AI questiona plano UE-UA para ajudar refugiados na Líbia
Julia Vergin | mjp
3 de dezembro de 2017
Plano para resgatar refugiados retidos em campos líbios não vai funcionar na prática, diz Franziska Vilmar, da Amnistia Internacional na Alemanha. Especialista acusa União Europeia de fugir às responsabilidades.
Publicidade
A cimeira entre a União Europeia (UE) e União Africana (UA), na semana passada, terminou com um plano para repatriar os refugiados dos países em desenvolvimento retidos na Líbia em condições desumanas. "São ótimas notícias”, disse Cecile Pouilly, porta-voz da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Acima de tudo, a porta-voz está satisfeita com o facto de a comunidade internacional estar finalmente focada na questão dos deslocados na Líbia.
Quando a cadeia de televisão norte-americana CNN divulgou imagens de refugiados vendidos como escravos na Líbia, aumentou a pressão sobre a UE e a UA para encontrar uma solução no encontro em Abidjan, na Costa do Marfim. Mas as denúncias de condições precárias e violações dos direitos humanos nos campos de refugiados não são novidade.
"A Amnistia Internacional tem estado a documentar a situação dos migrantes e refugiados na Líbia há anos”, diz Franziska Vilmar, especialista em direito e políticas de asilo na Amnistia Internacional na Alemanha. Sobre a violência contra os deslocados nestes campos, a investigadora afirma que "é positivo o facto de o público e os governos estarem finalmente a prestar atenção à forma como vivem as pessoas nos campos”.
"Praticamente impossível”
Mercado de escravos na Líbia
02:02
Franziska Vilmar não acredita que o plano anunciado pela EU e a UA possa ser implementado no seu formato atual. Ainda não se sabe ao certo quantas pessoas estão retidas nos campos de refugiados. As estimativas variam entre as 400 mil e mais de 1 milhão de pessoas.
Algumas pessoas já estão a ser repatriadas, embora em pequena escala. O ACNUR e a Organização Internacional para as Migrações já estão a pôr em prática medidas de relocalização e o primeiro-ministro líbio, Fayez al-Sarraj, garantiu que as duas organizações terão acesso aos campos de refugiados. No entanto, Franziska Vilmar diz que o plano é "irrealista, porque o Governo não controla todos os campos”. Muitas das instalações estão nas mãos de milícias, "o que significa que é praticamente impossível tirar toda a gente de lá”.
A porta-voz do ACNUR confirma esta informação. "Há campos a que não temos acesso porque estão nas mãos de grupos criminosos”, diz Cecile Pouilly. Mas há já algum tempo que a agência da ONU que fazer mais para ajudar estas pessoas, pelo que a porta-voz saúda o apoio da comunidade internacional: "Precisamos de muito apoio político, caso contrário, as organizações humanitárias não terão qualquer poder”.
Recentemente, numa declaração à imprensa, a Organização Internacional para as Migrações anunciou que 15 mil refugiados serão repatriados até ao fim do ano, com a União Europeia a financiar os custos dos voos. Mas os passageiros não irão obrigatoriamente para os países de origem. Muitos dos refugiados vão ser enviados para dois países vizinhos da Líbia, o Chade e o Níger, onde as condições de vida são também instáveis. Dali, os migrantes deverão ser redistribuídos por países da União Europeia.
União Europeia foge às responsabilidades
Vilmar duvida que os estados-membros que até agora se recusaram a acolher deslocados abram agora as portas: "O plano de repatriamento fala nesta questão, mas não de forma a que a União Europeia assuma a sua responsabilidade para com os refugiados”, diz a investigadora da Amnistia.
Para Franziska Vilmar, a UE está a esquivar-se às responsabilidades pelas suas próprias políticas ao cooperar com países como a Líbia, que não oferecem proteção adequada ou requerimentos de asilo aos deslocados.
A investigadora acusa a União Europeia de ignorar há muito tempo - e de forma deliberada - os acontecimentos na Líbia e de passividade perante as condições desumanas nos campos de refugiados.
"Há meses que a UE tem vindo a treinar e a financiar a guarda costeira líbia, cujo envolvimento no tráfico de pessoas é uma questão obscura. A guarda costeira resgata pessoas em perigo e leva-as de volta para os campos, onde enfrentam ameaças de tortura, violação e abusos”, sublinha.
Além da Amnistia, também os Médicos Sem Fronteiras criticam os líderes europeus pelas mesmas razões. Fechando as fronteiras da Europa, diz Vilmar, a União Europeia está a forças as pessoas deslocadas a procurar outras rotas para chegar ao bloco, com conseuências cada vez mais desumanas. "Na Líbia, a cooperação entre a guarda costeira e os traficantes de pessoas é um negócio em crescimento que irá correr ainda melhor quando a União Europeia se isolar”, considera a investigadora da Amnistia. "Não acho que os repatriamentos vão mudar isso”.
