Iain Levine, da Human Rights Watch, afirma não ter dúvidas de que o Governo está a enviar um sinal [à imprensa e povo angolano e à comunidade internacional] sobre as suas intenções para as eleições".
A acusação surge no seguimento da publicação de um artigo no portal Maka Angola, em outubro, onde o jornalista angolano acusa o procurador João Maria de Sousa de crimes de corrupção. A acusação visa ainda o diretor do jornal "O Crime”, Mariano Brás Lourenço, que republicou a notícia em causa.
Primeiro foi o Presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Paul Ryan, a chamar a atenção para a situação. No ínicio desta semana, o líder republicano no Congresso norte-americano usou o Twitter para pedir que se "deixasse cair a acusação contra Rafael Marques e Mariano Brás Lourenço". "A liberdade de expressão é uma forma básica de controlo da corrupção”, escreveu.
Já esta quinta-feira (29.06), a Human Rights Watch (HRW), organização internacional não-governamental de defesa de direitos humanos, emitiu um comunicado onde pede também ao Ministério Público angolano a suspensão das acusações aos dois jornalistas.
Em entrevista à DW África, Iain Levine, da Human Rights Watch, afirma que o ponto principal do comunicado enviado pela sua organização é a falta de liberdade de expressão e de imprensa em Angola. O responsável acrescenta que o que a HRW pretende com esta chamada de atenção é que o Governo angolano "não continue com estas acusações contra os jornalistas e deixe que eles trabalhem livremente fazendo o seu trabalho - exigindo que o Governo responda a investigações e acusações feitas por parte da imprensa”.
Apesar de considerar a "expressão de solidariedade " do americano Paul Ryan muito importante , uma vez que não existe "muita discussão sobre Angola nos Estados Unidos da América e não haver muito interesse por parte do público americano” para a realidade angolana, Iain Levine "duvida” que o seu pedido, juntamente com o pronunciamento da HRW, seja suficiente para o recuo da posição do Ministério Público.
Pressão do Governo em tempo de eleições
No entanto, alerta, a questão da liberdade de imprensa e de expressão assume especial importância neste período de pré-eleiçõe no país. Iain Levine não tem dúvidas que esta acusação surge nesta altura como forma de pressão. "Nestas eleições, José Eduardo dos Santos, Presidente há mais de 40 anos, não vai concorrer, portanto, são eleições importantes. Não tenho dúvida nenhuma de que o Governo angolano está a enviar um sinal [à imprensa angolana, ao povo angolano e à comunidade internacional] sobre as suas intenções à volta destas eleições”, assevera.
O responsável acrescenta ainda que sem liberdade de expressão "é muito difícil imaginar eleições livres e justas em Angola”. Portanto, continua, "a intervenção por parte da HRW e por parte do cidadão americano”, juntamente com a pressão internacional, bem como a nacional, "é muitíssimo importante para tentar pressionar o Governo angolano para que crie condições para eleições justas e livres”. "O Governo tem que ver, reconhecer e entender que a comunidade internacional se preocupa com as eleições”, acrescenta o responsável da organização de direitos humanos, mostrando ainda a sua preocupação sobre a falta de entendimento que existe, a nível do globo, sobre a realidade deste país quando comparada a outros países africanos. "O facto de Angola ser um país lusófono e não um país anglófono ou francófono dificulta o trabalho, porque é mais difícil acompanhar a situação no país do que, por exemplo, no Sudão, no Zimbabué ou outros países que têm situações difíceis de direitos humanos”.
Fazendo referência ao relatório que a HRW levou a cabo sobre as eleições em Angola em 2012 e que frisa "bastante a questão da liberdade de imprensa no país”, Iain Levine afirma que, cinco anos passados, "a situação não melhorou”.
Jornalistas intimidados
Questionado sobre se a acusação do Ministério Público aos dois jornalistas poderá intimidar os restantes profissionais dos media a trabalhar no país, Iain Levine é peremptório. "Não tenho dúvida nenhuma que os jornalistas angolanos não tão bem conhecidos como Rafael Marques e que não são conhecidos fora do país, estão com bastante ansiedade. Se eu fosse jornalista angolano estaria bastante ansioso e sempre a pensar no que ia escrever e no que podia dizer ou escrever e isso é exatamente o que o Governo angolano quer”.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".