Ana Gomes: "O governo angolano vai manipular o processo"
26 de julho de 2017
Para a eurodeputada, Angola "não quer observadores que possam expor essa manipulação". Ana Gomes afirma que, a continuar, as conversações com as autoridades angolanas estão a decorrer com a Comissão Europeia.
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A apenas um mês das eleições gerais em Angola, não se sabe ainda se o processo contará com a observação da União Europeia. Apesar de o governo angolano ter recusado assinar um memorando de entendimento com a União Europeia, o representante desta instituição em Luanda, Tomas Ulicny, reiterou, esta semana, a disponibilidade para enviar uma equipa de observadores. Numa entrevista à DW África, a eurodeputada Ana Gomes afirmou que, a existirem ainda conversações entre o governo angolano e as instituições europeias, estas estão a acontecer com a Comissão Europeia e não com o Parlamento Europeu. Ana Gomes dá conta que, uma vez que o parlamento europeu está suspenso até à última semana de agosto por causa das férias, já não há tempo para o envio de uma missão de observação eleitoral . A única opção possível agora é, acrescenta, enviar uma missão de peritos. A eurodeputada afirma ainda que o governo angolano vai manipular o processo eleitoral do próximo dia 23 de agosto.
DW África:Confirma que continuam as conversações com as autoridades angolanas para o envio da missão de observação eleitoral da União Europeia a Angola?
Ana Gomes (AG): Não sei. Se continuam não é por parte do Parlamento Europeu, é por parte da Comissão Europeia (CE). Mas é estranho, se houver essa tal missão, é uma missão de peritos, não é uma missão normal de observação, visto que já não há tempo para a posicionar no terreno e acompanhar todo o processo eleitoral. O parlamento europeu está suspenso, neste momento, por causa das férias e, portanto, não haverá missão parlamentar de acompanhamento como é normal. Em 2012, já houve uma missão de peritos. Recordo que o Dr. Durão Barroso, na altura presidente da Comissão Europeia, visitou Angola pouco antes e disse aquilo que o governo de Angola queria que fosse dito que era que Angola era uma democracia madura e já não precisava de observação eleitoral. A União Europeia, nessa altura, mandou uma missão de peritos com duas peritas. Essa missão fez um relatório para a Comissão Europeia, mas esse relatório nunca foi publicado, devia ter sido, mas não nunca foi, portanto, se é o mesmo estilo de missão que a CE está a cozinhar é por um propósito político de agradar ao governo angolano e não é, obviamente, uma missão de obervação eleitoral com independência e capacidade de acesso, e com garantias de acesso.
DW África: A única opção possível agora seria enviar uma missão de peritos…
AG: Exatamente, mas não é um missão de observação eleitoral. É bem diferente.
DW África: Quais são as restrições desse tipo de missão?
AG: As missões de observação eleitoral têm obervadores de longo e curto prazo. Por exemplo, agora em Timor-leste, um território tão pequeno, a missão incluiu 45 observadores. Obviamente, seriam necessários muitos mais para cobrir o território angolano e isso não vai ser possível. Quanto muito, terá dois ou três peritos. Claro que obviamente duas pessoas não vêem o que 200 vêem. Não substitui de maneira nenhuma uma missão de observação eleitoral.
25.07 Entrevista Ana Gomes para Online - MP3-Mono
DW África:Recentemente, o ministro das Relações Exteriores de Angola disse que o governo não iria aceitar acordos específicos com as organizações convidadas para observar as eleições e rejeitou a assinatura desse memorando de entendimento com a UE. A União Europeia teria que prescindir desse acordo especifico para enviar essa missão de peritos?
AG: Não, a União Europeia nunca prescinde disso, e bem. Não prescinde porque essa é uma condição "sine qua non". ]E que nós vamos fazer observação eleitoral onde somos queridos, onde é reconhecido o interesse da nossa observação, não é de maneira nenhuma para "robot stamp", portanto, para pôr um carimbo de credibilidade nas eleições - que parece ser o propósito do governo angolano - , mas não é esse o objetivo das missões de observação eleitoral. É de observar, é de ver, fazer recomendações com vista à melhoria do processo, quando estamos perante um governo que genuinamente está interessado em fazer eleições sérias. Ora bem, não é de maneira nenhuma essa a situação de Angola e, portanto, neste momento, também acho que não vale a pena ir fazer observação em Angola porque aquilo está trocado, está cheio de truques e manipulado, e portanto não vale a pena ir. Se Angola não quer corresponder a essas condições é porque, efetivamente, não quer observação eleitoral, é porque sabe que no fundo é um processo que está trocado e vai ser manipulado.
