Para a eurodeputada, medida anunciada por João Lourenço - para repatriar capitais mantidos ilegalmente no exterior - pode "romper com esquema de corrupção". Entretanto, "isto depende de vontade política".
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A eurodeputada portuguesa Ana Gomes acredita que a medida anunciada pelo Presidente de Angola, João Lourenço, esta semana, de repatriar os capitais mantidos por angolanos ilegalmente no exterior, é um "sinal de esperança" que poderá "romper com o esquema corrupto instituído para espoliar o país dos seus recursos".
Segundo Ana Gomes, há mecanismos a nível europeu que permitem às novas autoridades angolanas resgatar os ativos que têm, por exemplo, em Portugal. Fala concretamente do Gabinete de Recuperação de Ativos da União Europeia. Porém, "a questão é se existe vontade política de Angola de desencadear esses mecanismos".
A socialista dá o exemplo da iniciativa da Bélgica para recuperar impostos não pagos, no âmbito do processo chamado "Omega Diamonds", em que, segundo Gomes, estão envolvidos 90% de capitais angolanos.
"É extraordinário que um processo que resultou de uma iniciativa do próprio Estado belga para recuperar impostos que não foram pagos tenha sido objeto agora de uma decisão do Tribunal da Apelação [de Bruxelas], que permite a Angola, se quiser, entrar no processo e pedir, justamente, a recuperação dos capitais que são seus e que foram apropriados pela senhora Isabel dos Santos, graças ao patrocínio paternal que possuía", assinala em entrevista à DW África.
A eurodeputada Ana Gomes esteve recentemente na ilha de Malta, um paraíso fiscal, para investigar a origem da fortuna da filha do ex-presidente de Angola, apresentada como a mulher mais rica de África.
De acordo com Ana Gomes, "a origem da fortuna de Isabel dos Santos só tem a ver com o facto de ela ser privilegiada por ter tido acesso ao monopólio das telecomunicações em Angola por ser filha de quem é; as empresas que pôde constituir com recursos do Estado por ser filha de quem é".
Mas será que Angola poderá recuperar os ativos que Isabel dos Santos colocou no exterior? Para a eurodeputada, ainda é cedo para saber.
Entretanto, esta semana, o Presidente João Lourenço reafirmou a sua determinação em acionar mecanismos para combater a fuga de capitais e formas ilegais de acumulação de riqueza.
O sociólogo Manuel dos Santos acredita haver interesse em se trabalhar nos próximos anos para o repatriamento dos capitais colocados no estrangeiro por figuras da anterior elite presidencial, numa época de "vacas miseravelmente magras" para a economia angolana.
"O Presidente João Lourenço, tem plena consciência da urgência do retorno de muito do capital saído [do país]. Esse capital tem a sua origem justamente em fundos públicos", diz Manuel dos Santos, considerando que, "para além disso, há todo um conjunto de pessoas que, ao longo destes anos, fizeram transferências de capital na ordem dos milhões, dos milhares, e outros na ordem das dezenas".
Capitais angolanos - repatriamento - MP3-Mono
O sociólogo angolano recorre apenas ao exemplo da compra de 65% da EFACEC Power Solutions por Isabel dos Santos, em parceria com a Empresa Nacional de Distribuição de Eletricidade (ENDE). São recursos, como sublinha, "que fazem uma falta urgente à economia angolana".
"Porque isso também faz parte da outra dimensão [da ação] do Presidente, não só [no sentido de] recuperar [os fundos] porque é importante para a economia, mas também [com o objetivo de] passar uma imagem de que temos algumas soluções que não podem ser, de forma alguma, adiadas", reforça.
Para Manuel dos Santos, "esta é uma mensagem para dentro do país, mas também uma mensagem para fora do país".
Mesmo sem a Sonangol, Isabel dos Santos ainda tem um império empresarial
A mulher mais rica de África, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, foi exonerada da liderança da petrolífera estatal angolana. Mas continua a ter uma grande influência económica em Angola e Portugal.
