O acesso à Justiça é um direito constitucionalmente consagrado. Mas nem todos os angolanos que veem os seus direitos violados encontram nas instituições jurídicas a sua reposição. ONG Mãos Livres põe o dedo na ferida.
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A falta de meios financeiros para constituir um advogado é a primeira razão apontada por Salvador Freire, presidente da Associação Mãos Livres, uma das poucas organizações que prestam assistência jurídica gratuita aos cidadãos em quase todo o país.
A segunda é a falta de consciência jurídica dos cidadãos, "para que quando tenham os seus direitos violados possam recorrer, possam reivindicar às instituições de direito para serem resolvidos estes diferendos. Mas, infelizmente, há ainda um nível baixo de consciência jurídica", diz Freire.
E mesmo quando há consciência jurídica, muitos cidadãos ficam sem acesso à Justiça em algumas províncias devido à escassez de advogados. De acordo com um relatório da ONG Justiça Paz e Democracia (AJPD), publicado em 2017, há regiões angolanas onde existe apenas um advogado.
"Há províncias que nem sequer têm advogados, é preciso ter isso em conta", sublinha.Salvador Freire. "Há advogados que são passageiros, não estão fixados nestas províncias e vão, de vez em quando, para resolver alguns conflitos", explica.
A Ordem dos Advogados de Angola, outra instituição que presta assistência gratuita aos cidadãos, recebe mais de 10 casos por dia. Mas queixa-se da falta de capacidade financeira para prestar o serviço.
Governo não dá apoio
Angola: Acesso à Justiça não é para todos
A ONG Mãos Livres também se queixa da falta de apoio por parte do Estado: "As organizações que estão ligadas aos direitos humanos, fundamentalmente a nossa que tem estado a envidar um esforço para a defesa dos direitos humanos e de cidadãos desprovidos de recursos financeiros, nunca [obtiveram] um único kwanza do Governo angolano."
Salvador Freire entende, por exemplo, que já era tempo de a sua organização ser elevada à categoria de utilidade pública, à semelhança do Movimento Nacional Espontâneo. E lembra que, só no ano passado, atendeu a mais de dois mil casos.
Ainda assim, o responsável da ONG diz ser necessário consciencializar a sociedade para uma cultura jurídica. A sua organização leva a cabo uma campanha de sensibilização na Rádio Despertar, afeta à União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), O maior partido da oposição, e no jornal O Crime.
"Temos um programa de rádio no qual discutimos vários temas, informamos sobre os procedimentos que os angolanos devem ter quando têm os seus direitos violados, temos uma página num jornal onde, de 15 em 15 dias, inserimos um artigo relacionado com vários problemas e, consequentemente, várias outras denúncias que temos vindo a fazer", conta Salvador Freire.
O advogado faz ainda um apelo: "Pedimos ao angolanos que reivindiquem cada vez mais os seus direitos, não aceitem e não deixem que sejam violados os seus direitos, devem fazer denúncias destes casos."
"Este julgamento é uma palhaçada"
Presos desde junho de 2015, os 15 ativistas aguardam o desfecho do julgamento desde setembro. Recentemente, Nito Alves classificou o julgamento como uma "palhaçada", o que lhe valeu uma condenação a seis meses de prisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Este julgamento é uma palhaçada"
Depois de quase seis meses de julgamento, Manuel Nito Alves, um dos 15 ativistas detidos desde junho, afirmou que todo o processo era uma "palhaçada". A afirmação valeu-lhe uma condenação a seis meses de prisão. A Central Angola 7311 resolveu criar várias imagens, onde os ativistas surgem com maquilhagem de palhaço, para desmascarar o "circo" em que estão envolvidos.
Foto: Central Angola 7311
Reclusos do Zédu
No início do julgamento, a 16 de novembro do ano passado, os ativistas chegaram a tribunal com t-shirts onde tinham escritas frases de protesto. Luaty Beirão, um dos revus, afirmou na altura que "Vai acontecer o que o José Eduardo decidir. Tudo aqui é um teatro".
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Ao longo dos vários meses de processo, foram vários os protestos que aconteceram nas ruas de Luanda e de outras cidades. A Amnistia Internacional pede a liberdade dos prisioneiros de consciência, que se mostram bastante desgastados psicologicamente.
Foto: Reuters/H. Corarado
Prisão domiciliária desde dezembro
Em dezembro, o Tribunal Constitucional de Angola decretou o fim da prisão preventiva dos 15 ativistas. No acórdão era possível ler-se que "cabe ao juiz da causa determinar a medida de coação a aplicar nos termos da lei". A Procuradoria Geral da República propôs a alteração da medida de coação para prisão domiciliária.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Prisão domiciliária sem fundamento
Em fevereiro, o Tribunal de Luanda decretou que os ativistas deveriam continuar em prisão domiciliária. Praticamente um mês depois, os revus continuam à espera das alegações finais. "Nós sabemos que não podemos esperar nada de bom disto, apenas uma condenação", disse António Kissanda, da Central Angola 7311, à DW.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Os 15+2 estão a ser julgados por falar a verdade"
"Falar sobre as boas condições que José Eduardo dos Santos criou não é crime, mas dizer que não há luz, água potável, educação já é", diz António Kissanda. O 15+2 (Laurinda Gouveia, na foto, e Rosa Conde foram constituídas arguidas, mas aguardam julgamento em liberdade) estão a ser julgados porque "falaram a verdade".
Foto: Central Angola 7311
Ativistas usam greve de fome como forma de protesto
Em setembro, Domingos da Cruz, Inocêncio de Brito, Luaty Beirão (na imagem) e Sedrick de Carvalho declararam uma greve de fome contra a prisão preventiva, ilegal nessa altura, ao abrigo da Constituição angolana. Luaty Beirão manteve-se em greve de fome até ao final de outubro. Agora, é Nuno Dala quem usa a greve de fome como forma de protesto: tomou a decisão há seis dias (9.03).
Foto: Central Angola 7311
Julgamento sem fim à vista
Ontem (14.03), realizou-se mais uma sessão do julgamento dos 15+2. David Mendes (à esquerda na imagem), um dos advogados de defesa do grupo, recusa depor como declarante no processo. A sessão de ontem, prevista para as declarações finais, foi adiada para 21 de março, depois de o advogado ter sido impedido de exercer as suas funções como advogado de defesa.
Foto: DW/Nelson Sul d'Angola
"Isto é uma farsa que os levou à cadeia e os mantém na cadeia"
Para António Kissanda, da Central Angola 7311, este julgamento é uma farsa e lembra todos os outros ativistas que, ao longo dos 36 anos em que José Eduardo dos Santos está no poder, foram perseguidos e mortos. "Nós já estamos mortos, para dizer a verdade, só falta estarmos no caixão como prova disso", afirma. "Tal como em qualquer ditadura, é importante que não se criem mentalidades no povo".