Analistas angolanos querem inquérito ao caso Telstar
Borralho Ndomba
26 de abril de 2019
Presidente angolano anunciou um novo concurso para a quarta operadora de telecomunicações no país. Mas o caso Telstar continua a levantar dúvidas. Imagem de João Lourenço pode ser prejudicada se não houver um inquérito.
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Há uma semana, o Presidente angolano anulou o concurso público que escolheu a Telstar como quarta operadora móvel de Angola. Entretanto, esta quinta-feira (25.04), João Lourenço assinou um despacho que estabelece as regras e procedimentos para a abertura de um novo concurso, "em obediência aos princípios da transparência e concorrência".
Foi criado um grupo de trabalho que será responsável pelo processo, coordenado pelo ministro das Finanças, Archer Mangueira, e que engloba também os titulares das pastas das Telecomunicações e Tecnologias de Informação, José Carvalho da Rocha, e da Economia e Planeamento, Pedro Luís da Fonseca.
Dúvidas persistem
Analistas angolanos querem inquérito ao caso Telstar
Analistas defendem a abertura de um inquérito para averiguar as supostas irregularidades no processo. Os especialistas ouvidos pela DW África suspeitam que houve corrupção no caso, que motivou muitos cidadãos a exigirem a exoneração de José Carvalho da Rocha, o ministro das Telecomunicações.
Como é que uma empresa que não apresentou resultados operacionais nos últimos três anos venceu o concurso público para obter uma licença como quarta operadora de telefonia móvel? E porque é que o ministro da tutela garantiu que se cumpriram todas as normas, mas a Presidência anulou o concurso um dia depois?
O investigador e comentador político angolano Augusto Báfua Báfua entende que a Procuradoria-Geral da República (PGR) se deve pronunciar. "Parece-me que há indício de alguma atividade menos boa, para não dizer de possível corrupção. O Presidente diz que não foi cumprido um dos pressupostos, que era a conta dos últimos três anos, e o próprio ministro disse que foi tudo cumprido. Então, nesta dissonância, me parece que houve um atropelo à lei. A única entidade capaz de resolver isto é mesmo a Procuradoria-Geral da República", diz Báfua Báfua à DW.
Imagem de João Lourenço em risco
Sem um inquérito ao caso, a imagem do Presidente João Lourenço pode ficar beliscada, afirma José Patrocínio, o coordenador da organização não-governamental OMUNGA. Patrocínio quer saber se houve, ou não, indício de crime no polémico concurso público.
"Ficamos sem saber se o Presidente não tem peito, ou se não tem vontade, porque realmente não há mudanças concretas no quadro auxiliar do Executivo. É necessário que o Presidente nos ajude a clarificar", afirma.
"É preciso que nos esclareçam qual foi o motivo real do cancelamento. Se foi por falta de transparência, isto obriga o Presidente a avançar com responsabilização. Agora se se começar a pensar em demissão, quem deve demitir-se é o Presidente da República".
Além de uma investigação ao processo, José Patrocínio defende a criação de uma entidade específica para monitorar os concursos públicos e os contratos do Estado com as empresas.
O ativista angolano Benedito Jeremias questiona a razão de o ministro das Telecomunicações e Tecnologias de Informação, José Carvalho da Rocha, continuar até ao momento no Governo.
Por outro lado, critica o Presidente João Lourenço por não ter anunciado ainda um inquérito - sobretudo, porque a Telstar só foi criada há pouco mais de um ano, sendo o seu acionista maioritário um general: Manuel João Carneiro. "É estranho que um general sem nenhum historial no ramo empresarial apareça com um investimento de 90%. Neste país temos empreendedores. O mercado económico não pode ser dominado por generais e políticos. Sabemos que a experiência anterior é que faliu este país", afirma o ativista.
"Se o Presidente não autorizou até ao momento um inquérito é porque sabe que faz parte deste problema. Se fosse uma pessoa idónea, neste momento já teria constituído uma equipa para inquirir o que se passou", acrescenta.
Certificado de incompetência
Face a tudo isto, o analista Augusto Báfua Báfua acredita que o ministro da tutela, José Carvalho da Rocha, tem "os dias contados" no Governo de João Lourenço. O anulamento do concurso público terá sido um "certificado de incompetência" para o governante.
"Vejo um ministro das Telecomunicações e Tecnologias de Informação praticamente interino. É uma questão de tempo para a sua exoneração. Não é possível que, com uma retirada forte de confiança ou mesmo passagem de um certificado de incompetência ao ministro, as coisas continuarem", comenta Báfua Báfua.
Esta semana, a Telstar garantiu, em comunicado, que "cumpriu de forma escrupulosa" as normas do primeiro concurso, anulado há uma semana pelo Presidente angolano. Mas os analistas ouvidos pela DW consideram a reação da empresa pouco convincente.
"Heróis de hoje": Os mais votados pelos leitores da DW África em 2015
Durante um mês, a DW África pediu aos seus leitores sugestões para "heróis de hoje". Chegaram numerosas respostas e muitas concentraram-se numa dúzia de pessoas. Saiba quem foram os "heróis de hoje" mais votados.
