Analistas alertam para “momento perigoso” no Darfur
AFP | mjp
3 de dezembro de 2017
Detenção do líder de uma das milícias árabes que operam nesta região do Sudão pode abrir novo capítulo de violência, dizem especialistas.
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O líder do clã Mahamid, do grupo étnico Reizegat – a maior comunidade árabe do Darfur -, Musa Hilal, foi detido na semana passada pelas forças de combate à insurgência no Sudão na sua cidade natal, Mustariaha, após confrontos violentos que resultaram em várias vítimas mortais. Para os analistas, com a detenção do antigo conselheiro do Presidente do Sudão, Omar al-Bashir, Cartum aperta o cerco à insurgência na região, mas pode estar perante um novo capítulo de violência.
"É um momento perigoso”, diz Magnus Taylor, investigador do International Crisis Group, à agência de notícias France Presse.
Hilal foi capturado por uma unidade das Forças de Apoio Rápido, liderada por outros membros dos Reizegat. "É o início dos combates internos, é apenas o começo”, alerta Ahmed Adam, investigador da Universidade de Londres. "Sem dúvida, a detenção de Hilal terá impacto na segurança e estabilidade do Darfur”, acrescenta.
Do combate aos rebeldes ao conflito interno
No início do conflito na região, em 2003, as milícias árabes lutaram ao lado das forças do Governo contra os rebeldes das minorias étnicas. Na altura, Musa Hilal liderava a milícia árabe Janjaweed, aliada do Governo – homens armados montados a cavalo que percorreram o Darfur pilhando aldeias e combatendo rebeldes que tinham pegado em armas contra o Governo de maioria árabe de Cartum, acusando as autoridades de marginalização política e económica.
Dados das Nações Unidas apontam para centenas de milhares de mortos e 2.5 milhões de desaparecidos. As Forças de Apoio Rápido foram também usadas para reprimir os rebeldes numa brutal operação contra os insurgentes lançada por Omar al-Bashir. Em 2007, as Nações Unidas e a União Africana enviaram uma força conjunta para o Darfur com o objetivo de estabelecer a paz nesta região sudanesa.
"A anterior dinâmica no Darfur era de violência entre milícias e grupos rebeldes do Darfur. Agora, o maior perigo é a violência entre as milícias árabes”, sublinha Magnur Taylor.
Sanções internacionais
Hilal está proibido de viajar pelas Nações Unidas e o seu nome surge numa lista de pessoas sancionadas por "atrocidades contra direitos humanos” durante os primeiros anos do conflito. O próprio chefe de Estado sudanês é acusado de genocídio e crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional, embora negue todas as acusações.
A actuação de Cartum contra as minorias étnicas rebeldes foi também um factor decisivo para a manutenção do embargo comercial imposto por Washington ao Sudão em 1997. A 12 de outubro, os Estados Unidos levantaram o embargo, justificando a decisão com uma queda generalizada da violência no Darfur desde o ano passado.
Cartum insiste que o conflito terminou e lançou uma campanha para desarmar as milícias que operam no Darfur. Mas os analistas afirmam que o desarmamento visa sobretudo enfraquecer Hilal – que, de acordo com um relatório da ONU, controla várias minas de ouro no Darfur – depois de divergências com Cartum.
Travar o "todo-poderoso”
A campanha do Governo "visa, sobretudo, travar ou aniquilar Musa Hilal e atinge também outras comunidades negras não-árabes e os deslocados internos”, considera Ahmed Adam. O investigador da Universidade de Londres lembra ainda que foi o Governo de Cartum que inicialmente forneceu armas às milícias.
"Musa Hilal foi criado por Bashir para levar a cabo a contra-insurgência no Darfur, mas, recentemente, Hilal estava a revelar-se politicamente ambicioso. Não há uma história de amor entre os dois homens”, conclui o analista. Cerca de 10 mil combatentes pró-Governo liderados pelas Forças de Apoio Rápido foram mobilizados para deter Hilal, que, por sua vez, lidera uma força de 3 mil homens.
Com a sua detenção, Cartum envia um sinal à comunidade internacional: "controla” Darfur, diz Magnus Taylor, do International Crisis Group. "Hilal era o ‘peixe graúdo' que eles queriam eliminar. Viam-no como alguém que estava a tornar-se ‘todo-poderoso'”, sublinha.
Apesar da diminuição da violência no Darfur, um acordo de paz permanente entre Cartum e os rebeldes parece ser inatingível. Ainda assim, a missão de paz da União Africana e da ONU, a UNAMID, está a ser reduzida.
A detenção de Musa Hilal numa altura em que os capacetes azuis começam a retirar-se poderá significar um recuo nos desenvolvimentos positivos no Darfur, segundo um diplomata europeu. "Isto é muito problemático. Musa Hilal é um sheik importante com influência tribal”, disse o diplomata à AFP sob condição de anonimato. "Isto pode levar a muita coisa, muitas coisas negativas. E a UNAMID não será capaz de travar tudo”.
