Angola acusa media portugueses de "ingerência abusiva"
Lusa
19 de junho de 2021
O telejornal do canal público angolano TPA abriu ontem (18.06) com a leitura de um editorial em que os media portugueses foram acusados de transmitirem campanha de "ingerência abusiva" e desestabilização.
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Ao longo de cinco minutos, logo após abordar o tema da cimeira da CPLP que se realiza em meados de julho, em Luanda, a apresentadora do telejornal do canal público angolano TPA, Sílvia Samara, referiu que, neste momento em que governos e povos que integram a organização "aproveitarão para reafirmar laços de amizade, irmandade e cooperação", assistem-se a "ações contrárias" e "a partir de Lisboa, há quem ainda pense ser possível fazer ingerência abusiva e grosseira nos assuntos de outros estados da mesma comunidade".
"Os meios de comunicação nestes casos são apenas veículos de transmissão nesta campanha de desestabilização dos nossos países, daí não acusarmos nenhum deles em concreto", prosseguiu a apresentadora, apontando "reiteradas tentativas de, com reportagens televisivas, artigos em jornais ou noutros meios" se tentar mostrar que Angola não está realmente empenhada na luta contra a corrupção.
"Angola não é menor de idade"
"Em matéria de combate à corrupção e à impunidade, em apenas três anos, fez mais do que aqueles que nos pretendem dar lições", disse a apresentadora da TPA, sublinhando que "Angola não é menor de idade" e que a justiça angolana já condenou dois ministros e o gestor do Fundo Soberano de Angola, mesmo sendo filho do ex-Presidente, José Eduardo dos Santos.
Faz também alusão ao processo contra o empresário Carlos São Vicente, que está detido em Luanda, gestor da seguradora AAA, empresa pertencente à petrolífera Sonangol que "por obra e graça de São Vicente se transformou em suposta propriedade do empregado a quem o legitimo proprietário confiou a sua gestão".
E acrescentou que "por sinal, o protagonista desta façanha é genro do presidente e fundador da nação, pessoa de uma verticalidade moral acima de qualquer suspeita".
O editorial prosseguiu lembrando que o chefe do Estado angolano, João Lourenço, afastou das suas funções oito generais afetos à sua Casa de Segurança por suspeitas de ligação a um caso de corrupção e realça que "os maiores interessados na luta contra a corrupção em Angola são os angolanos e as suas autoridades" tal como "os maiores interessados no combate a corrupção em Portugal são os portugueses".
O editorial lido por Sílvia Samara passou na altura, a focar-se em Portugal que, disse, "tem, entre outros, o processo Marquês que se arrasta há anos a fio".
"Nunca interpelou o chefe de Estado português"
"Mas nunca a comunicação social angolana interpelou o chefe de Estado português ou o primeiro ministro português para se pronunciarem sobre o caso por que não nos diz respeito mas também porque sabemos que, tal como em Angola, não é deles a responsabilidade pelo bom andamento, ou não, dos processos judiciais", disse a apresentadora da televisão pública.
Silvia Samara recomendou a "essas forças, que hoje se julgam no direito de pressionar o chefe de Estado angolano a demitir ministros" que pressionem a justiça portuguesa a abrir processos crime "contra os cidadãos portugueses que geriram as fortunas angolanas exibidas em Portugal nos últimos 20 anos e que, na altura, eram consideradas bem vindas com a conivência de muito boa gente travestida de moralista sem moral".
O editorial terminou em tom conciliador e deixa recados: "No meio de toda esta pouca vergonha, atrevimento e insensatez resta nos a consolação de, a nível institucional, o chefe do Estado português, o Governo português e a justiça portuguesa trabalharem sempre pela manutenção das boas relações de amizade e cooperação entre os nossos países, mantendo-se longe dos círculos que nos querem tratar como meras marionetas de circo, embora devessem saber que com Angola isso não e possível".
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Inquérito ao ministro angolano da Energia
Na quinta-feira (17.06), a TVI noticiou que o Ministério Público abriu um inquérito ao ministro angolano da Energia, João Baptista Borges, por suspeitas de branqueamento de capitais dando conta de uma investigação que envolve o governante e membros da sua família em alegados negócios ilícitos ligados ao setor da energia.
Um caso ainda mais mediático foi o processo judicial relativo a Manuel Vicente, ex-vice-presidente angolano e "patrão" da Sonangol que se transformou num "irritante" na relação entre Portugal e Angola.
O Tribunal da Relação de Lisboa acabou por enviar para Angola o processo, em 2018, com base num recurso interposto pela defesa de Manuel Vicente. O Ministério Público português imputou a Vicente os crimes de corrupção ativa, branqueamento de capitais e falsificação de documento.
O ex-vice-Presidente do país e antigo dirigente da petrolífera estatal cujo nome tem surgido envolvido em vários escândalos de corrupção tem estado a salvo dos processos criminais, com base na Constituição angolana que concede uma imunidade aos antigos titulares deste cargo, que só terminaria cinco anos após o fim do mandato, em setembro de 2022.
A Procuradoria-Geral da República de Angola (PGA) tem mantido o silencio sobre eventuais investigações, mas chegou a admitir que as imunidades que protegem o antigo governante poderiam ser reavaliadas.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.