Depois da violência policial registada sábado em Angola, a Amnistia Internacional pede justiça e promete continuar atenta ao caso. Uma pessoa morreu e várias ficaram feridas em protestos para exigir autonomia nas Lundas.
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No sábado (24.06), a Polícia Nacional e as Forças Armadas Angolanas (FAA) reagiram com balas de fogo a uma série de manifestações nas províncias do Moxico, Lunda Norte e Lunda Sul, convocadas pelo Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe.
Uma pessoa morreu, pelo menos dez ficaram feridas e várias dezenas foram detidas, segundo o Movimento do Protectorado, que convocou os protestos para exigir a autonomia desta região diamantífera e o fim das prisões arbitrárias contra ativistas.
Em entrevista à DW África a propósito dos acontecimentos nas Lundas, o diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal, Pedro Neto, afirma que o Governo angolano "tem de esclarecer o uso da força contra a população". E promete agir quando a ONG tiver mais desenvolvimentos sobre o caso.
A apenas dois meses das eleições gerais de 23 de agosto, a organização de defesa dos direitos humanos vê com "muita preocupação" a repressão que está a acontecer em Angola e a violação dos direitos de associação e de manifestação.
DW África: Como é que a Amnistia Internacional reage a este atos de violência em Angola? Estão a acompanhar o caso?
Pedro Neto (PN): Sim, chegou-nos essa informação, que vimos também na comunicação social, e estamos bastante alarmados com o que está a acontecer, precisamente porque a liberdade de expressão e de manifestação não pode ser nunca posta em causa, em qualquer situação. E entendemos que todas as pessoas, independentemente daquilo por que se manifestam, têm direito a fazê-lo.
Esta repressão que está a acontecer, quando estamos a dois meses das eleições, é muito, muito preocupante. São sinais que não esperamos ver de Angola e apelamos aos responsáveis que não os voltemos a ver. Nesta manifestação, perante as pessoas que foram feridas e alegadamente uma pessoa que foi morta, é preciso haver justiça para estes casos em particular. E também no que diz respeito aos direitos de associação, de manifestação e à liberdade de expressão, as pessoas têm de os ter, especialmente - e sublinho este timing - a dois meses de um ato eleitoral que se quererá livre e democrático, no qual todas as pessoas tenham direito a expressar a sua voz, as suas ideias e o seu pensamento, seja ele ou não sufragado diretamente.
DW África: O Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe anunciou que vai apresentar queixa à Procuradoria-Geral da República (PGR) e também a várias organizaçõesinternacionais. A Amnistia Internacional vai fazer algum pedido, alguma reivindicação junto das autoridades angolanas?
PN: Nós estaremos sempre muito atentos ao que está a acontecer no terreno. E mediante aquilo que nos chegar, faremos a nossa acção e o nosso trabalho de investigação e de apelo, como sempre fazemos. Neste caso concreto, aguardamos por desenvolvimentos para agirmos face ao que está a acontecer. Repito: não está em causa aquilo que as manifestações ou que A, B ou C querem. O que nós pedimos e sempre apelamos quase até à exigência é que as pessoas tenham liberdade e espaço para falarem das suas ideias e manifestarem as suas convicções.
Amnistia: "Angola tem de esclarecer uso da força"
DW África: Até porque esta não foi uma manifestação espontânea. Foi anunciada e comunicada às autoridades pelos organizadores. A Amnisitia Internacional acha que o Governo angolano deve esclarecer o uso excessivo da forçacontra a população?
PN: O Governo angolano tem de esclarecer o uso da força contra a população. Porque a força existe para proteção da população e não pode ser o contrário. Este, infelizmente, não é o primeiro episódio. Já há vários episódios de violência contra a população que se manifesta e mais preponderantemente em Luanda. O Governo angolano tem de explicar à população e à sociedade civil como é que estão e porque é que estão a acontecer estes incidentes.
DW África: Como já mencionou, a dois meses das eleições em Angola, este episódio pode ser visto como um mau sinal. A Amnistia Internacional receia novos episódios de violência no país?
PN: Há um ano, quando foram libertados prisoneiros de consciência, congratulamo-nos com este sinal e com o otimismo perante este sinal de estarmos também a caminhar para as eleições. Nós temos sempre muito cuidado e reservamo-nos sempre com muito conservadorismo em relação àquilo que possa acontecer. Receamos que, de facto, possa continuar a haver problemas, mas o nosso apelo e a nossa exigência é que estes episódios que, infelizmente, têm sido recorrentes não venham a existir mais, até porque não é aceitável que continuem a acontecer.
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.