Angola: é preciso mais discussão sobre o tema do aborto
Marta Melo
17 de março de 2017
Votação do novo Código Penal em Angola deve ser adiada, a pedido do MPLA, por ser preciso mais debate sobre temas como o aborto. Igreja respeita decisão e AJPD aplaude. Mesmo assim, mulheres pedem despenalização.
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A proposta inicial do novo Código Penal em Angola proibia a interrupção voluntária da gravidez, com pena de prisão, e apresentava também algumas causas de exclusão de ilicitude do crime. Entre estes casos estava o perigo de vida da mãe, inviabilidade do feto e violação que resulte em gravidez.
Mas com a discussão na especialidade, o documento passou a determinar a proibição do aborto, sem qualquer tipo de exclusão.
Essa era a proposta a ser debatida na próxima quinta-feira, 23 de março, na Assembleia Nacional. No entanto, o Grupo Parlamentar do MPLA, vai propor o adiamento porque, considera, é necessário debater mais alguns temas – entre eles a questão do aborto.
Esperadas mudanças
O atual Código Penal criminaliza o aborto, mas ainda assim prevê exceções, como os casos de violação. Na revisão, e face à realidade do país, Lúcia da Silveira, da Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), admitia mudanças.
"Atualmente o aborto é criminalizado, mas depois de tantos anos esperava-se que, na nova proposta, se pudesse evoluir um pouco, tendo em conta o nosso contexto. Há muitas mulheres que ainda morrem em função de um aborto mal feito, que recorrem ao aborto clandestino, porque não podem recorrer a um serviço adequado e seguro, sem comprometer a sua vida.”
Para Lúcia da Silveira a vontade da mulher deve ser respeitada: "a mulher é a primeira e última pessoa que deve dizer se quer ou não continuar com uma gravidez”.
Por sua vez, a Igreja defende a vida como valor absoluto e, segundo o porta-voz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), José Manuel Imbamba, os casos excecionais não se devem transformar em norma.
"Devem ser tratados mesmo como casos excecionais. E mesmo nesses casos excecionais, o princípio sacro-santo que deve ser salvaguardado é mesmo a defesa da vida. A vida deve ser defendida a qualquer nível”, afirma.
Mesmo nos casos de violação das mulheres, o bispo diz que a Igreja "tem condições” para ajudar psicologicamente as mulheres bem como "acolher” as crianças.
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O bispo José Manuel Imbamba diz respeitar a decisão do adiamento da discussão e defende, face a um tema "sensível” como este, que não se devem tomar "posições musculadas”. Sobre o debate a que se tem assistido, diz, "é mais uma exaltação do direito feminino”.
"Como se a vida que está no ventre da mãe fosse propriedade dessa mãe. Não. Nós defendemos que aquela vida é vida. É única. É só ela. De modo que não é parte do corpo da mãe nem do querer da mãe. Portanto deve ser ajudada a nascer para poder usufruir de tudo aquilo que merece enquanto pessoa”, argumenta.
Já a Associação Justiça, Paz e Democracia fala do adiamento como "uma boa jogada”: "a maior parte dos cidadãos que votam são mulheres. O Governo, obviamente, tem de prestar atenções a estas questões”, acrescenta Lúcia da Silveira.
"Quando você aprova uma lei e você tem uma resposta tão imediata de um número considerável de mulheres com opiniões fortes, mulheres que tem estado a dar a sua opinião sobre várias questões na sociedade, obviamente que deve ser repensado e dar a possibilidade de ouvir essas mulheres antes de se avançar. Penso que foi uma ótima decisão do Governo”, sublinha.
Mulheres na rua
Com ou sem votação na próxima semana, na rua, este sábado (18.03), estará a voz pela despenalização do aborto. "Chega de Mulheres Mortas por Abortos Clandestinos” é o lema da marcha que está agendada para a capital angolana.
Âurea Mouzinho é a porta-voz do grupo de mulheres que organiza a marcha. "Nós entendemos que uma despenalização em absoluto é necessária para garantir os direitos das mulheres – os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”.
A ativista afirma que a legislação do país sempre contemplou exceções e apesar disso não houve menos mortalidade materna. "Pelo contrário”, repara Aurea Mouzinho, acrescentando que, segundo as agências noticiosas públicas, "10% das mulheres que morrem no hospital de Luanda são por causa de abortos clandestinos e inseguros”.
O grupo de mulheres entregou, esta semana, uma declaração à Assembleia Nacional a pedir a despenalização do aborto até às 12 semanas.
Esta sexta-feira (17.03), em comunicado, a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch apelaram ao Governo angolano para "permitir que os manifestantes exerçam o seu direito à liberdade de expressão e de manifestação pacífica".
Ser mulher na Guiné-Bissau significa vida dura
A maioria das mulheres guineenses tem uma vida difícil. Têm de percorrer dezenas de quilómetros para ir buscar lenha. Muitas morrem ainda jovens. A taxa guineense de mortalidade materna é uma das mais altas do mundo.