Foto: DW/P. Borralho
Bilionária angolana diz adeus à Sonangol
A 15 de novembro, Isabel dos Santos teve de renunciar à presidência do conselho de administração da Sonangol. Em meados de 2016, o seu pai, o então Presidente José Eduardo dos Santos, nomeou-a para liderar a companhia petrolífera estatal. A nomeação era ilegal aos olhos da lei angolana. O novo Presidente angolano, João Lourenço, estava, por isso, sob pressão para demitir Isabel dos Santos.
Foto: picture-alliance/dpa
Carreira brilhante à sombra do pai
Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos e da sua primeira mulher, a jogadora de xadrez russa Tatiana Kunakova, nasceu em 1973, em Baku. Durante o regime do seu pai, no poder entre 1979 e 2017, Isabel dos Santos conseguiu construir um império empresarial. Em meados de 2016, a liderança da Sonangol, a maior empresa de Angola, entrou para o seu currículo.
Foto: picture-alliance/dpa
Conversão aos princípios "dos Santos"
Isabel dos Santos converteu o grupo Sonangol, sediado em Luanda (foto), às suas ideias. Nomeou cidadãos portugueses da sua confiança para importantes cargos de gestão e foi muito criticada pela ausência de angolanos em posições-chave na empresa.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Presença firme nas telecomunicações
Mesmo após o fim da sua carreira na Sonangol, Isabel dos Santos continua forte no meio empresarial: possui 25% da UNITEL desde o seu lançamento, em 2001, a empresa tornou-se a principal fornecedora de serviços móveis e de internet em Angola. Através da UNITEL, dos Santos conseguiu estabelecer vários contactos comerciais e parcerias com outras empresas internacionais, como a Portugal Telecom.
Foto: DW/P. Borralho
Redes móveis em Portugal e Cabo Verde
Isabel dos Santos detém a participação maioritária na ZON, a terceira maior empresa de telecomunicações de Portugal, através de uma sociedade com o grupo português Sonae. Também em Cabo Verde, dos Santos - com uma fortuna estimada em 3,1 mil milhões de dólares, segundo a revista Forbes - está presente nas telecomunicações com a subsidiária UNITEL T+.
Foto: DW/J. Carlos
Expansão com a televisão por satélite
Lançada em 2010 por Isabel dos Santos, a ZAP Angola apresenta-se como o maior fornecedor de televisão por satélite no país. Desde 2011, a ZAP está presente também em Moçambique, onde conquistou uma parcela importante do setor. Em Moçambique, a empresa compete com o antigo líder de mercado, a Multichoice (DSTV), da África do Sul.
Foto: DW/P. Borralho
Bancos: o segundo pilar do império
Atrás das telecomunicações, o setor financeiro é o segundo pilar do império empresarial de Isabel dos Santos. A empresária detém o banco BIC juntamente com o grupo português Américo Amorim - o empresário português conhecido como "o rei da cortiça" que morreu em julho de 2017. É um dos maiores bancos de Angola, com cerca de 200 agências. É também o único banco angolano com agências em Portugal.
Foto: DW/P. Borralho
Com a GALP no negócio do petróleo
Também no petróleo, dos Santos fez parceria com Américo Amorim. Através da empresa Esperanza Holding B.V., sedeada em Amesterdão, a empresária angolana está envolvida na Amorim Energia que, por sua vez, é a maior acionista da petrolífera portuguesa GALP. A GALP também administra os postos de gasolina em Moçambique (na foto) e em Angola onde, curiosamente, compete com a Sonangol.
Foto: DW/B.Jequete
Supermercado em Luanda
Em 2016, abriu em Luanda o Avennida Shopping, um dos maiores centros comerciais da capital angolana. Várias empresas do império dos Santos operam neste centro comercial, como o Banco BIC, a ZAP e a UNITEL. Assim, a empresária beneficia em várias frentes do crescente mercado de bens de consumo em Luanda.
Foto: DW/P. Borralho
350 milhões de dólares em supermercados
Uma das maiores lojas do Avennida Shopping é o hipermercado Candando. É operado pelo grupo Contidis, controlado por Isabel dos Santos. Nos próximos anos, deverão ser construídos em Angola vários Candando. No total, a Contidis quer investir mais de 350 milhões de dólares nas filiais.