Foto: Maka Angola
12° lugar: William Tonet
O jornalista angolano foi a décima segunda pessoa mais votada pelos ouvintes da DW como "herói de hoje". Tonet é diretor e proprietário do semanário independente "Folha 8" e um dos jornalistas mais conhecidos de Angola. No ano passado, foi constituído arguido num processo que lhe foi movido pelos serviços secretos angolanos por difamação e injúria. Tratou-se da 98ª vez que Tonet foi processado.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
11° lugar: Nelson Mandela
Embora tenha sido um concurso da DW África à procura de "heróis de hoje", Nelson Mandela reuniu um número grande de propostas. O ex-Presidente da África do Sul (de 1994 a 1999) e líder da luta contra o regime racista do "Apartheid" faleceu no dia 5 de dezembro de 2013. Mesmo assim, continua ser um símbolo mundial da luta por uma sociedade mais justa e sem discriminação racial.
10° lugar: Jonas Malheiro Savimbi
Mais um político já falecido fica no décimo lugar. Jonas Savimbi foi guerrilheiro e líder histórico da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) durante mais de 30 anos. Combateu o colonialismo português e depois da independência de Angola em 1975, o Governo do MPLA. Após a morte de Savimbi em combate em 2002, a UNITA assinou um acordo de paz e passou a ser um partido político.
Foto: Getty Images/Keystone
9° lugar: Samora Machel
O nono lugar dos "heróis de hoje" mais votados também pertence a um político já falecido. Samora Moisés Machel foi líder da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), de inspiração marxista. A seguir à independência de Moçambique, em 1975, tornou-se o primeiro Presidente do país. Em 1986, morreu num acidente de aviação, cujas causas continuam por esclarecer, nos Montes Libombos, África do Sul.
Foto: Getty Images/Keystone
8° lugar: Carlos Serra Júnior
O jurista é o ambientalista moçambicano mais conhecido. Ficou famoso pelas suas campanhas contra o desmatamento descontrolado das florestas do seu país. Denunciou práticas ilegais dos madeireiros e dos compradores dos troncos, que em muitos casos acabaram por ser exportados para a China. Ultimamente, Carlos Serra envolveu-se em campanhas contra sacos plásticos e a favor da limpeza das praias.
Foto: privat
7° lugar: Os 15 ativistas detidos em Angola
Muitos ouvintes da DW votaram nos 15 ativistas que estão detidos desde junho, sob a acusação de planearem um golpe de Estado. Vários também votaram em Nito Alves (na foto), o jovem que já foi preso em 2014 depois de ter mandado imprimir camisolas com dizeres considerados ofensivos sobre o Presidente angolano. O rapper Luaty Beirão ("Brigadeiro Mata Frakus") foi outro ativista preso muito votado.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
6° lugar: Afonso Dhlakama
Assumiu a liderança da RENAMO após a morte do primeiro presidente do movimento, André Matsangaíssa, em 1979. Em 1992, assinou um acordo de paz com o Governo da FRELIMO pondo fim à guerra civil. Candidatou-se cinco vezes à Presidência e lidera a oposição moçambicana. Dhlakama goza de popularidade entre os ouvintes da DW, apesar dos confrontos armados dos últimos anos entre a RENAMO e o Governo.
Foto: António Cascais
5° lugar: David Mendes
O advogado é conhecido como um dos maiores defensores dos direitos humanos, das liberdades e do Estado de Direito em Angola. Nos últimos anos, David Mendes defendeu muitos prisioneiros políticos como Nito Alves. Como membro da organização não-governamental Associação Mãos Livres é uma das vozes mais relevantes da sociedade civil angolana.
Foto: DW/P.B. Ndomba
4° lugar: Brigadeiro Dez Pacotes
O músico angolano Brigadeiro Dez Pacotes recebeu muitos votos dos ouvintes da DW, que louvaram a sua coragem de enfrentar o Governo do MPLA. Em 2011 (na foto), num vídeo no portal Youtube, criticou a censura do seu disco "Ditadura da Pedra" , cuja venda foi proibida pelo Ministério da Cultura. É tido como uma das vozes mais conhecidas dos chamados "jovens revolucionários" angolanos.
Foto: Screenshot Youtube
3° lugar: Azagaia
O rapper moçambicano Azagaia (Edson da Luz) tornou-se famoso através da sua música "Povo no Poder", sobre os protestos contra o aumento dos preços dos táxis coletivos, os chamados "chapas", em 2008. Várias emissoras estatais deixaram de tocar a música. Nos anos seguintes, o cantor fez jus aos seu nome artístico quando lançou críticas ácidas ao Governo da FRELIMO e contra a violência policial.
Foto: DW/R.d.Silva
2° lugar: Alice Mabota
Em segundo lugar está a advogada moçambicana Alice Mabota, a única mulher dentro dos 12 "heróis de hoje" mais votados pelos ouvintes da DW África. Durante muitos anos, foi uma das vozes mais ativas da sociedade civil de Moçambique como presidente da organização não-governamental Liga dos Direitos Humanos (LDH). Como advogada, Alice Mabota também defendeu António Muchanga, o porta-voz da RENAMO.
Foto: DW/Leonel Matias
1° lugar: Rafael Marques
No pódio como "herói de hoje" dos ouvintes da DW África está o jornalista angolano Rafael Marques. Denuncia a corrupção em Angola através do seu portal Maka Angola e tem sido uma das vozes mais críticas em relação ao Governo de José Eduardo dos Santos (MPLA). Recentemente, foi condenado a seis meses de prisão suspensa, acusado de denúncia caluniosa por causa do seu livro "Diamantes de Sangue".