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Amnistia condena ataques a jornalistas em Cabo Delgado

15 de abril de 2020

Cada vez mais, jornalistas que noticiam ataques em Cabo Delgado trabalham sob pressão. Segundo a Amnistia Internacional, ataques contra jornalistas visam manter o "secretismo" de violações dos direitos humanos.

Mosambik Straßenschild an der Regionalstraße R762
Foto: DW/A. Chissale

Esta terça-feira (14.04), o jornalista da STV em Pemba, Izdine Achá, foi posto em liberdade pela polícia depois de ter sido impedido de exercer as suas funções no mesmo dia. A detenção de Izidine ocorreu uma semana depois do desaparecimento do jornalista e locutor da Rádio Comunitária de Palma, Ibraimo Abu Mbaruco, cujo paradeiro permanece desconhecido.

Além da profissão, os dois homens têm em comum o fato de estarem a trabalhar na cobertura de eventos relacionados com os ataques armados que se registam na província moçambicana de Cabo Delgado.

Este seria precisamente o motivo pelo qual os jornalistas têm estado a sofrer repressão por parte dos militares, considera o investigador da África Austral da Amnistia Internacional (AI). David Matsinhe recorda ainda as detenções de Amade Abubacar, em 2019, e Estácio Valoi, em 2018.

"Também foi detido um jornalista zimbabueano, em agosto de 2018, pela Polícia, na cidade de Pemba - quando se deslocava àqueles distritos do norte para fazer a reportagem sobre os insurgentes", acrescenta.

O próprio pesquisador da AI também esteve detido durante dois dias, depois de trabalhar na região entre os distritos de Palma e Mocímboa da Praia em 2018.

"Existe uma relação muito clara, incontestável, entre todos estes casos", essas detenções em Cabo Delgado e os ataques que se verificam na região, afirma.

Segundo David Matsinhe, o motivo das detenções é que "o Governo prefere manter o que está a acontecer nos distritos nortenhos de Cabo Delgado em segredo. Não quer reportagens, pesquisas, relatórios ou ONGs a deslocarem-se ao local - porque assim eles descobririam o que está a acontecer lá. Qualquer pessoa que aparecer lá e que consideram estranha, a tendência é mesmo de raptar a pessoa, questionar, às vezes desaparecer com a pessoa".

Também o jornalista Estácio Valoi, do Centro de Jornalismo de Investigação Moçambique e do Moz24h, considera que as detenções de jornalistas ocorrem "apenas por estarem a reportar, a difundir e a informar o povo sobre o que está a acontecer naquela zona", acresentando que "todos os casos envolvem militares que, a dada altura, não deixaram que os jornalistas desempenhassem as suas funções de forma livre e tem a ver com as reportagens feitas com casos ligados à insurgência".

Estácio ValóiFoto: privat

Alegadas violações dos direitos humanos

Os ataques na região norte da província levaram centenas de pessoas a fugirem para as regiões que consideram mais seguras. Em locais como a cidade de Pemba, aglomeram-se.

David Matsinhe explica que os militares estariam a usar a suspeita de que insurgentes poderiam estar infiltrados entre os deslocados para cometerem violações dos direitos humanos. "Quando essas pessoas são detidas, nunca mais regressam às suas casas, desaparecem de vez. Em 2018/2019, a Comissão Nacional de Direitos Humanos falou de corpos encontrados espalhados pelas matas aí e que as pessoas tinham sido mortas pelo Exército de Moçambique", relata.

Entretanto, na avaliação do investigador da Amnistia Internacional, "o Governo não é inocente".

"Ninguém está autorizado a deslocar-se até lá para apurar a verdade. Não têm interesse de ter lá órgãos de comunicação a fazerem investigações. Para nós, este é o problema. Na perspectiva do Governo, não se pode apurar as verdades", considera.

Para o jornalista Estácio Valoi, "uma das questões é impedir o jornalista de fazer o seu trabalho de expôr o que está a acontecer em Cabo Delgado até que, a dada altura, o jornalista é visto como estando contra o sistema. Acabam colmatando estas liberdades todas".

"Entretanto, é necessário que as organizações de direitos humanos e os órgãos de informação sejam autorizados a deslocarem-se ao local para apurarem as verdades", defende David Matsinhe.

Bispo de Pemba #explica situação humanitária em Cabo Delgado

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Covid-19 e insurgência

O estado de emergência em vigor no país tem estado a favorecer os abusos, considera ainda o investigador da Amnistia Internacional.