Milhares de migrantes atravessam Níger rumo à Europa
São jovens oriundos da África Ocidental e fazem tudo para chegar à Europa. Estão mesmo dispostos a arriscar a vida, atravessando o deserto, rumo ao Mediterrâneo. Mas nem todos são bem sucedidos.
Foto: DW/A. Cascais
Apoio aos "menos bem sucedidos"
Em Niamey existe um centro de acolhimento da Organização Internacional para as Migrações (OIM). Aqui são acolhidos os jovens "revenants", que não conseguiram atravessar o deserto e se veem obrigados a regressar aos seus países de origem. A OIM, que faz parte do sistema das Nações Unidas, dá-lhes abrigo provisório, alimentação e apoio na obtenção de passaportes e outros documentos.
Foto: DW/
À espera do regresso a casa
Os jovens que procuram apoio no centro da OIM vêm dos mais diferentes países: Guiné-Conacri, Mali, Senegal, Gâmbia ou Guiné-Bissau, movidos sobretudo por objetivos económicos. Muitos tiraram cursos superiores, mas não arranjam trabalho. Muitas famílias apostam na emigração de pelo menos um filho. Caso esse filho seja bem sucedido poderá eventualmente apoiar economicamente o resto da família.
Foto: DW/A. Cascais
Frustrados por terem falhado a Europa
Muitos investiram todas as suas economias, pediram dinheiro a familiares e perderam tudo. Agora esperam pelo regresso aos seus países com a sensação de terem sofrido grandes derrotas pessoais. Os assistentes sociais falam de casos em que os jovens não se atrevem a voltar ao seio das suas famílias, "por sentirem vergonha". Precisam de apoio psicológico, mas esse apoio não existe.
Foto: DW/A. Cascais
Otimismo apesar das derrotas
Alguns dos migrantes sofrem lesões e contraem doenças durante a travessia do deserto, mas mesmo assim não perdem o ânimo. Em muitos casos, os jovens tentam várias vezes, ao longo da vida, atingir a terra prometida: a Europa. Muitos nunca o conseguem, mas não perdem o otimismo. Em 2016, a OIM prestou apoio a mais de 6 mil "revenants" - migrantes que não foram bem sucedidos no Níger.
Foto: DW/A. Cascais
Espancado na Líbia
Dumbya Mamadou, de 26 anos de idade, oriundo do Senegal, conseguiu atingir a Líbia, depois de uma "odisseia de 5 dias e 5 noites" pelo deserto do Níger. Mas na Líbia foi maltratado. "Os líbios apontaram-me armas e espancaram-me, não têm respeito pelo ser humano", afirma o jovem. Dumbya volta ao seu país de origem com um sentimento de derrota: "Queria estudar na Europa, agora não sei o que fazer".
Foto: DW/
Roubado no Burkina Faso
Mamadou Barry, de 21 anos, oriundo da Guiné-Conacri, tinha um sonho: aplicar em França os seus conhecimentos de marketing e os seus talentos musicais. Mas a viagem rumo à Europa correu-lhe mal. "Fui roubado no Burkina Faso, o primeiro país pelo qual passei", conta. Mesmo assim, Mamadou aprendeu uma grande lição para a vida: "coisas que nunca teria aprendido se nunca tivesse saído de Conacri".
Foto: DW/A. Cascais
Rap contra a frustração
Mamadou Barry tenta digerir as suas derrotas e decepções através da música. Há três anos que o jovem canta e interpreta temas de rap e hiphop de sua autoria. O seu último tema foi escrito em Niamey, capital do Níger, e tem a seguinte letra: "A migração arrasou-me / e ninguém me pode consolar / O Mar Mediterrâneo já matou muitos / e nós cá continuamos: sem comida, sem cama, sem saúde".
Foto: DW/
Central de autocarros de Niamey: uma placa giratória
É da estação de autocarros de Niamey que partem diariamente centenas de furgonetas, muitas delas repletas de jovens migrantes, em direção ao norte. Os migrantes tornaram-se um fator relevante para a economia do Níger. Há muita gente que ganha a sua vida prestando diversos serviços aos migrantes: viagens pelo deserto, alimentação e mesmo cuidados médicos.
Foto: DW/A. Cascais
Mais migrantes tentam atravessar deserto do Níger
O número de migrantes que viajam através dos vastos territórios desérticos do Níger para chegar ao norte da África e à Europa não pára de aumentar, tendo alcançado os 200 mil em 2016, segundo estimativas do escritório da Organização Internacional para as Migrações. Outras fontes falam de 10 mil migrantes que atravessam o Níger por semana. A situacão geográfica do Níger é o fator determinante.
Foto: DW/A. Cascais
Agadez, o "olho da agulha"
Agadez, cidade desértica no Níger, é um dos principais pontos de trânsito no Saara para os imigrantes em fuga de nações empobrecidas do oeste da África. As "máfias" do tráfico humano têm beneficiado do caos na Líbia para transportar dezenas de milhares de pessoas para o continente europeu em embarcações precárias. Os migrantes muitas vezes sofrem abusos dos passadores.