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Amnistia: Violações aos direitos humanos aumentaram

António Cascais
7 de abril de 2021

Nos PALOP, a Amnistia Internacional está preocupada em particular com uma "escalada da repressão ao direito à liberdade de expressão" em Moçambique.

Foto: Roberto Paquete/DW

A Amnistia Internacional alerta que a pandemia da Covid-19 tem sido usada como arma, em vários países, para atacar os direitos humanos.

No relatório anual sobre o panorama global dos direitos humanos, publicado esta quarta-feira (07.04), a organização refere que a pandemia expôs o terrível legado de políticas deliberadamente divisórias e destrutivas que perpetuaram desigualdade, discriminação e opressão, e abriram caminho à devastação causada pela Covid-19.

Entre os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), a Amnistia diz estar particularmente preocupada com a situação em Moçambique, que, além da pandemia, vive uma crise humanitária devido aos ataques de insurgentes na província de Cabo Delgado. 

Segundo a organização, em 2020, a "impunidade continuou generalizada" perante graves violações aos direitos humanos. A DW África falou com Maria Inês Lapa, diretora de Investigação e Advocacia da Amnistia Internacional Portugal, sobre o tema.

DW África: Entre os PALOP, porque é que o caso de Moçambique é particularmente grave?

Maria Inês Lapa (MIL): Esta situação de Moçambique preocupa-nos bastante e já tem vindo a preocupar há vários anos. Em Moçambique temos uma combinação de abusos de direitos humanos que foram exacerbados pela pandemia. Começando, por exemplo, pelo abuso de força por parte da polícia. Para implementar as medidas de confinamento, a polícia usou força excessiva contra pessoas que saíam das suas casas para procurar alimento durante o confinamento.

Maria Inês Lapa: "A polícia usou força excessiva"Foto: Privat

Sabendo que muitas pessoas dependem da economia informal, trabalham nos mercados e vendem produtos nas ruas, não tinham outra hipótese se não sair de casa para ir trabalhar e auferir o rendimento que precisam para comer e alimentar as suas famílias. Essas pessoas, ao fazerem a sua atividade profissional, foram impedidas pela polícia e foram vítimas de violência por parte da polícia. Portanto vemos aqui o uso excessivo da força por parte das autoridades para implementar as medidas de confinamento.

DW África: A Amnistia Internacional diz que Moçambique teve, no ano passado, uma "escalada da repressão ao direito à liberdade de expressão, caracterizada por intimidação, campanhas de difamação, assédio, prisões arbitrárias e processos contra jornalistas, defensores dos direitos humanos e críticos do governo".

MIL: Exatamente. Vimos que jornalistas, defensores dos direitos humanos e críticos do Governo em geral foram intimidados, foram vítimas de campanhas de difamação, foram assediados e chegaram até a ser presos em alguns casos. O exemplo que recebeu mais atenção foi o caso do jornal que foi atacado com "cocktail molotov". É muito preocupante porque mostra que a liberdade de expressão está a ser bastante ameaçada. Isso, fazendo ligação com Cabo Delgado, cuja situação é há vários anos muito grave, não teve a atenção mediática que merecia também porque o Governo estava a reprimir essa informação.

DW África: A Amnistia Internacional fala também de um aumento da violência de género...

MIL: O aumento da violência de género é uma tendência que notámos a nível mundial e Moçambique não foi exceção. Devido às medidas de confinamento, mulheres e raparigas ficaram presas em casa com os agressores, e o Estado não garantiu mecanismos de proteção e denúncias confidenciais que permitissem a essas mulheres sair dessas situações de perigo. A violência baseada no género aumentou bastante durante este período de restrições e confinamento, [e isso] também nos preocupa bastante.

Também a ter em conta que o facto de as escolas terem encerrado significou que muitas raparigas deixaram de ir às escolas, e as escolas muitas vezes são um mecanismo de proteção. Muitas raparigas ficaram em risco sendo forçadas a casar quando ainda são crianças.

A Amnistia Internacional registou abusos de força por parte da polícia em MoçambiqueFoto: DW/L. da Conceição

DW África: Tudo o que referiu não diz respeito apenas a Moçambique, mas também aos outros PALOP?

MIL: Sim, o nosso relatório olha para Angola, Moçambique e Guiné Equatorial, no que diz respeito aos PALOP. Infelizmente não temos recursos para cobrir todos os PALOP neste relatório, mas acompanhamos ao longo do ano o estado dos direitos humanos em todos os países.

Tal como em Moçambique, também em Angola houve uso de força excessiva por parte da polícia. E foi muito chocante ouvir relatórios de várias pessoas que diziam que a polícia matou a tiro jovens que estavam simplesmente na rua, a deslocar-se da sua casa para a casa de familiares - ou jovens que estavam na rua a jogar futebol. E quando digo jovens, falo em rapazes de 14, 15 ou 16 anos que foram mortos a tiro pela polícia angolana porque estavam supostamente a desrespeitar as regras de confinamento.

DW África: Conclui-se, portanto, que as medidas de combate ao coronavírus acabaram por agravar outros problemas em África e nos PALOP, ou seja, são desproporcionais?

MIL: Sem dúvida. E isso é também uma das nossas conclusões globais. A pandemia veio agravar problemas que já existiam em todo o lado. Por exemplo, os sistemas de saúde já eram, antes da pandemia, bastante frágeis, as infraestruturas eram frágeis - também a corrupção contribui para isso, assim como uma série de outros fatores. Por outro lado, havia muitos grupos da sociedade que já estavam em situações de vulnerabilidade.

Covid-19: Angolanos criticam atuação da polícia

02:24

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