"Existem alegações de que, em Cabo Delgado, se estão a aproveitar do estado de emergência para tornar a vida ingovernável naquela zona, porque dizem que os militares agora tomaram novas medidas na cidade de Pemba, de fazerem desaparecer pessoas para depois aparecerem mais tarde, como foi o caso do Izdine", descreve.

Entretanto, para David Matsinhe, "o Governo de Moçambique não tem, neste momento, capacidade institucional para lidar com a pandemia da Covid-19 e também não tem capacidade para conter os insurgentes e proteger a vida dos cidadãos naquela zona".

Matsinhe acredita que o Governo necessita de assistência militar da comunidade internacional.

"Este probema não é só um problema de Moçambique, é um problema regional da África Austral. A União Africana e as Nações Unidas deviam intervir, mas a iniciativa devia ser do Governo de Moçambique a fazer este pedido", afirma, acrescentando que também uma ajuda humanitária se faz necessária. "Para mim, existe uma relação entre tudo isso e a propagação do coronavírus", avalia.

Casos recentes: Izdine Achá e Ibraimo Mbaruco

Numa participação na programação da emissora para a qual trabalha, após ter sido retido e libertado numa operação das Forças de Defesa e Segurança, em Pemba, esta terça-feira (14.04), o jornalista Izdine Achá relatou o ocorrido.

"Fiquei retido por cerca de uma hora e meia, quando um militar me intercetou a tirar fotografias de uma operação que estava a ser realizada ao longo de todo o bairro [de Paquitequete]. Faziam revista às viaturas e exigiam a identificação a todas as pessoas que circulavam na rua," relatou.

A seguir, acrescenta, foram "escoltados à esquadra da polícia, onde após alguns contatos com o Comando Provincial" foram postos em liberdade.

No entanto, as imagens anteriormente feitas tinham sido apagadas do telemóvel do jornalista.

Izdine Achá, conclui o seu relato afirmando que "o ambiente continua tenso na cidade de Pemba, particularmente no bairro de Paquitequete, onde há grande operações militares, porque entre os delocados que chegam a este ponto também estão alguns insurgentes".

Para David Matsinhe, o jornalista "Izdine Achá teve sorte porque foi raptado numa cidade de Cabo Delgado onde todos viam o que estava a acontecer. Mas, naqueles lugares mais recônditos, lá longe no norte, em Palma, os militares fazem e desfazem como querem e ninguém tem o controlo".

A detenção de Izidine ocorre precisamente uma semana depois do desaparecimento do jornalista e locutor da Rádio Comunitária de Palma, Ibraimo Abu Mbaruco.
Segundo informações do MISA-Moçambique, divulgadas através de uma nota, "Ibraimo Mbaruco teria sido sequestrado quando regressava a casa, entre as 18 e 19 horas. Momentos antes, Ibraimo Mbaruco teria enviado uma curta mensagem (SMS) a um dos seus colegas de trabalho, informando que 'estava cercado por militares'. A partir desse momento, não mais atendeu às chamadas, embora o seu telefone continuasse a dar sinal de estar ainda comunicável".

"Estamos muito preocupados com o desaparecimento do Ibraimo, em Palma, porque quanto mais tempo passar, a possibilidade de ele nunca mais reaparecer é real", diz o pesquisador da AI, acrescentando ser necessário "continuar a apelar ao Governo para que faça tudo o que estiver ao seu alcance para libertar o jovem".

Já Estácio Valoi continua esperançoso: "Queremos acreditar que ele volte a aparecer, que volte ao convívio dos seus familiares".

Precaução para informar

Para os profissionais que trabalham na cobertura de fatos relacionados com os ataques em Cabo Delgado, o investigador da África Austral da Amnistia Internacional, David Matsinhe, deixa uma orientação: "É muito importante que criem uma rede de profissionais de informação e de investigadores de direitos humanos para que, quando aconteça uma eventualidade dessas, informem para podermos reagir de imediato, enquanto o caso ainda é fresco. Isso pode permitir uma pressão local e intenacional que pode salvar a vida".

Já o jornalista Estácio Valoi garante que "mesmo que esta pressão sobre os jornalistas continue a acontecer, é preciso perceber que não é possível impedir que esta informação seja difundida, porque hoje em dia são as populações completamente desgastadas, com as suas casas destruídas e com fome que acabam sendo repórteres do dia".

O MISA-Moçambique tem estado a condenar os atos de agressão contra jornalistas em Moçambique.

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