DW África:A eurodepuatada já tinha previsto este cenário e acusou as autoridades angolanas de não estarem interessadas na observação europeia. A sua visão continua pessimista?
AG: Exatamente, quer todos os partidos da oposição angolana, quer as organizações da sociedade civil pediram explicitamente esta missão de observação eleitoral. O governo angolano não quis fazer o convite, se não muito tarde no mês de junho porque não queria. E quando fez esse convite, não deu essas garantias básicas, portanto, temos a demonstração daquilo que, infelizmente, eu sempre suspeitei que se ia passar. O Governo angolano não quer observação eleitoral da União Europeia, nem de lado nenhum, porque vai manipular o processo. E portanto, não quer observadores que, eventualmente, possam expor essa manipulação. Mas o povo angolano penso que não se deixa enganar. O processo vai, inevitavelmente, implicar uma mudança porque o presidente José Eduardo dos Santos não está em condições físicas de continuar mais tempo. Portanto, esperemos que com paz, embora com truques, de facto a mudança se faça e o povo angolano saiba fazê-la corresponder àquilo que, efetivamente, são as suas aspirações e interesses.
José Eduardo dos Santos: Percurso do "eterno" Presidente de Angola
José Eduardo dos Santos faleceu a 08.07.2022 numa clínica em Barcelona, onde estava internado há vários dias. O ex-Presidente, que se despediu da política angolana em setembro de 2018, governou o país de 1979 a 2017.
Foto: Paulo Novais/EPA/dpa/picture alliance
Engenheiro petroquímico
Em 1961, aos 19 anos, José Eduardo dos Santos junta-se ao MPLA, o Movimento Popular de Libertação de Angola, que luta contra o colonialismo português. Em 1963, é enviado com uma bolsa de estudos para a União Soviética, onde frequenta um curso de Engenharia Petroquímica em Baku, capital do atual Azerbaijão. Dos Santos também tem aulas de comunicação militar e regressa a Angola em 1970.
Foto: picture-alliance/dpa
Antecessor Agostinho Neto
Angola torna-se independente em 1975 e mergulha diretamente numa guerra civil entre os três movimentos de independência: MPLA, UNITA e FNLA. A capital Luanda é controlada pelo MPLA. O seu líder Agostinho Neto assume a Presidência do país e instala um regime monopartidário de inspiração marxista. Dos Santos assume vários ministérios, incluindo os Negócios Estrangeiros e Planeamento Nacional.
Foto: picture-alliance/dpa
Aliança com países comunistas
Depois da morte de Neto a 10 de setembro de 1979, em Moscovo, dos Santos é eleito a 20 de setembro pelo MPLA como novo Presidente. Consolida a aliança entre Angola e os países do bloco comunista como a União Soviética e a República Democrática da Alemanha (RDA). Em 1981, dos Santos visita a RDA e é recebido pelo secretário-geral do Partido Socialista Unificado da Alemanha, Erich Honecker (à esq.).
Durante a visita à RDA em 1981, dos Santos passa pelo Muro de Berlim, na Porta de Brandemburgo, símbolo da "Guerra Fria" e da separação do mundo em dois blocos. Angola é um dos países onde o confronto entre os blocos comunistas e liberais se transforma numa "Guerra Quente". Os países comunistas querem evitar uma vitória da UNITA, apoiada pela África do Sul e pelos Estados Unidos da América.
Foto: Bundesarchiv
Soldados cubanos
Em apoio militar ao Governo do MPLA, Cuba envia soldados a Angola. Os 40 mil soldados cubanos têm um papel decisivo para travar o avanço das tropas da UNITA e da África do Sul. Na foto: Soldados cubanos em Cuito Canavale no ano de 1988, uma das maiores batalhas da guerra civil. Três anos mais tarde, é assinado um primeiro acordo de paz na localidade de Bicesse, no Estoril, em Portugal.
Foto: picture-alliance/dpa
Mais guerra apesar de acordo de paz
As primeiras eleições de Angola tiveram lugar em 1992. O MPLA obteve maioria absoluta no Parlamento, mas dos Santos não conseguiu maioria absoluta na primeira volta das presidenciais. A UNITA e o seu candidato, Jonas Savimbi, não reconheceram os resultados por alegada fraude eleitoral. A segunda volta não teve lugar, pois a guerra recomeçou. Na foto: Soldados governamentais reconquistam Dondo.
