Angola: "A palavra 'manifestação' incomoda o Governo"
8 de março de 2023Foi a 7 de março de 2011 que vários jovens angolanos, motivados pela revolução da Primavera Árabe, desafiaram o regime do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) com a realização da primeira manifestação que exigiu o fim dos longos anos de governação do então Presidente da República, José Eduardo dos Santos.
A ação foi reprimida pelas autoridades e vários jovens foram feridos e detidos. Passados 11 anos, o direito à manifestação continua a ser violado pelas autoridades.
Durante este período, os protestos de rua contra a má governação resultaram em várias mortes, prisões, julgamentos e condenações. Muitos jovens vivem ainda com as sequelas das depressões.
Direito à manifestação
Elisabete Campos, ativista que foi várias vezes vítimas da brutalidade policial contra os manifestantes, diz ser difícil exercer o direito consagrado na Constituição.
"Até agora temos perseguições, temos cadeias e não conseguimos realizar uma marcha pacífica, mesmo informando às autoridades sobre a realização de uma marcha pacífica. A marcha deixa de ser pacífica quando a polícia começa a bater", queixa-se Elisabete.
No último sábado (04.03), mais um exemplo desta repressão. A polícia impediu a realização de um concerto que visava protestar contra a execução sumária de oito jovens em Cacuaco.
O músico Jaime MC, que promoveu o evento, mostra-se indignado com ação das autoridades. "Temos uma polícia despida de ética, que não conhece o que é uma polícia republicana. E temos um Presidente que finge que o país está bom", critica.
Não há repressão, segundo JLo
A restrição ocorreu dias depois de o Presidente João Lourenço afirmar, em entrevista à RFI, que não há repressão contra os manifestantes em Angola.
No entanto, a advogada Margareth Nangacovie entende que os protestos são reprimidos "quando as manifestações e os manifestantes não estão alinhados à agenda dominante".
"Então, temos aqui um contexto que não é só as insatisfações que têm grave problema de eficácia de funcionamento, como as próprias garantias que estão na lei não se efetivam", acrescenta.
Por seu turno, o ativista Hitler Chiconde classifica como "demagogia" as declarações de João Lourenço sobre a questão das manifestações.
"É um discurso demagogo e repleto de ignorância. O Presidente demonstrou que ou não conhece a realidade do país que governa. A repressão das manifestações faz parte da natureza do regime. A palavra ‘manifestação' incomoda o Governo. Não é à toa que que uma palestra como esta que realizamos incomodou o regime. É a palavra manifestação que lhes criou uma certa preocupação", afirma.
Manifestantes detidos
Hitler diz que os manifestantes são detidos a partir de casa dias, antes das manifestações, "para inviabilizar um direito consagrado na Constituição".
Apesar das repressões, o ativista e rapper Alfarrábio Cogitabundo defende que as manifestações devem continuar.
"A gente deve saber se impor. E saber se impor é realizar manifestações ainda que sejam contrárias àquilo que querem que não realizamos. Temos que insistir por mais que façam repressões. Por mais que peçam que a gente não saia, a gente vai continuar a sair às ruas", defende.
Os ativistas falavam nesta terça-feira (07.03), em Luanda, num evento convocado pelo movimento cívico Mudei e o Movimento Hip Hop de Intervenção Terceira Divisão, para refletir sobre o direito à manifestação em Angola.