UNITA interpõe ação judicial com cidadãos comuns contra órgãos de comunicação social públicos por considerar que “ações interpostas por partidos não têm respaldo nos órgãos judiciais”. Em causa, favorecimento do MPLA.
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A UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), maior partido de oposição em Angola, apresentou, em conjunto com cidadãos comuns, uma ação popular no Tribunal de Luanda, contra os meios de comunicação social do Estado. O grupo denuncia o "favorecimento" do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), partido no poder, "em detrimento dos outros partidos".
Em entrevista à DW África, a vice-presidente da UNITA, Navita Ngolo, afirma que não há uma cobertura imparcial dos assuntos políticos, em especial neste período em que o país se prepara para as eleições gerais, marcadas para o próximo dia 23 de agosto.
DW África: Como está o Governo angolano a interferir na cobertura dos meios de comunicação públicos a fim de favorecer a campanha do MPLA?
Navita Ngolo (NV): A cobertura parcial dos orgãos de comunicação social desde que começou a pré-campanha eleitoral para as eleções em Angola está a violar aquilo que está estipulado no artigo 17º da Constituição da República, e que diz que os órgãos de comunicação social devem tratar de forma igual todos os partidos políticos. Na Televisão Pública de Angola (TPA), Rádio Nacional de Angola (RNA) e Jornal de Angola, [a lei] tem sido constantemente violada. Todos os dias, a capa do Jornal de Angola fala do candidato do MPLA. A TPA, em tempos de antena, fica praticamente entre quarenta minutos e uma hora a falar sobre o partido político [no poder] e das suas ações. As ações dos outros partidos, quando são apresentadas, têm apenas dois ou três minutos, e ainda por cima as informações inerentes aos outros partidos são manipuladas.
DW África: Em fevereiro, a UNITA apresentou um protesto formal ao Conselho Nacional de Comunicação Social em que acusava os media estatais de "tratamento diferenciado” na pré-campanha para as eleições gerais. O partido já obteve uma resposta?
NV: Infelizmente ainda não. O protesto foi apresentado num plenário da Assembleia Nacional. Tudo o que vamos ouvindo como resposta é que os meios de comunicação social estão à procura de novidades, como se o candidato do MPLA fosse uma novidade e os outros candidatos não. Esta atitude tem demonstrado a falta de separação de poderes do Presidente da República. Há uma subalternização clara dos órgãos de soberania do Estado, a partir da Assembleia e do poder judicial e a comunicação social está ao serviço de um partido e esquece-se que os meios públicos são património público e devem ser isentos de apoiar quem quer que seja.
DW África: Agora uma ação popular feita por um grupo de cidadãos foi interposta no Tribunal de Luanda. Qual a razão de, nesta interposição, a UNITA se apresentar como um grupo de cidadãos e não como um partido político da oposição?
NV: Se o interesse público estiver em causa, e está em causa a legalidade e a prestação de um serviço público, a lei diz que qualquer cidadão, individualmente ou através de uma associação ou de um grupo, pode tentar uma ação popular no sentido de repor/anular ações que ponham em causa a legalidade e usurpação de um determinado direito. Nós, deputados, e outras individualidades, convidámos também cidadãos comuns para que não haja uma conotação com um partido político, já que, normalmente, as ações interpostas por partidos políticos não têm respaldo nos órgãos judiciais.
DW África: E por que apenas a poucos meses das eleições é que esta ação está a ser levada a cabo? Acha que vai ter algum efeito?
NV: É exatamente por causa das eleições. Se é verdade o que o senhor Presidente da República afirma, que quer eleições livres, transparentes e justas, esta altura do campeonato em que a formação da opinião pública é importante para os resultados eleitorais é a ideal, no sentido de corrigir a postura desses orgãos de comunicação social que devem estar ao serviço dos cidadãos e que devem informar com a verdade. O que se está a passar com estes orgãos é uma intoxicação das mentalidades dos angolanos, isto é até uma questão de saúde pública. Esperemos que num tempo razoável, o Tribunal de Luanda nos dê a resposta necessária.
DW África: Na sua opinião, antes da pré-campanha os meios de comunicação do Estado tinham uma postura imparcial?
NV: Não. E no país, apesar da Constituição dizer que estamos num Estado democrático e de direito, os órgãos de comunicação social têm sido um indicador claro de que ainda precisamos de pecorrer um longo caminho para que a democracia venha para Angola.
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.