Foto: picture-alliance / dpa
MPLA ganha terreno
Os EUA reconhecem o Governo do MPLA em 1993. O Ocidente perde o interesse na guerra civil em Angola após a queda do muro de Berlim. E, com o fim do apartheid, o regime de segregação racial na África do Sul, a UNITA perde outro aliado e fica cada vez mais isolada. O MPLA abandona a retórica comunista e torna-se capitalista, e as riquezas do petróleo fazem do partido um parceiro atrativo.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Opção militar prevalece
Em 1994, foi assinado outro acordo de paz em Lusaka, Zâmbia. Um ano mais tarde, dos Santos oferece o posto de vice-Presidente a Jonas Savimbi. Este recusa em 1997 e falha a formação de um Governo conjunto. A seguir, a guerra intensifica-se. Dos Santos aposta na opção militar e investe fortemente nas Forças Armadas. O núcleo duro do seu regime é formado por generais e pela Guarda Presidencial.
Foto: Getty Images/AFP/A. Jocard
Aliança com Kabila no Congo
Com a sua intervenção militar na segunda guerra do Congo a partir de 1998, Angola presta um apoio decisivo a Laurent-Désiré Kabila, Presidente da RDC (Rep. Democrática do Congo). Com a nova aliança, o MPLA consegue eliminar uma retaguarda da UNITA. Dos Santos estabelece Angola como uma das principais potências militares e políticas na África Austral. Também envia soldados para o Congo-Brazzaville.
Foto: picture alliance/AP Photo/P.Wojazer
Vitória total sobre Jonas Savimbi
Um embargo internacional de armas enfraquece a UNITA, cada vez mais isolada. Pouco a pouco, o exército do Governo conquista espaço. A 22 de fevereiro de 2002, mata o líder da UNITA, Jonas Savimbi. Nesse ano, as duas partes assinam mais um acordo de paz. Termina finalmente uma das guerras civis mais sangrentas, com cerca de um milhão de mortos e quatro milhões de deslocados e refugiados.
Foto: AP
Vestígios da guerra
Anos mais tarde, ainda são visíveis os danos da guerra, como nesta foto de 2009. O desenvolvimento do país ficou atrasado, estradas e caminhos-de-ferro tiveram de ser reabilitadas, campos desminados. No enclave de Cabinda, província nortenha rica em petróleo, continua outra guerra. Mas, até hoje, o movimento separatista FLEC não consegue ameaçar seriamente o poder do MPLA em Cabinda.
Foto: gemeinfrei
Eleições adiadas e canceladas
Originalmente previstas para 1997, as segundas eleições legislativas da história de Angola só tiveram lugar em 2008. O MPLA obteve 81,6% dos votos, a UNITA 10,4%. Houve queixas de um clima de intimidação durante a campanha e de desorganização do pleito. As eleições presidenciais, prometidas para 2009, nunca se realizaram. Mesmo assim, dos Santos continua no poder.
Foto: Reuters
Esperanças goradas da Alemanha
Em 2011, a chanceler alemã Angela Merkel (à esq.) visita Angola, dois anos após a visita de dos Santos a Berlim. Há empresários alemães com muito interesse em investir em Angola. Mas poucos investimentos chegam a ver a luz do dia, nos anos seguintes. Angola continua a ser um parceiro difícil para a Alemanha. Há poucas empresas alemãs dispostas a enfrentar o ambiente de negócios angolano.
Foto: dapd
Repressão contra opositores
A partir de 2011, eclode uma onda de manifestações inspirada na Primavera Árabe. Os protestos foram brutalmente abafados pela polícia, vários ativistas detidos e condenados por alegado golpe de Estado. Em 2013, a Guarda Presidencial mata dois opositores a tiro. Membros da seita adventista "A Luz do Mundo" também são brutalmente perseguidos. A polícia é ainda acusada de execuções extra-judiciais.
Foto: DW/N. Sul d´Angola
Finalmente eleito, mas apenas indiretamente
Em 2010, o Parlamento muda a Constituição e elimina as presidenciais. A eleição passa a ser indireta: É eleito como Presidente o líder da lista mais votada nas legislativas. O MPLA vence as eleições de 2012 com 71,9% dos votos. Após 32 anos no poder, dos Santos ganha pela primeira vez legitimidade eleitoral, embora apenas de forma indireta. Observadores criticam desvantagens da oposição.
Foto: picture-alliance/dpa
Homem de família
Para além dos militares, a família é outro núcleo do poder de José Eduardo dos Santos, que teve vários casamentos. A sua esposa atual é Ana Paula dos Santos (foto), antiga modelo, que conheceu quando ela trabalhava como hospedeira no avião presidencial angolano. Casaram-se em 1991 e tiveram quatro filhos. Nas eleições de 2017, Ana Paula dos Santos será candidata a deputada nacional pelo MPLA.
