreendedoras, criaram o seu próprio negócio e independência. Alzerina Gomes saiu de Cabo Verde por razões financeiras e por falta de oportunidades, porque era de uma família muito pobre. "Nós somos cinco e a minha mãe não tinha possibilidades de nos dar escola, nos dar o que precisamos. Então eu tinha uma visão muito grande desde criança, sempre imaginava a moda".
Mãe de dois filhos, ela conta como tornou possível o seu sonho de infância, depois de ter passado uma temporada de sete anos em Paris, cidade francesa da moda. Começou a trabalhar como empregada doméstica até que foi incentivada pela patroa a ser modelo. Acabou por aproveitar a chance. "Então, trabalhei em Paris sete anos e isso deu-me uma visão maior".
É daí que dá o salto em busca de outras experiências. No ano de 1998, optou por Nova Iorque em detrimento de Tóquio (Japão) e Londres (Inglaterra). Era a cidade com que sonhava desde os quatro anos de idade e que determinou a mudança da sua vida.
"Era uma mudança, mas era o que eu precisava; na educação que eu queria, na aprendizagem que eu queria, na cultura que eu queria, Nova Iorque foi a cidade que eu queria".
Aprendeu inglês e começou a trabalhar na sua primeira coleção. Em 2000 expôs as jóias e vendeu todas as peças. A estilista decidiu continuar, apesar de muitos obstáculos para criar a sua própria empresa. "E muitas pessoas gostavam da minha ideia, do meu design. Em 2005, lancei a companhia oficialmente, legalmente, e lá foi o arranque da [marca] Alzerina", destaca a designer de jóias.
Hoje tem as portas abertas e mercado fiél às suas ideias. "Graças a Deus, hoje já tenho muitas boas portas abertas. Trabalho com a Warner Brothers Movie, já fiz cinco filmes com a WB, já trabelhei com a Sony Pictures. Já fiz a Disney, trabalho com muitos atores e atrizes".
Empresária num país marcado por crises cíclicas
Por sua vez, Paula Saad, também mãe de dois filhos, vive há 17 anos na Guiné-Bissau. A guineense de origem libanesa e portuguesa fez-se empresária determinada a ir mais longe, apesar das adversidades num país marcado por crises políticas.
"De fato nós estamos muito afetados. A nossa paz na Guiné-Bissau é cíclica mas, como eu digo sempre – eu sou guineense, eu nasci na Guiné e não fui criada lá – algo chamou por mim. Fui para lá, tinha que dar o meu contributo ao meu país, porque eu acho que é o esforço de um que gera o bem estar de todos. Acho que isso para mim foi uma inspiração de poder continuar sempre e nunca desistir, mesmo debaixo de balas ou de derrube de governos, seja o que for, porque a vida sempre continuou", sublinha Paula Saad.
24.10.2016 Mulheres empreendedoras - MP3-Mono
Foi o amor à pátria que levou Paula Saad a regressar às origens onde começou por explorar a natureza. "E daí ouví-la e saber o que é que ela me poderia oferecer. Foi quando comecei a fazer os arranjos florais. Fui desenvolvendo cada vez mais a técnica e dei-me a fazer exposições em vários sítios. No Senegal, em Portugal, tudo com arte floral".
Guiné-Bissau um país com muitas oportunidades
Paula sente que o país ainda lhe oferece muitas oportunidades a explorar. "Temos um país riquíssimo, temos tudo a explorar, apesar dos próprios guineenses não conhecerem o valor do seu país. Porque não temos muita produção – e acho que é um pouco culpa dos governos não obrigarem as populações a produzir e pararem com as importações para podermos pelo menos enriquecer o país. Isto é uma das coisas que eu friso sempre, mas eu acho que a Guiné-Bissau tem tudo para poder chegar ao nível de muitos outros países vizinhos", destaca a empresária.
Recentemente Alzerina Gomes foi galardoada com "Congressional Certificate of Recognition" pelo Congresso dos Estados Unidos da Améria pela sua contribuição para a preservação da cultura cabo-verdiana naquele país, de onde vem a inspiração para as suas criações.
Ambas as empresárias estiveram em Lisboa a partilhar as suas respetivas experiências na oitava edição do evento "Women of Inspiration”, que decorreu este último sábado (22.10.)na capital portuguesa, promovida pela organização não-governamental "Adoro Ser Mulher”.
Ser mulher na Guiné-Bissau significa vida dura
A maioria das mulheres guineenses tem uma vida difícil. Têm de percorrer dezenas de quilómetros para ir buscar lenha. Muitas morrem ainda jovens. A taxa guineense de mortalidade materna é uma das mais altas do mundo.
