Angola: Segurança do Estado terá de prestar contas
Lusa
23 de julho de 2021
Governo quer dar "maior transparência" à despesa no setor, "dado os desenvolvimentos recentes". Tema tem sido recorrente, na sequência da detenção do major Pedro Lussaty, ligado à Casa de Segurança do Presidente.
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O Governo angolano vai definir um "regime especial de cobertura, execução e prestação de contas" às despesas canalizadas aos órgãos de segurança do Estado, visando "maior transparência" à despesa nesse setor "dado os desenvolvimentos recentes".
Segundo a secretária de Estado das Finanças para o Orçamento angolano, Aia Eza da Silva, que falava esta sexta-feira (23.07) no Parlamento, a "claridade na prestação de contas" constitui um assunto que norteia as ações do Ministério das Finanças no âmbito da transparência.
"Os desenvolvimentos recentes, que todos nós temos acompanhado, têm nos dado cada vez mais lucidez e cada vez mais noção da importância que tem este assunto (prestação de contas) e nós estamos a tratar", afirmou a governante angolana em resposta a um deputado.
Regime devia estar ligado à Assembleia, diz CASA-CE
O deputado da Convergência Ampla de Salvação de Angola -- Coligação Eleitoral (CASA-CE), André Mendes de Carvalho, defendeu a necessidade da criação de um "regime especial de cobertura, execução e de prestação de contas às despesas especiais aos órgãos de soberania e serviços públicos que realizam funções de segurança interna e externa do Estado integrados no Sistema Nacional de Segurança".
"João Lourenço, em 2022 vais gostar"
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Para o deputado da CASA-CE, que falava durante a discussão e votação do projeto de resolução sobre a apreciação do relatório de execução do Orçamento Geral do Estado (OGE) referente ao quarto trimestre de 2020, apenas o referido regime pode conferir "melhor acompanhamento às despesas ligadas aos Fundos Financeiros Especiais de Segurança".
"Essa prestação de contas era suposto ser feita através desse regime especial em termos que assegure o caráter reservado ou secreto dessas funções e o interesse público com eficácia, prontidão e eficiência", disse o deputado.
"Sucede que este regime especial até ao momento não está criado e mesmo que fosse criado é nosso entendimento que este regime especial deveria estar ligado à Assembleia Nacional, porque a Constituição atribuiu essa competência à Assembleia Nacional, que aprova o OGE e que tem de certificar que as despesas realizadas foram feitas de forma correta e que as contas estão certas", argumentou.
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"Com esse dinheiro, posso comprar uma casa em Cascais"
André Mendes de Carvalho, também almirante na reserva, considera igualmente que o controlo das despesas canalizadas aos órgãos de segurança do Estado "não pode continuar sem solução" legal: "Porque é mesmo por aqui onde se perde uma enorme quantidade de dinheiro".
"Porque não se tem um mecanismo de fiscalização adequado e eu, com esse dinheiro, posso comprar uma casa em Cascais" ironizou ainda o deputado.
A questão da prestação de contas dos órgãos de segurança do Estado tem sido uma abordagem recorrente em vários círculos em Angola, na sequência de detenção do major Pedro Lussaty, ligado à Casa de Segurança do Presidente da República angolano, após ser encontrado com elevadas somas de dinheiro em malas, caixotes e em viaturas.
O oficial das Forças Armadas Angolanas (FAA) está indiciado pelos crimes de corrupção, retenção de dinheiro e associação criminosa, facto que deu origem a exonerações e detenção de vários outros oficiais alegadamente implicados no processo.
Esta sexta-feira, a secretária de Estado das Finanças para o Tesouro, sem especificar, referiu que os desenvolvimentos recentes "têm dado maior lucidez" às autoridades, afirmando que o "trabalho (de controlo e fiscalização) envolve não apenas o Ministério das Finanças". Mas, notou, é um trabalho que envolve vários órgãos inclusive o parlamento e nós no momento certo vamos trazer as propostas para ver qual o caminho a seguir".
"Para também neste quesito (órgãos de segurança do Estado), nós tenhamos maior transparência dentro da perspetiva desta despesa, que é uma despesa que não pode ser totalmente aberta, ou seja, mostrada em determinados fóruns", rematou Aia Eza da Silva.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.