Foto: Reuters
Filha é a mulher mais rica de África
Mas é Isabel dos Santos, filha do primeiro casamento com Tatiana Kukanova, uma russa campeã de xadrez que dos Santos conheceu em Baku, que tem maior protagonismo internacional. Através de uma licença de telecomunicações em Angola para a sua empresa Unitel, Isabel dos Santos construiu um império de negócios com atividades em Portugal e noutros países. É considerada a mulher mais rica de África.
Foto: picture-alliance/dpa
Filho administra fundo soberano
Em 2013, a nomeação de José Filomeno dos Santos, filho da segunda mulher de José Eduardo dos Santos, para liderar o Fundo Soberano de Angola gerou controvérsia. O fundo administra parte da riqueza petrolífera do país. O pai tem o apelido popular de "Zedú", o filho de "Zenú". A mãe de "Zenú", Filomena de Sousa, foi funcionária do Ministério dos Negócios Estrangeiros, quando dos Santos foi ministro.
Foto: Grayling
Luxo e riqueza do petróleo
Nos últimos anos, milhares de milhões de dólares entraram nos cofres de Angola, um dos maiores produtores de petróleo de África. A Avenida Marginal de Luanda é símbolo da nova riqueza. Mas muito dinheiro desapareceu das contas do Estado, acusam organizações não-governamentais como a Human Rights Watch. O Fundo Monetário Internacional também pediu mais transparência.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Parceria com a China
A China é o novo parceiro de eleição de José Eduardo dos Santos. O país torna-se no maior comprador do petróleo de Angola e concede vários créditos para financiar grandes projetos. Ao contrário do FMI e de outros parceiros, a China não exige transparência, nem reclama dos direitos humanos. Nascem novos bairros em Luanda como Kilamba Kiaxi (foto), financiada e construída por empresas chinesas.
Foto: cc by sa Santa Martha
Pobreza continua apesar da riqueza
Apesar das receitas milionárias do petróleo, Angola continua a ter graves problemas de pobreza. Mesmo na capital Luanda, há bairros sem saneamento como o de Kinanga (foto). Muitos serviços de saúde continuam fora do alcance dos mais pobres: Angola tem das maiores taxas de mortalidade infantil do mundo. O sistema de educação também é considerado inadequado para um país com tantos recursos naturais.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Homem discreto
José Eduardo dos Santos foi conhecido como um homem discreto. Entrevistas com ele são raríssimas. Não costumava dar conferências de imprensa e faz poucos discursos públicos. Nos últimos anos, esteve regularmente fora do país para longos tratamentos médicos em Barcelona, Espanha. Em África, os seus 38 anos no poder como chefe de Estado só foram superados por Teodoro Obiang da Guiné-Equatorial.
Foto: picture alliance/dpa/P.Novais
Sucessor como Presidente: João Lourenço
Depois de José Eduardo dos Santos anunciar que não seria candidato às eleições de 2017, o MPLA nomeou o ex-ministro da Defesa, João Lourenço, como candidato à sucessão. O MPLA ganhou as eleições de 23 de agosto e Lourenço é o novo Presidente de Angola. Mas dos Santos permaneceu por cerca de mais um ano na direção do partido e, deste modo, manteve uma considerável influência na política angolana.
Foto: Getty Images/AFP
Um ano mais tarde: sucessão no MPLA
Mesmo com José Eduardo dos Santos na chefia do MPLA, vários familiares seus perderam postos importantes: a filha Isabel foi exonerada como presidente do conselho de administração da petrolífera estatal Sonangol e o filho Zenú deixou de chefiar o Fundo Soberano. A 8 de setembro, no congresso do partido, o seu sucessor na Presidência, João Lourenço (foto), assumiu a chefia do partido.
Foto: DW/Cristiane Vieira Teixeira
Tratamento em Espanha
Em 2019, José Eduardo dos Santos muda-se para Barcelona, em Espanha, para realizar com maior facilidade tratamentos numa das melhores unidades hospitalares europeias na valência de oncologia, que já tratava o ex-PR angolano há cerca de oito anos.
Foto: picture alliance/dpa
A morte do "eterno" líder angolano
Em 8 de julho de 2022, a Presidência angolana confirma a morte do ex-Presidente "após prolongada doença". Antes de falecer aos 79 anos, José Eduardo dos Santos passou duas semanas internado numa unidade de tratamento intensivo da clínica onde recebia tratamento médico em Espanha.