Foto: DW/B. Darame
Primeira a acordar, última a ir dormir
No campo, uma mulher trabalha a dobrar. Costuma acordar antes dos restantes membros da família e é a última a deitar-se no final do dia. São as mulheres que têm de caminhar até à mata para procurar lenha e água, às vezes em zonas de difícil acesso, a vários quilómetros da aldeia, como nesta fotografia na vila de Quinhamel, na região de Biombo, no norte da Guiné-Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Vender para sustentar a família
Com um pano estendido no chão, as vendedoras vão expondo os seus legumes, malaguetas verdes, pepinos, cenouras, alfaces. São cultivados em quintais ou em pequenos campos. "Vender para sustentar a família" é o lema das mulheres guineenses. Mais de metade vende em feiras improvisadas, como aqui no Mercado de Bandim, o maior mercado de céu aberto da cidade de Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Economia dominada por homens
À beira das estradas, as mulheres sentam-se em bancos e mesas de madeira e vendem laranjas, mangas, bananas e outros frutos - como aqui em Bissack, bairro nos arredores de Bissau. As vendedoras têm uma receita que ronda os 10 euros diários. Em média, uma guineense consegue ganhar 907 dólares por ano, bastante menos que os homens que conseguem em média 1.275 dólares.
Foto: DW/B. Darame
Recolher areia para sobreviver
Tia Nhalá não sabe que idade tem, mas sabe que todos os dias deve acordar cedo, às 05h00, para recolher areia no bairro de Cuntum, em Bissau. Sem qualquer proteção no rosto, sem luvas e pés descalços, Nhalá, que aparenta ter 67 anos, trabalha duramente durante largas horas. Recolhe areia que depois vende a pessoas que a usam em obras de construção civil.
Foto: DW/B. Darame
Venda ambulante em condições perigosas
No Bairro de Belém, em Bissau, meninas deambulam de porta em porta para vender frutas. Organizações da sociedade civil denunciaram já várias vezes que as vendedoras ambulantes correm riscos, como o de serem violadas sexualmente, pois estão muito expostas e vulneráveis. Também há denúncias de que algumas mulheres são forçadas a fazer esse trabalho.
Foto: DW/B. Darame
Vender peixe é um bom negócio
As vendedoras de peixe geralmente possuem arcas velhas para a conservação do pescado. Colocam-nas nos portos - como aqui na Ilha de Bubaque (Bijagós) - para servir de local de armazenamento quando receberem peixe fresco dos pescadores. Nos últimos anos, a venda de peixe tornou-se num dos negócios mais rentáveis para as mulheres guineenses.
Foto: DW/B. Darame
Um dos piores países para ser mãe
As condições precárias nas zonas rurais da Guiné-Bissau têm reflexos nas estatísticas: em 126 partos morre uma mulher, segundo dados das Nações Unidas. Em comparação, no Japão, em 20.000 partos morre uma mulher. A taxa de mortalidade materna na Guiné-Bissau é uma das mais altas do mundo. Ainda assim, não existe no país uma estratégia política dirigida à mulher no meio rural.
Foto: DW/B. Darame
País difícil para as crianças
Cada mulher guineense tem em média cinco filhos. O país tem uma das taxas de fecundidade mais altas do mundo. Mas muitas crianças não chegam a celebrar o seu quinto aniversário. Segundo dados das Nações Unidas, 129 de 1.000 crianças morrem até aos cinco anos de idade, muitas durante no parto, o que torna a Guiné-Bissau um dos piores países do mundo para se nascer.
Foto: DW/B. Darame
Trabalhos domésticos no feminino
Em Mansoa, região de Oio, norte da Guiné-Bissau, as casas de adobe agrupadas debaixo de enormes árvores desenham intricados caminhos onde secam redes de pesca, peles de antílopes e roupas rasgadas de criança. A comida prepara-se num fogão improvisado a lenha, em frente da casa. Trabalhos domésticos como cozinhar, cuidar das crianças ou limpar cabem tradicionalmente às mulheres.
Foto: DW/B. Darame
Carregar à cabeça é a única solução
Nas zonas mais recônditas da Guiné-Bissau, como na aldeia de Suru, região de Biombo, a cerca de 20 quilómetros de Bissau, não há uma rede de estradas que facilite o transporte das mercadorias. Não há carros que façam as ligações entre as aldeias. Carregar à cabeça, por vezes mais de cinco quilos, é a única solução para que essas mulheres possam fazer chegar os produtos ao destino.
Foto: DW/B. Darame
Lenha e água a quilómetros de distância
Nas mais de 80 ilhas e ilhéus completamente isolados e sem grande presença do Estado guineense, as populações vivem no regime do "salva-se quem poder". As mulheres percorrem dezenas de quilómetros para ir buscar lenha e água potável. Em muitos casos - como aqui na Ilha de Bubaque (Bijagós) - atravessam rios caminhando, com os pés descalços, sem roupas adequadas e carregadas.
Foto: DW/B. Darame
Ultrapassando rios e braços de mar
Devido à falta de barcos nas aldeias insulares do arquipélago dos Bijagós, o fornecimento e o transporte de bens é extremamente difícil. É recorrente ver mulheres atravessando rios ou braços de mar bastante profundos. Estes caminhos para procurar lenha e água doce são bastante perigosos para quem não sabe nadar.
Foto: DW/B. Darame
Desigualdade começa na educação
A maioria das mulheres guineenses vive em situação de extrema pobreza. Em médias, as mulheres frequentaram a escola apenas 1,4 anos, menos de metade do que os homens guineenses, que têm em média 3,4 anos de escolaridade, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. Só investindo na educação e na saúde será possível melhorar a situação das mulheres da Guiné-Bissau.