Missões de paz da ONU em África
Os capacetes azuis da Organização das Nações Unidas têm intervido em vários países africanos. A MONUSCO, missão de paz da ONU na República Democrática do Congo, é a maior e mais cara de todas. Mas há várias.
Foto: picture-alliance/AA/S. Mohamed
RD Congo: a maior missão da ONU
Desde 1999, que a Organização das Nações Unidas (ONU) tenta pacificar a região oriental da República Democrática do Congo (RDC). A missão conhecida como MONUSCO conta com cerca de 20 mil soldados e um orçamento anual de 1,4 mil milhões de euros. Ainda que esta seja a maior e mais cara missão da ONU, a violência no país persiste.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Darfur: impotente contra a violência
A UNAMID é uma missão conjunta da União Africana e da ONU na região de Darfur, no Sudão, considerada por alguns observadores um fracasso. “O Conselho de Segurança da ONU deve trabalhar mais arduamente para encontrar soluções políticas, em vez de gastar dinheiro no desdobramento militar a longo prazo”, afirmou o especialista em segurança, Thierry Vircoulon.
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Sul do Sudão: fechar os olhos ao conflito?
A guerra civil no Sul do Sudão já fez com que, desde 2013, mais de quatro milhões de pessoas abandonassem as suas casas. Alguns estão abrigadas em campos de ajuda da ONU. Mas, quando os confrontos entre as forças do Governo e os rebeldes começaram na capital Juba, em julho de 2016, os capacetes azuis não foram bem sucedidos na intervenção.
Foto: Getty Images/A.G.Farran
Mali: mais perigosa missão da ONU no mundo
As forças de paz da ONU no Mali têm estado a monitorizar o cumprimento do acordo de paz realizado entre o Governo e a aliança dos rebeldes liderada pelos tuaregues. No entanto, grupos terroristas como o AQMI continuam a levar a cabo ataques terroristas que fazem com que a Missão da ONU no Mali (MINUSA) seja uma das mais perigosas do mundo. A Alemanha cedeu mais de 700 militares e helicópteros.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
RCA: abusos sexuais fazem manchetes
A missão da ONU na República Centro-Africana (MINUSCA) não ajudou a melhorar a imagem das Nações Unidas no continente africano. As tropas francesas foram acusadas de abusar sexualmente de crianças pela campanha Código Azul. Três anos depois, as vitimas não têm ajuda da ONU. Desde 2014, 10 mill soldados e 1800 polícias foram destacados para o país. A violência diminuiu, mas a tensão mantém-se.
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Saara Ocidental: Esperança numa paz duradoura
A missão da ONU no Saara Ocidental, conhecida por MINURSO, está ativa desde 1991. Cabe à MINURSO controlar o conflito existente entre Marrocos e a Frente Polisário que defende a independência do Saara Ocidental. Em 2016, Marrocos, que ocupa este território desde 1976, dispensou 84 funcionários da MINURSO após um discurso do secretário-geral da ONU que o país não aprovou.
Foto: Getty Images/AFP/A. Senna
Costa do Marfim: um final pacífico
A missão da ONU na Costa do Marfim cumpriu o seu objetivo a 30 de junho de 2016, após 14 anos. As tropas têm vindo a ser retiradas, gradualmente, o que, para o ex secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, significa “um ponto de viragem das Nações Unidas na Costa do Marfim”. No entanto, apenas depois da retirada total das forças e a longo prazo é que se saberá se a missão foi ou não bem sucedida.
Foto: Getty Images/AFP/I. Sanogo
Libéria: missão cumprida
A intervenção da ONU na Libéria chegou ao fim. Desde o fim da guerra civil, que durou 14 anos, que a Missão da ONU na Libéria (UNMIL) tem assegurado a estabilidade na Libéria e ajudado a construir um Estado funcional. O Governo do país quer agora garantir a segurança da Libéria. O país ainda está a lutar com as consequências de uma devastadora epidemia do Ébola que o assolou.
Foto: picture-alliance/dpa/K. Nietfeld
Sudão: Etiópia é promotora da paz?
Os soldados da Força de Segurança Interina da ONU para Abyei (UNISFA) patrulham esta região, rica em petróleo, e que, tanto o Sudão, como o Sudão do Sul, consideram ser sua. Mais de quatro mil capacetes azuis da Etiópia estão no terreno. A Etiópia é o segundo maior contribuinte para a manutenção da paz no mundo. No entanto, o seu exército é acusado de violações de direitos humanos no seu país.
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Somália: Modelo futuro da União Africana?
As forças de paz da ONU na Somália estão a lutar sob a liderança da União Africana numa missão conhecida como AMISOM. Os soldados estão no país africano para combater os islamitas al-Shabaab e trazer estabilidade ao país devastado pela guerra. Etiópia, Burundi, Djibouti, Quénia, Uganda, Serra Leoa, Gana e Nigéria contribuem com as com suas tropas para a AMISOM.