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Analistas alertam para os riscos do financiamento chinês

Lusa | cvt
23 de setembro de 2018

Segundo especialistas, alto endividamento de Angola irá limitar futuros investimentos. Empenho chinês no país é reconhecido, mas custos das obras teriam sido altos. Reformas de João Lourenço estariam a resultar.

Angola Bucht von Luanda mit Skyline
Vista parcial da capital angolana, LuandaFoto: DW/V. T.

A consultora Fitch Solutions considerou este domingo (23.09) que o modelo de empréstimos pagos com petróleo, muito usado pela China no financiamento a África, nomeadamente a Angola, vai aumentar no continente, mas alerta para os riscos para ambos.

"Enquanto os empréstimos pagos em petróleos reduzem os riscos de pagamento para os financiadores chineses, evitando confiarem na capacidade do Governo angolano para cumprir as obrigações de pagar a dívida, salientamos que os altos níveis de endividamento em Angola, representando uns estimados 71,4% do PIB em 2018, vão limitar a capacidade para apoiar projetos de infraestruturas e restringir o crescimento da indústria da construção nos próximos anos", escrevem os analistas.

Fórum China-África, em PequimFoto: DW/S. Mwanamilongo

Numa nota sobre a crescente dependência de Angola do financiamento chinês, que vai chegar a mais de 40% da dívida total no seguimento de um acordo de financiamento de 11 mil milhões de dólares para 78 projetos de infraestruturas acordados em setembro, em Pequim, a Fitch Solutions escreve que "os custos de servir a dívida vão aumentar e, com o declínio das receitas petrolíferas, o orçamento deverá manter-se em défice até 2027".

Apesar dos riscos deste modelo, a Fitch Solutions reconhece que o apoio chinês a África, em geral, e a Angola, em particular, deverá acentuar-se devido às dificuldades de financiamento que os países africanos enfrentam devido aos altos níveis de dívida pública a que se sujeitaram no seguimento da descida dos preços das matérias-primas, desde 2014, e ao consequente impacto nas contas públicas e no crescimento económico, que chegou a atirar Angola para uma recessão desde 2016 e que se prolongou ainda no primeiro trimestre deste ano.

"Este acordo reflete, ainda assim, o considerável empenho da China no desenvolvimento das infraestruturas em Angola, que tem sido um dos maiores beneficiários do financiamento chinês na África subsariana", lê-se na nota enviada aos investidores.

Reconstrução dos caminhos de ferro de Benguela foi feita por uma empresa chinesaFoto: DW/N. sul Angola

Papel da China

"A China é o maior financiador estrangeiro de infraestruturas em Angola, num total de 22,4 mil milhões de dólares, segundo a nossa base de dados, e o financiamento chinês foi fundamental para o progresso dos maiores projetos de infraestruturas - incluindo os 6,4 mil milhões de dólares para o novo Aeroporto de Luanda, os 4,5 mil milhões para o projeto da central hidroelétrica de Caculo Cabaça e a reconstrução dos caminhos de ferro de Benguela, orçados em 1,8 mil milhões de dólares", acrescentam os analistas.

Estes e outros financiamentos fizeram o setor da construção crescer quase 17,5% ao ano entre 2008 e 2017, segundo a consultora Fitch Solutions, mas o ritmo deverá abrandar para quase um terço (6,4%) até 2027.

"O pacote de ajuda financeira de 11 mil milhões de dólares, que vale um sexto do total prometido para a África subsariana no Fórum de Cooperação China África, é prova deste empenho chinês, mas os altos níveis de dívida pública, as decrescentes receitas petrolíferas e o limitado espaço orçamental para apoiar o desenvolvimento de infraestruturas vai manter o crescimento económico abaixo do potencial", concluem os analistas.

Foto: picture alliance/J. Greve

Endividamento sensato

Também este domingo, a consultora Economist Intelligence Unit (EIU) alertou para a necessidade de Angola "endividar-se de forma sensata" sob perigo de entrar em situação de incumprimento financeiro, ou 'default', devido ao alto nível de endividamento. 

"O pagamento da dívida já é a maior rubrica de despesa em Angola e o país tem de equilibrar a sua necessidade de investimento com o endividamento sensato, se quiser evitar uma situação de 'default'", escrevem os peritos da unidade de análise económica da revista britânica The Economist.

Segundo uma nota enviada aos investidores sobre a relação entre China e Angola, os analistas advertem sobre o novo pacote de financiamento de 11 mil milhões de dólares, acordado entre as autoridades dos dois países no Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), que decorreu no princípio do mês em Pequim, e no qual o Presidente de Angola, João Lourenço, participou pessoalmente.