Foto: DW/B. Darame
Primeira a acordar, última a ir dormir
No campo, uma mulher trabalha a dobrar. Costuma acordar antes dos restantes membros da família e é a última a deitar-se no final do dia. São as mulheres que têm de caminhar até à mata para procurar lenha e água, às vezes em zonas de difícil acesso, a vários quilómetros da aldeia, como nesta fotografia na vila de Quinhamel, na região de Biombo, no norte da Guiné-Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Vender para sustentar a família
Com um pano estendido no chão, as vendedoras vão expondo os seus legumes, malaguetas verdes, pepinos, cenouras, alfaces. São cultivados em quintais ou em pequenos campos. "Vender para sustentar a família" é o lema das mulheres guineenses. Mais de metade vende em feiras improvisadas, como aqui no Mercado de Bandim, o maior mercado de céu aberto da cidade de Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Economia dominada por homens
À beira das estradas, as mulheres sentam-se em bancos e mesas de madeira e vendem laranjas, mangas, bananas e outros frutos - como aqui em Bissack, bairro nos arredores de Bissau. As vendedoras têm uma receita que ronda os 10 euros diários. Em média, uma guineense consegue ganhar 907 dólares por ano, bastante menos que os homens que conseguem em média 1.275 dólares.
Foto: DW/B. Darame
Recolher areia para sobreviver
Tia Nhalá não sabe que idade tem, mas sabe que todos os dias deve acordar cedo, às 05h00, para recolher areia no bairro de Cuntum, em Bissau. Sem qualquer proteção no rosto, sem luvas e pés descalços, Nhalá, que aparenta ter 67 anos, trabalha duramente durante largas horas. Recolhe areia que depois vende a pessoas que a usam em obras de construção civil.
Foto: DW/B. Darame
Venda ambulante em condições perigosas
No Bairro de Belém, em Bissau, meninas deambulam de porta em porta para vender frutas. Organizações da sociedade civil denunciaram já várias vezes que as vendedoras ambulantes correm riscos, como o de serem violadas sexualmente, pois estão muito expostas e vulneráveis. Também há denúncias de que algumas mulheres são forçadas a fazer esse trabalho.
Foto: DW/B. Darame
Vender peixe é um bom negócio
As vendedoras de peixe geralmente possuem arcas velhas para a conservação do pescado. Colocam-nas nos portos - como aqui na Ilha de Bubaque (Bijagós) - para servir de local de armazenamento quando receberem peixe fresco dos pescadores. Nos últimos anos, a venda de peixe tornou-se num dos negócios mais rentáveis para as mulheres guineenses.
Foto: DW/B. Darame
Um dos piores países para ser mãe
As condições precárias nas zonas rurais da Guiné-Bissau têm reflexos nas estatísticas: em 126 partos morre uma mulher, segundo dados das Nações Unidas. Em comparação, no Japão, em 20.000 partos morre uma mulher. A taxa de mortalidade materna na Guiné-Bissau é uma das mais altas do mundo. Ainda assim, não existe no país uma estratégia política dirigida à mulher no meio rural.
Foto: DW/B. Darame
País difícil para as crianças
Cada mulher guineense tem em média cinco filhos. O país tem uma das taxas de fecundidade mais altas do mundo. Mas muitas crianças não chegam a celebrar o seu quinto aniversário. Segundo dados das Nações Unidas, 129 de 1.000 crianças morrem até aos cinco anos de idade, muitas durante no parto, o que torna a Guiné-Bissau um dos piores países do mundo para se nascer.
Foto: DW/B. Darame
Trabalhos domésticos no feminino
Em Mansoa, região de Oio, norte da Guiné-Bissau, as casas de adobe agrupadas debaixo de enormes árvores desenham intricados caminhos onde secam redes de pesca, peles de antílopes e roupas rasgadas de criança. A comida prepara-se num fogão improvisado a lenha, em frente da casa. Trabalhos domésticos como cozinhar, cuidar das crianças ou limpar cabem tradicionalmente às mulheres.
Foto: DW/B. Darame
Carregar à cabeça é a única solução
Nas zonas mais recônditas da Guiné-Bissau, como na aldeia de Suru, região de Biombo, a cerca de 20 quilómetros de Bissau, não há uma rede de estradas que facilite o transporte das mercadorias. Não há carros que façam as ligações entre as aldeias. Carregar à cabeça, por vezes mais de cinco quilos, é a única solução para que essas mulheres possam fazer chegar os produtos ao destino.
Foto: DW/B. Darame
Lenha e água a quilómetros de distância
Nas mais de 80 ilhas e ilhéus completamente isolados e sem grande presença do Estado guineense, as populações vivem no regime do "salva-se quem poder". As mulheres percorrem dezenas de quilómetros para ir buscar lenha e água potável. Em muitos casos - como aqui na Ilha de Bubaque (Bijagós) - atravessam rios caminhando, com os pés descalços, sem roupas adequadas e carregadas.
Foto: DW/B. Darame
Ultrapassando rios e braços de mar
Devido à falta de barcos nas aldeias insulares do arquipélago dos Bijagós, o fornecimento e o transporte de bens é extremamente difícil. É recorrente ver mulheres atravessando rios ou braços de mar bastante profundos. Estes caminhos para procurar lenha e água doce são bastante perigosos para quem não sabe nadar.
Foto: DW/B. Darame
Desigualdade começa na educação
A maioria das mulheres guineenses vive em situação de extrema pobreza. Em médias, as mulheres frequentaram a escola apenas 1,4 anos, menos de metade do que os homens guineenses, que têm em média 3,4 anos de escolaridade, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. Só investindo na educação e na saúde será possível melhorar a situação das mulheres da Guiné-Bissau.