Entrada da sede do FMI, em Washington DCFoto: AP

"O novo pacote de crédito da China é significativo; no entanto, apesar de ajudar a desbloquear financiamento para pagar os tão necessários investimentos, também vai aumentar o fardo da dívida nacional", vinca a EIU, notando que o acordo é alcançado numa altura em que Angola já garantiu 4,5 mil milhões de dólares do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Em dezembro do ano passado, segundo os números oficiais citados pela unidade de análise económica da Economist, Angola devia à China mais de 21 mil milhões de dólares, "dos quais 5,2 mil milhões de dólares para o Banco de Importações e Exportações da China, e o restante a bancos públicos".

Este método, nota a EIU, "tem atraído críticas dentro e fora de Angola, principalmente em relação a importação de materiais e mão de obra chineses, que faz pouco pela criação de empregos locais e pelo desenvolvimento do setor nacional da manufatura".

O mesmo acontece, concluem os analistas, com os termos dos pagamentos dos empréstimos, "que levantam preocupações sobre se os empréstimos são realmente benéficos para Angola".

Caminhos de Ferro de BenguelaFoto: DW/N. Sul D'Angola

Mais transparência e responsabilidade nos investimentos

Angola precisa de mais transparência e responsabilidade no investimento em infraestruturas, onde gastou 87,5 mil milhões de dólares nos últimos 15 anos sem grandes resultados, sugere um estudo do Instituto de Relações Internacionais britânico. 

Estas são algumas das reformas sugeridas para corrigir as principais falhas apontadas, como a fraca supervisão do investimento público, excesso de ambição e orçamentos irrealistas, além de erros no planeamento ao nível da viabilidade ou dos riscos de corrupção. 

"Os projetos privilegiaram em excesso o transporte em detrimento de outras áreas de infraestruturas. Além disso, o financiamento pró-cíclico resultou na acumulação de dívida pública e acentuou uma vulnerabilidade estrutural à flutuação do preço do petróleo", escreve o autor, Søren Kirk Jensen.

João LourençoFoto: DW/Cristiane Vieira Teixeira

Intitulado "Angola's Infrastructure Ambitions Through Booms and Busts - Policy, Governance and Reform" ("As Ambições de Infraestrutura de Angola ao Longo dos Altos e Baixos - Políticas, Governação e Reformas, " na tradução literal para o português), a análise do Chatham House centra-se no período entre 2003 e 2016. 

Este coincide com o pós-guerra civil, quando o Governo angolano avançou com um programa de reparação, expansão e modernização das suas infraestruturas para promover o desenvolvimento social e económico. 

O regime de José Eduardo dos Santos foi ajudado pelo impulso económico dado não só pelas receitas da exploração do petróleo, mas também pela disponibilidade de crédito para financiamento destas obras, sobretudo oferecido pela China. 

Altos custos da corrupção

Mas Jensen analisou em detalhe o investimento feito nas redes de eletricidade e de estradas e concluiu que a relação custo-benefício relativamente ao investimento de 87,5 mil milhões de dólares entre 2002 e 2015 é reduzida. 

O serviço de eletricidade continua sem chegar a mais de metade da população e sofre de falhas frequentes e a rede viária foi reparada ou ampliada a um ritmo inconsistente.  

Numa estimativa aproximada, o especialista em assuntos africanos estima que cada quilómetro de estrada construído ou reabilitado terá custado, no pico do investimento, entre 2006 e 2008, perto de 682.762 dólares.

Ajuda do FMI a Angola será em "condições boas" - Lourenço

03:40

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Segundo Soren, estudos do Banco Mundial e da organização não-governamental Transparência Internacional encontraram sinais de que os custos de construção e manutenção de estradas são maiores em países com níveis mais altos de corrupção. 

"Esta constatação parece sustentar a noção de que os custos unitários são mais elevados em Angola do que no resto do continente, porque Angola tem sofrido ao longo do tempo de altos níveis de corrupção", acrescenta.

Avanços e novas perspectivas

O autor do relatório entende que as reformas introduzidas pelo Presidente angolano, João Lourenço, desde a sua entrada em função em 2017, vão no sentido de melhorar a governação e combater a corrupção. 

"As reformas anunciadas incluem algumas que abordam direta e indiretamente a governação de infraestrutura, embora estas ainda devam ser desenvolvidas em detalhe e implementadas", como a criação de um novo Ministério da Economia e do Planeamento, exemplifica. 

Søren Kirk Jensen enumera algumas medidas necessárias, como tornar operacional o Portal Nacional de Contratação Pública e inventariar todos os processos de licitação em andamento, além de divulgar o registo das construtoras envolvidas em projetos de obras públicas. 

Defende também que Angola deve adotar normas internacionais de transparência, como divulgar elementos como o âmbito do projeto, o custo e a data de conclusão e os investimentos devem ser acompanhados de estudos de impacto social e viabilidade económica.

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